segunda-feira, 6 de abril de 2020

Não, não vai tudo ficar bem

Dia 22.

Desculpem-me, mas não consigo repetir a frase “porreirista” do momento. Não consigo sequer dizê-la aos meus filhos, ou incentivá-los a que a usem e muito menos que a pintem em desenhos fofinhos. Não gosto, nunca gostei, de responder às crianças com outra coisa que não seja a verdade. E a verdade hoje é muito mas negra do que o arco-íris que fica bem mostrar ao mundo.

A visão unicórnio da pandemia, repetida mesmo ad nauseum nas televisões em mensagens a pensar nas audiências, é só bonita para quem está em casa, sentado no sofá, ligeiramente entediado por não ter mais séries de Netflix para ver, mas a quem o salário continua a cair, como de costume, direitinho na conta ao fim do mês. Para os que estão tranquilos no seu confinamento, sem problemas de maior, só com o aborrecimento de não poder sair de casa durante um Estado de Emergência que lhes trocou as voltas e os planos para as férias da Páscoa.

Normalmente são também esses os que dizem que de tudo isto vai nascer um mundo muito melhor. Que a Covid-19 resolverá todos os males do planeta, que acabará tanto com o egoísmo humano como com o aquecimento global e outras conversas de auto-ajuda new age 2020. “Isto até tem sido bom para as famílias, ficam mais tempo juntas, fazem desporto”, oiço um ator dizer num canal noticioso enquanto escrevo estas linhas…

Mas são tantos, tantos, os que não têm a mesma sorte. Bom?!

Conheço empresários que não sabem como vão pagar salários aos funcionários já no fim deste mês e quanto tempo se aguentam sem faturar. Tenho duas primas e uma grande amiga que já foram colocadas em lay-off. Os meus familiares que trabalham no teatro não sabem quando, alguma vez, vão ver as salas – o seu ganha-pão – reabertas. Outros amigos têm restaurantes e estão com a corda na garganta, a tentar sobreviver. Para não falar dos freelancers: designers, arquitetos, produtores, jornalistas que conheço, que ficaram sem mercado, sem negócio e sem salário, com uma mão atrás e outra à frente. Um vizinho fazia casamentos e agora viu todas as festas adiadas sem dia marcado. Uma amiga trabalhava em grandes eventos e vai ficar pelo menos um semestre parada. Um primo está a fazer contas à vida porque o contrato, renovável, termina em Agosto. Um outro vivia de alugar casas no Airbnb e não sabe como vai refazer a vida nos próximos meses. Uma amiga de infância está muito doente e fragilizada, não pode de maneira nenhuma apanhar a Covid-19.

Para todos estes, que são só uma pequena amostra à minha volta, não lhes venham com a conversa do “vamos todos ficar bem”. Não, não vamos.

Mais de 22 mil empresas já recorreram ao regime para evitar encerramentos e despedimentos de trabalhadores. O número de portugueses em lay-off já supera o do desemprego. O PIB nacional vai garantidamente afundar este ano para território negativo: 2%, 3%, mais? É difícil de prever.

Estamos mergulhados numa aflição sem precedentes, a tentar mantermo-nos à tona enquanto o tsunami leva tudo à sua frente. Quando isto passar, vamos tentar resgatar quem sobreviveu, limpar os destroços e levantar um novo País dos escombros. Há, claro, coisas boas e bonitas, como há sempre mesmo no meio do caos e da calamidade.

Mas bem, garantidamente, não vamos ficar. Melhor ou pior, haveremos de sobreviver.

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