quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Maquiavel passou por Brasília

De tanto falarem nele, Maquiavel apareceu em Brasília. Resolveu conferir se seus ensinamentos estão sendo seguidos. De cara, surpreendeu-se com o abundante número de “Príncipes” batizados de caciques, coronéis, oligarcas, entre outros nomes, diferentemente das cortes na velha Itália, que se moviam em torno de um único Príncipe.

Percebeu ainda que, aqui, muitos são os polos de poder, sem que isso signifique democratização. E identificou na capital do Brasil uma luta de poder multipolar bem mais complexa dos que as disputas entre o Reino de Nápoles, o Ducado de Milão, os Estados Pontifícios e a República de Veneza.

Prosseguindo em sua observação, Maquiavel verificou que no Distrito Federal, mesmo passados cinco séculos da publicação de seu clássico livro (não à toa intitulado O Príncipe), o que alimenta a política é a conquista e a manutenção do poder, conforme já denunciava no livro. Independentemente de outros aspectos. E que, ainda conforme preconizou, muitos políticos se valem de todos os meios para se manter no comando.

Assim, constatou que a sua lição de que os fins justificam os meios foi muito bem aprendida no Brasil.

Ao tomar conhecimento da Operação Lava-Jato, o pensador, que nasceu em 1469 em Florença (onde também morreu, aos 58 anos), ficou atordoado com os números e a complexidade das relações entre empresas privadas e poder público no Brasil. Ficou ainda mais chocado quando soube que o que foi descoberto em torno do Petrolão não passa de uma das pontas de um imenso iceberg.

Ouvindo os relatos sobre a investigação, disse que os Príncipes daqui exageram no tocante a não serem limitados pela moralidade. Teria inclusive sugerido às minhas fontes que até para ser imoral deve existir um limite. E que o limite é o bom-senso, artigo em falta no país.


Sabendo que a Lava-Jato tem sangrado o mundo político e que este, pelo seu lado, não enfrenta a questão de frente ou não busca uma solução, Maquiavel pensou em sugerir uma ampla anistia aos políticos, desde que eles fossem banidos da política e pagassem uma multa. Ignorou comentários irônicos de que ele não entende de Brasília e que por aqui, como a esperança é sempre a última que morre, é melhor ir empurrando tudo com a barriga.

Convidado a ir a Curitiba para conhecer alguns dos protagonistas da força-tarefa da Lava-Jato, Maquiavel declinou do convite. Temia que em um surto de ativismo judicial pudesse se indiciado nos inquéritos e ele ficasse impedido de voltar ao Além. Vá lá que alguém o delatasse?! Preferiu não arriscar.

Paradoxalmente, observou que os políticos brasileiros são lenientes com os adversários: o inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã. E vice-versa. Ele acha que é assim mesmo em política, só que não se pode exagerar.

Ouviu, com espanto, que inúmeros aliados da ex-presidente Dilma Rousseff foram mantidos em cargos de confiança após seu impeachment. Não souberam explicar-lhe se por desinformação, imprudência ou os dois ao mesmo tempo. Para ele, no entanto, é intolerável que dissidentes não sejam severamente punidos e que inimigos não sejam sumariamente afastados de suas posições com a mudança de governo.

Nesse sentido, viu que os políticos no Brasil de hoje não levam em conta a história. Que a maioria mal sabe o que é história – pensa que é o que está no jornal de ontem e nem desconfia que ela pode ensinar.

Ficou espantado, por exemplo, ao saber que o ex-presidente Fernando Collor, mesmo tendo sofrido impeachment, está voltando ao banco dos réus sob suspeita de corrupção. E deduziu que nesse caso a história não se repete como farsa; a história é a própria farsa.

Viu ainda que o Brasil e os brasileiros vivem em uma espécie de presente intenso que se limita ao que é visível. E, em sendo óbvio, é objeto de reação e não de reflexão. Daí o desprezo pela história e o descuido com o futuro.

