quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Efeitos permanentes da crise

Recessões são eventos recorrentes. Por diferentes razões, de tempos em tempos, a atividade econômica cai e com ela o investimento, consumo e emprego. Em algum momento, observa-se uma recuperação e a vida volta ao normal. Esta pode ser rápida - em V, como dizem os economistas - ou lenta, mas os efeitos das crises costumam ser transitórios. A crise atual, entretanto, a mais grave das últimas décadas, deverá ter efeitos de médio e longo prazo que vão muito além do roteiro acima. O país tende a ficar mais pobre, mais desigual, e o crescimento pode se tornar permanentemente mais lento. O impacto duradouro se dará principalmente através da educação.

Embora os indicadores educacionais tenham melhorado, a educação no Brasil permanece, em geral, de baixa qualidade. O problema atinge particularmente crianças e jovens mais pobres. Vindos de um ambiente doméstico menos escolarizado, eles já iniciam a vida estudantil em desvantagem, pois a evidência revela que a educação dos pais é fundamental na educação dos filhos. O problema poderia ser parcialmente sanado na escola, mas os indicadores de qualidade do ensino mostram que escolas públicas, onde os pobres estudam, são piores que as privadas frequentadas pelas crianças mais ricas.


A situação se agrava no Ensino Médio, onde um currículo voltado ao acesso à universidade, contendo muitas matérias (mal ministradas) aliena ainda mais o aluno pobre. Ao atingir o Ensino Médio, e pouco aprender, muitos jovens pobres escolhem abandonar o estudo e entrar no mercado de trabalho. Como não obtiveram qualquer qualificação estão fadados, por toda a vida profissional, a trabalharem em empregos ruins e de baixa remuneração. A recente reforma do Ensino Médio de 2016 busca corrigir isso, mas o panorama ainda é desanimador.

Esse quadro piorará muito com a pandemia, pois muitas escolas públicas não funcionaram no ano passado, devido ao isolamento necessário para evitar o contágio. Ao contrário das escolas privadas, que adotaram prontamente o ensino à distância, na maioria das públicas não houve ensino remoto. E nas poucas em que houve, o baixo acesso à rede móvel e à banda larga não permitiu às crianças pobres assistir de forma satisfatória às aulas em seus computadores - muitos alunos sequer possuem computadores ou tablets em casa - ou celulares. Assim, perdeu-se um ano inteiro de ensino.

Se em condições normais muitos jovens já não terminavam o Ensino Médio, agora o abandono será ainda maior. Como tudo indica que a volta ao ensino presencial não ocorrerá (plenamente) em 2021, haverá uma geração permanentemente menos educada que a anterior, que já não estava bem na foto. O problema não será revertido quando a covid-19 for derrotada. Depois de um ou dois anos fora da escola, e já trabalhando por algum tempo, dificilmente os jovens voltarão a estudar.

Haverá uma geração menos qualificada que as anteriores permanentemente presa a ocupações e empregos de baixa remuneração. Como aprenderam pouco e muitos sequer terminaram o Ensino Médio, as opções no mercado de trabalho para esses jovens serão piores do que já eram para as gerações anteriores. Muitos irão para a informalidade e outros pularão, durante sua vida profissional, de trabalhos precários para outros igualmente precários. Esses jovens não terão jamais acesso a bons empregos. A pobreza no futuro será maior do que seria se não houvesse ocorrido a pandemia.

Além da maior pobreza, também a desigualdade aumentará em relação a um quadro de normalidade. As crianças das classes médias e ricas, mal ou bem, continuaram estudando, e suas perspectivas futuras no mercado de trabalho foram muito menos afetadas. Esse grupo, provavelmente, não sofrerá a mesma perda de renda no futuro, o que aumentará a distância em relação aos mais pobres.

O choque da covid-19, além de aumentar a pobreza e a desigualdade, terá um efeito deletério permanente no ritmo de expansão da economia, pois há hoje forte evidência de que a educação é um importante determinante do crescimento de longo prazo dos países.

Haveria algo a fazer para amenizar essa situação? Talvez, desde que houvesse alguma coordenação ou plano federal para enfrentar o problema. Mas, em 2020, mal se ouviu falar do Ministério da Educação, de onde parece não ter saído nenhuma ideia útil para amenizar ou corrigir, mesmo que parcialmente, a interrupção quase que total do ensino público.

Parte dos gastos com auxílio emergencial, por exemplo, poderia ter sido utilizada para subsidiar a compra de tablets e o acesso à banda larga, como observado em outros países. Professores poderiam ter sido treinados para dar aulas remotas - muitos lavaram as mãos e se abstiveram de buscar soluções -, e algum esquema de recuperação escolar poderia ter sido implementado. Aulas presenciais, para turmas menores, poderiam ter sido tentadas já no segundo semestre. Entretanto, pouco foi feito e as crianças foram basicamente abandonadas à própria sorte.

Muitos parecem crer que a situação, embora gravíssima, seja temporária. E uma vez terminada a pandemia, tudo voltará ao normal. Não será o caso. Além do déficit de ensino das crianças menores, que exigirá um grande esforço para ser corrigido, haverá um número enorme de jovens que não retornarão à escola. Trata-se de um choque permanente que afetará não só a renda e a vida futura dessas pessoas, mas também as perspectivas de longo prazo do país. Este será ainda mais pobre e desigual.
Pedro Cavalcanti Ferreira, diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento/ Renato Fragelli Cardoso, professor da EPGE-Fundação Getúlio Vargas

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