segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O futuro imprevisível

Uma coluna de jornal costuma dar a seu titular a duvidosa condição de oráculo. Alguns leitores, ao ver o colunista na rua, param para conversar, expressam suas aflições sobre a conjuntura política, econômica, cultural, e pedem sua opinião sobre o que irá acontecer --e a atual conjuntura mais que justifica essa aflição. Quando me fazem essa pergunta, só posso responder com a velha frase, de autoria incerta, mas de mortal precisão: quem diz que sabe o que vai acontecer é porque está muito mal informado.

Numa faxina recente, caiu-me às mãos um número da extinta revista Manchete, de 13 de janeiro de 1968, com Leila Diniz na capa. O prato forte era uma reportagem com videntes, daqui e de fora, sobre o que iria acontecer naquele ano. Resolvi ler.


Os videntes brasileiros previram grandes agitações estudantis no meio do ano, abalando o governo do ditador Costa e Silva, que, no entanto, terminaria seu mandato. Pois não é que houve mesmo o movimento estudantil, culminando na Passeata dos 100 mil, a 26 de junho? Mas isso não era difícil de prever, porque as agitações já vinham desde 1967. E Costa e Silva, como se sabe, não terminou seu mandato --morreria de um AVC, em 1969.

Os videntes europeus citados pela Manchete previram a vitória de Bob Kennedy na eleição presidencial americana, a tomada de Paris pelos ratos, a chegada do homem à Lua, a descoberta da cura do câncer e um desastre envolvendo um Beatle. Erraram tudo. Kennedy foi morto em campanha, os ratos fizeram forfait, o homem só chegaria à Lua em 1969, o câncer continuaria invicto e o único desastre envolvendo um Beatle foi a notícia do namoro de John Lennon com Yoko Ono. Ninguém previu a Primavera de Praga, o assassinato de Martin Luther King, a estreia da peça "Hair", o decreto do AI-5.

Hoje, mais difícil do que prever o que acontecerá no Brasil é se ainda haverá Brasil para acontecer.
Ruy Castro

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