O que fez o pensador concluir que poucos políticos brasileiros de hoje se encaixam nos tipos de inteligência que ele admirava. Segundo ele, uma verdadeira inteligência entende por si mesmo o que se passa. Poucos por aqui estão entendendo – por si mesmo – o que se passa.

Um segundo tipo é capaz de discernir a partir do que os outros entendem. Igualmente, poucos ouvem opiniões independentes.

Existe um terceiro tipo não é capaz de entender por si nem entender pelos outros. É um inútil.

Maquiavel reconheceu a inutilidade da maioria dos políticos que conheceu em Brasília. Soube que a imensa maioria dos que passam pela cidade nada deixa. Ou, quando deixa, são histórias tristes para a cidadania.

Notou ainda a omissão da sociedade, que não quer se meter nos negócios públicos. Prefere manipulá-los a distância.

Vendo a confusão instalada, lembrou que, para ele, existem duas formas de combater o inimigo: com a lei e com a força. Não viu, no Brasil, o mundo político reagindo nem com um nem com outro ao desafio das investigações.

Percebeu que as forças judiciais da República de Curitiba são bem mais maquiavélicas que as do Reino da Fantasia de Brasília, já que usam tanto a força quanto a lei.

Instado a comentar sobre o governo Michel Temer e seu ímpeto reformista, lembrou-se de uma frase de seus escritos: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem das coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem das coisas e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem.”

Reparou que poucos parlamentares defendem com vigor as reformas propostas pelo governo. Mesmo com o Estado “bancorotto”, governo e políticos dançam em meio a uma chuva de meteoritos torcendo para que nada os atinja.

Por fim, ao intuir a ausência de uma estratégia clara de comunicação por parte do governo, Maquiavel novamente lançou mão de uma frase sua: “Governar é fazer acreditar.” Lamentou que o governo, como um todo, não acredite em si mesmo nem tenha ideia do tamanho de seu poder. E que tampouco saiba dizer direito o que faz.

Perguntado se toparia dar consultoria ao Palácio do Planalto, respondeu que não. Temia que a Andréa Sadi noticiasse que ele foi recebido fora da agenda. Assim, preferiu voltar para a sua Florença.

Candidato feito nas coxas

 
Se eu não puder ser candidato, a gente vai arrumar alguém para ser
Lula

Nova denúncia anti-Temer reacende chantagem

Finalmente, uma boa notícia: nas próximas semanas, não haverá nenhum aumento de fisiologismo e de desfaçatez no cenário político. Continuaremos nos mesmos 100%. Você está prestes a assistir a um filme repetido. Vem aí a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer. A primeira era por corrupção. A nova acusará o presidente de obstrução de Justiça e, muito provavelmente, de organização criminosa. Vai começar tudo de novo.

Resultado de imagem para temer compra de apoio charge

Temer tentou afastar o procurador-geral Rodrigo Janot do processo. Mas fracassou. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, indeferiu o pedido. Agora, Janot aguarda apenas a homologação da delação do operador de propinas Lúcio Funaro. Revelações feitas por ele rechearão a denúncia, que jogará mais lama também sobre a milícia do PMDB da Câmara.

Pela Constituição, o Supremo só pode investigar Temer se a Câmara autorizar. E a chance de isso ocorrer é próxima de zero. Respira-se nos porões de Brasília, desde já, uma atmosfera de chantagem. O Planalto vai comprar o resgate do presidente pela segunda vez. À exceção do preço, que deve subir, o enredo faz lembrar o filme anterior. A mesma embarcação temerária, o mesmo comandante presunçoso. O mesmo iceberg no caminho. Tudo muito parecido com Titanic. A diferença é que eles se salvam. Apenas o país continuará afundado num oceano de mediocridade.

