segunda-feira, 6 de abril de 2020

Use máscara

Use máscara. No tempo em que as pessoas cuidavam da saúde recebendo do sol a sua carga diária de vitamina D, Pedro Bial fez sucesso com um poema-canção de dicas sobre o planejamento da felicidade futura. “Use filtro solar”, dizia o refrão. A vida era uma experiência errante, reticenciava o poeta-jornalista. As outras dicas que ele poderia dar eram tão incertas como a eficácia de mascar chicletes para resolver uma questão de álgebra.

Hoje, se eu pudesse oferecer uma única dica, não sobre a felicidade a ser buscada, que isto ficou na sombra, mas sobre a possibilidade de chegar ao futuro e aí então voltar a lutar por esses luxos da existência, esta única dica seria: use máscara.

Não se sinta culpado por não estar lendo as 900 páginas do “Guerra e Paz”, o velho sonho há muito adiado. Talvez, pela primeira vez na vida, você esteja sentindo um medo de verdade, como diz o poema, uma vontade de chorar baixinho, como diz o samba-canção, e isso vale por todos os romances deixados de ler.

Stephen King foi para a prateleira de terror infantil, a barata do Kafka já não parece tão absurda. Quando isso acontece não há dicas a se oferecer. O poema do Bial, tradução de um original da americana Mary Schmich, falava da necessidade de se cuidar dos joelhos, pois um dia você precisaria deles. Chegou a hora. Ajoelhe, reze forte e chame os deuses que porventura estejam desocupados. Se algum aparecer, tenha fé. Peça a salvação com toda a ênfase que lhe estiver ao alcance - mas, por favor, use máscara.

Você fez poupança, engordou o porquinho financeiro, apostou numa aposentadoria privada. Tudo na crença de que o gerente de banco é o grande administrador do futuro e, diante de um desemprego, da vontade inarredável de dançar no Central Park, seria só sacar. Deu ruim. O parque fechou, o futuro acabou e agora só resta dançar trancado no quarto. Faça um vídeo. Para respirar afeto no confinamento, mande aos amigos.

Encrencas não têm esse nome feio à toa. Surgem, de um mercado de bichos na China, de um aperto de mão no casamento grã-fino, e morrem de rir de nossa cabeça programada com antigas preocupações. Eu, você, o gerente de banco, todos ficaremos diferentes, talvez menos mesquinhos em distribuir sentimentos, se formos adiante com as lições desse inimigo de quem nunca ninguém supôs. Mas para isso não se esqueça. Escreva a hashtag em suas mensagens no Twitter: #usar máscara.

A poesia de Schmich e Bial soa otimista quando diz que a peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo - um verso sobre o qual há divergências em abril de 2020. Guarde o filtro solar para quando sair da quarentena. Amanhã, por exemplo, é o Dia dos Jornalistas. Alguns deles têm cumprido a pauta de ir pela manhã até a porta do Palácio da Alvorada. Em tempos de coronavírus, são corajosos. Perguntam, não respondem às ofensas, publicam. Lembram Joel Silveira, que mandou notícias do front da Itália na Segunda Guerra, ou José Hamilton Ribeiro, que perdeu a perna numa mina terrestre para informar sobre o Vietnã. Os novos heróis de Brasília, autênticos correspondentes de guerra, têm se saído muito bem na batalha contra os perdigotos do presidente. Parabéns. Continuem. Usem máscara.

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