O gesto de Bolsonaro não foi banal. Marcou uma espécie de rendição do presidente brasileiro ao pragmatismo diplomático. Ele hesitava em reconhecer integralmente o Acordo de Paris desde a campanha presidencial de 2018. Na véspera, irritado com cobranças ambientais feitas pela premiê da Alemanha, Angela Merkel, Bolsonaro dissera que os alemães "têm a aprender muito conosco" em matéria de meio ambiente. Avisara que não desembarcara na reunião do G20 para "ser advertido por outros países". O ministro palaciano Augusto Heleno soara ainda mais corrosivo, recomendando a Macron e Merkel o seguinte: "Vão procurar a sua turma!"
Em Bruxelas, a delegação brasileira, comandada pelos ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Tereza Cristina (Agricultura), procurava acertar-se com a turma europeia. Numa troca de telefonemas, Bolsonaro foi alertado para o fato de que os comentários feitos em Osaka ecoavam na sala de reuniões de Bruxelas. Não restava ao capitão senão abraçar as metas de Paris, pois o respeito ao acordo climático está expressamente previsto no tratado comercial do Mercosul com a União Europeia.
Consumado o desfecho positivo, Bolsonaro foi às redes sociais para faturar a novidade como uma conquista pessoal. Deu de ombros para esforços realizados ao longo de duas décadas. Não mencionou o passado senão para magnificar o presente: "Histórico!", escreveu Bolsonaro. "Nossa equipe, liderada pelo embaixador Ernesto Araújo, acaba de fechar o Acordo Mercosul-UE, que vinha sendo negociado sem sucesso desde 1999. Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia."
No final de 2018, após a vitória de Bolsonaro na disputa presidencial, o então futuro ministro da Economia Paulo Guedes ofereceu uma ideia da importância que o novo governo atribuiria ao bloco regional que agora entusiasma o capitão: "O Mercosul não é prioridade", disse o Posto Ipiranga a uma repórter do jornal argentino Clarín. "Você está vendo que aqui tem um estilo que combina com o presidente, que fala a verdade. A gente não está preocupado em agradar."
A arrogância era uma decorrência da desinformação. Sob Michel Temer, estreitaram-se as negociações do Mercosul com o bloco europeu. A coisa só não avançou porque o apodrecimento ético do governo Temer afugentou os parceiros. A gestão Bolsonaro encontrou a bola na marca do pênalti. Até Paulo Guedes percebeu que seria uma tolice não empurrar um bom acordo comercial para o fundo da rede.
De resto, é imperioso registrar que o fechamento do acordo foi azeitado por ninguém menos que Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos ameaça impor barreiras tarifárias para produtos procedentes da Europa. Acossados, os países europeus passaram a enxergar o Mercosul com outros olhos. É como se dissessem para Trump: "Já temos para quem vender os nossos automóveis. E passaremos a comprar commodities agrícolas do Brasil, não dos Estados Unidos".
Suprema ironia: Ao fechar a economia dos Estados Unidos o populista preferido de Bolsonaro ajuda a abrir o mercado do Brasil. Grande avanço. Resta saber onde o chanceler Ernesto Araújo, ministro da cota de Olavo de Carvalho, vai acomodar o seu discurso anti-globalismo. É cada vez menor o espaço para a encenação daquilo que o ex-ministro Santos Cruz chamou de "show de besteiras".
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