Gente fora do mapa

Resultado de imagem para inundação em mumbay

O abismo ao lado

A divulgação do deficit primário das contas do governo dos últimos 12 meses (até julho) acendeu uma luz vermelha no mercado. O rombo é de R$ 183,7 bilhões, muito acima da nova meta fiscal que o governo pretende aprovar no Congresso, de R$ 159 bilhões. Segundo o Tesouro, o resultado negativo se deve à frustração de receitas na ordem de R$ 7,4 bilhões. O corte de R$ 3 bilhões na despesa mensal não foi o suficiente para compensar a perda de arrecadação menor, razão pela qual o resultado primário de julho ficou R$ 4,5 bilhões abaixo do programado. Diante desse quadro, resta ao Ministério da Fazenda mexer com as despesas obrigatórias, principalmente as da Previdência, para trazer os gastos do governo para dentro da meta prevista.

A aprovação da reforma da Previdência, porém, continua no telhado, porque a base governista vende caro o apoio ao presidente Michel Temer. Às voltas com uma reforma política polêmica, cujo objetivo é garantir a reeleição do maior número de deputados e senadores, o Congresso emite sinais de que começa a se descolar do Palácio do Planalto e a atuar com maior autonomia, de olho em 2018. Pelos corredores da Câmara, por exemplo, os deputados choramingam as promessas não cumpridas pelo governo, em troca de rejeição da denúncia contra Michel Temer. O clima tumultuado da sessão do Congresso de ontem mostra bem a qualidade do ar que se respira nas duas Casas.


É nesse cenário que todos esperam a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já avisou ao presidente Michel Temer que o ambiente na Câmara não é bom. Além de refugar a reforma da Previdência, parte da base começa a chantagear o Palácio do Planalto. Tudo indica que a denúncia virá na primeira quinzena de setembro, ou seja, no apagar das luzes do mandato de Janot. A não ser que o relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Édson Fachin, não homologue a delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, enviada ontem ao STF.

De acordo com investigadores, Funaro trata das suspeitas de que o presidente teria cometido obstrução de Justiça. Para o Ministério Público Federal, o diálogo do presidente com Joesley Batista, um dos donos da JBS, mostraria a suposta concordância de Temer com o pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao próprio Funaro, para que eles não fechassem acordo de delação.

Os dois principais pilares de sustentação do governo Temer são a credibilidade da equipe econômica e a base parlamentar robusta. Ambos sofrem desgastes por causa da fricção política originada pela Lava-Jato. Entretanto, o maior problema do governo é a gravidade da crise social causada pelo desemprego, que chegou a 13% no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada. São 13,486 milhões de desempregados. O governo não sabe o que fazer com isso, pois a economia não cresce o suficiente para reduzir o índice de desemprego.

Todos os sinais são de que os investimentos privados estão com o freio de mão puxado e assim continuarão até o desfecho das eleições de 2018. A única possibilidade de mudança no cenário é a implementação do programa de privatizações do governo, que foi anunciado sem uma modelagem jurídica que dê segurança aos agentes econômicos. Passada a euforia inicial do mercado de ações, todos continuam com as barbas de molho. As previsões para o desempenho do Produto Interno Bruto do segundo trimestre aproximaram-se do 0%. O consumo das famílias fechará o ano com avanço de 0,9% e as exportações, de 0,7%.

A reação do governo é uma espécie de mais do mesmo: estimular o consumo das famílias do jeito que pode. Mas isso tem pouco impacto nos investimentos porque a capacidade ociosa das indústrias ainda é muito grande. O governo liberou R$ 42,8 bilhões das contas inativas do FGTS e vai lançar mão de R$ 16 bilhões do PIS-Pasep para aposentados com 65 anos (62 anos, no caso das mulheres), a fim de injetar mais dinheiro na economia. São quase R$ 60 bilhões, uma quantia nada desprezível. Mesmo assim, a economia deve continuar devagar. Qual é o problema? O governo promove reformas da economia sem fazer o dever de casa.

