Já houve tempo em que a corrupção na política brasileira era investigada e discutida na casa dos milhares de reais, mas hoje só se fala em milhões e até bilhões de reais ou dólares, vejam como em poucos anos os políticos brasileiros evoluíram e se especializaram nessa arte de enriquecer ilicitamente fazendo uso dos recursos públicos. Em 2005, por exemplo, ainda no primeiro mandato do presidente Lula, a grande discussão se concentrava na modesta quantia de R$ 29 mil, que o chefe do governo havia tomado por empréstimo ao PT.
Segundo a prestação de contas do PT encaminhada ao Tribunal Superior Eleitoral, Lula tinha feito uma dívida com o partido por conta de “adiantamento a empregados” e “adiantamento a terceiros”. Na época, foi um escândalo, e o então presidente da República afirmou ter encarregado seu procurador, Paulo Okamotto, de explicar o pagamento do tal empréstimo.
Foi uma festa. Na época, Okamotto era presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e se enrolou todo ao dar as explicações. Informou que a dívida de Lula foi gerada por uma passagem emitida antes de 2002 à mulher dele, Marisa Letícia, para uma viagem à China, na qual ela acompanhou Lula, que então era presidente de honra do partido, além de incluir “adiantamentos em moeda estrangeira” para viagens de Lula a China, França, Portugal e Itália, e também “adiantamentos a funcionário que teriam ocorrido em 1997”, ou seja, oito anos antes, evidenciando uma confusão bancária digna de comédia.
Em nota divulgada à imprensa, Okamotto afirmou ter sido nomeado procurador em dezembro de 2002 exclusivamente para tratar da demissão de Lula do cargo de assessor do PT, mas acabou cuidando também da dívida, que teria sido paga em quatro parcelas, entre dezembro de 2003 e março de 2004. Apertado pelos jornalistas, inicialmente disse não poder comprovar com recibos ou outro documento ter entregado ao PT dinheiro próprio para quitar a dívida de R$ 29 mil de Lula. Depois, mudou a versão e afirmou que o partido “deve ter dado recibos”.
Por fim, declarou que, para pagar a dívida, fez saques de suas contas bancárias pessoais, em agências de Brasília, em datas não coincidentes com os pagamentos das parcelas. Não deixou claro como o dinheiro foi repassado a um funcionário do partido (sem pegar um recibo), no valor correto da parcela. Okamotto também não detalhou como o dinheiro foi enviado para São Paulo – onde os depósitos teriam ocorrido em quatro agências diferentes do Banco do Brasil.
“Eu estou em Brasília, eu ia ao caixa eletrônico e ia sacando”, disse Okamotto, que não sacava apenas no caixa eletrônico, segundo ele próprio admitiu.
Indagado sobre o motivo pelo qual usou dinheiro para quitar as parcelas, e não um simples cheque ou uma transferência bancária, Okamotto afirmou à Folha: “Tem que ser em espécie. Se eu faço em cheque, quem pagou foi Paulo Okamotto, não foi Lula. Ia lançar como na contabilidade?”.
Okamotto foi ficando cada vez mais confuso e disse que, além do dinheiro sacado de suas contas, ainda teria recorrido a US$ 3.500 “que sobraram dos gastos das viagens internacionais e que estavam em poder da Secretaria de Relações Internacionais do PT”.
Oito anos depois, agora na condição de presidente do Instituto Lula, Okamotto foi novamente encarregado de defender o amigo e deu entrevista tentando minimizar a proximidade entre Lula e o pecuarista José Carlos Bumlai, preso pela Polícia Federal.
“O Bumlai frequentava as festas e aniversários, mas não era ‘aquele’ amigo do Lula que todo mundo está falando”, afirmou Okamoto, que logo começou a se enrolar, ao dizer não acreditar que Bumlai tivesse passe livre no Palácio do Planalto. “Isso foi amplamente divulgado pela imprensa mas acho difícil de acreditar. Eu sou mais amigo do Lula do que o Bumlai e precisava me identificar toda vez que ia ao Palácio. Essa história não é crível”.
Caramba! Quer dizer que Okamotto desconhece que na portaria principal havia um aviso oficial de “Atendimento Específico”, com três fotos de Bumlai, permitindo a entrada dele no Palácio “em qualquer tempo e em qualquer circunstância”. Não sabe que o aviso foi fotografado pela Veja na época e desde então faz um sucesso enorme na internet. Desse jeito, como é que ele pretende defender Lula?
Segundo o repórter Ricardo Galhardo, do Estadão, depois da mancada Okamotto foi evasivo ao comentar se Bumlai estaria usando indevidamente o nome de Lula para fazer negócios. “Quem usa o quê? O jornalista usa a fonte. A polícia usa a testemunha. A pessoa que quer abrir portas usa o nome de uma pessoa importante”, tentou justificar.
Indagado se Lula é o alvo da PF, ele respondeu: “Acho que não. O que a PF está fazendo é investigar. É natural. Cada um sabe o que fez, mas a gente não sabe o que as outras pessoas fazem”, admitiu Okamotto, que no final da entrevista parece que já estava tirando o corpo fora, como se dizia antigamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário