O fanático abraça toda a realidade para que não possa haver ninguém diferente dele. Não existem em suas contas a soma nem a multiplicação. Segundo o escritor, “ele não quer cortinas no mundo, nem sombra de vida privada ou diferente da sua”. O verdadeiro fanático “se acredita enviado por Deus para purificar o mundo e torná-lo todo igual, sem diferenças”.
Nesta linha de raciocínio, para o fanático, “a justiça é mais importante do que a vida”, e o “ódio cego faz que quem se encontre do outro lado da barricada seja idêntico a ele”. Uma vez mais, o fanático só consegue contar até um. O dois não existe para ele, ou deve ser assimilado ou destruído.
Essa forte presença do fanatismo é hoje, segundo o escritor, mais perigosa depois do nazismo e do stalinismo. Naquela época, por algum tempo, os nazistas, por exemplo, se envergonhavam de sua condição e até chegavam a escondê-la. Hoje é ainda mais grave, já que a vacina parcial que tínhamos recebido está acabando e os fanáticos agem com o rosto descoberto, quase com orgulho. “Ódio, fanatismo, animosidade ao outro, ao diferente, e brutalidade política são proclamados à luz do sol”, segundo o escritor.
E assim, nesse clima do ressurgimento do fanático, “cada vez mais pessoas escolhem o ‘furioso’, o ‘chocante’ o ‘sinistro’, o ‘enlouquecedor’ e até ‘morrer e matar’”, anota o escritor israelense que morreu sem receber o Nobel de Literatura, certamente por suas posições abertas em favor do diálogo entre Israel e a Palestina, sua grande obsessão democrática e humanista. E acrescenta que hoje talvez não seja inocente nem casual “a infantilização das multidões em todo o mundo”, com o objetivo de alimentá-las com o maná da fascinação do fanatismo.
“Todos os tipos de fanáticos tendem a viver em um mundo em que tudo é preto ou branco”, escreve Amós, que confirma sua definição de alguém “que só sabe contar até um”. Não existe para ele a riqueza da soma das diferenças. O verdadeiro fanático é alheio e insensível à ideia de que possa haver algo ou alguém diferente dele. Assim, acaba privado de tudo o que enriquece e enobrece o mundo como é a diversidade. O fanático nunca entenderá valores como a amizade com alguém que possa levantar uma bandeira diferente da sua, como o diálogo, a política de gênero, a riqueza de compartilhar ideias e pensamentos que não sejam os seus.
O fanático de hoje é incapaz de desfrutar da luminosidade produzida pela mistura das cores. Para isso, teria de aprender a somar e multiplicar a luz em um grande caleidoscópio que reflita a riqueza da vida e de seus contrastes. Infelizmente, “só sabe contar até um”. Todo o resto não existe para ele, ou só lhe interessa domesticado ou morto.
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