A situação é mais ou menos como a de uma família que começa a vender tudo o que tem para pagar as dívidas, mas não reduz os gastos de forma a compatibilizá-los com a renda familiar e, assim, sair do vermelho para o azul. Sem fazer um ajuste fiscal que corte na própria carne, o que inclui a Previdência e os gastos de custeio e pessoal do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a venda dos ativos da União não vai resolver o problema das contas públicas. Será apenas um grande fim de festa, com muita ressaca no dia seguinte.

'Privatização de Temer é vender o almoço para pagar o jantar'

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, chegou a experimentar um breve momento de otimismo cauteloso com a economia brasileira no início do Governo Michel Temer. Mas esse sentimento não durou nem seis meses. A discussão e a aprovação da emenda do teto dos gastos públicos acabou com qualquer boa expectativa. E, depois da revelação da investigação sobre a suposta trama de corrupção envolvendo Temer e o empresário Joesley Batista, sócio da JBS, ela passou a defender que o presidente devia renunciar ao mandato. Ex-diretora da Casa das Garças, tradicional reduto do pensamento econômico liberal no Brasil, De Bolle, mesmo favorável a privatizações, critica a proposta de Temer, que considera inoportuna. "Querem realmente vender ativos pra pagar o déficit primário? Estão vendendo o almoço pra pagar o jantar", afirma. Para a economista, as iniciativas ousadas e polêmicas de Temer são tentativas de "criar espuma" para agradar ao mercado. "Estão criando espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que criar espuma é bom, porque mudou expectativas. Então continuaram com a mesma tática", critica.

Resultado de imagem para privatização de temer charge
 Uma coisa que tem sido absolutamente marcante no Governo Temer é essa tendência de querer fazer grandes manchetes e grandes esperanças, mas no final das contas entregar algo muito aquém do prometido. Temer faz promessas grandiosas, esperando que vai transformar o Brasil em dois anos. Houve uma tentativa bem sucedida de reverter o processo inflacionário, talvez mais influenciado pela recessão do que outra coisa, mas ao menos o Banco Central deu sinalizações corretas e vemos alguma recuperaçãozinha no consumo por conta disso. Houve tentativas de dar o pontapé em reformas, não geraram grande coisa, mas foi um início. Teve uma mudança na administração da Petrobras e mudanças no marco regulatório do pré-sal que foram importantes. Mas, para além disso, o problema é que esse Governo tenta o tempo inteiro inflar manchete e no fim das contas entrega a rebimboca da parafuseta. O teto do gasto público é um pouco disso: foi anunciado como algo revolucionário, mas para ser funcional depende da reforma da Previdência que não vai ter. E o Governo Temer trata os seus críticos da mesma forma que Dilma tratava. Nesse aspecto, é muito parecido com o governo anterior. Como Temer tem pouco tempo pra entregar resultados, está fazendo tudo no afogadilho. Teto de gastos foi feito no afogadilho e agora privatizações são feitas no afogadilho. O princípio de fazer privatizações é inquestionável. Mas sair anunciando um listão de liquidação de não sei quantos ativos, só pra botar manchete gorda, e depois ter menos de um ano pra entregar não parece nem um pouco viável. Querem realmente vender ativos para pagar o déficit primário? Estão vendendo o almoço para pagar o jantar. É pra isso que querem fazer privatizações? A legitimidade é absolutamente questionável, porque vimos, na área fiscal, o Governo dizer e fazer coisas opostas. Temer teve que fazer o fisiologismo clássico do PMDB para conseguir se manter onde está. Sacrificou-se o ajuste fiscal no altar do Temer — o espetáculo da Câmara discutindo a denuncia contra ele foi exatamente isso. E se pegar a lista de ativos que vão ser privatizados, tem um monte de coisas que estavam na lista da Dilma. Muita coisa requentada.

Estão criando espuma desde o ano passado com todas as reformas e viram que criar espuma é bom, porque mudou expectativas. Deu certo. Então continuaram com a mesma tática 
Leia mais

A alienista

Tente entender alguma coisa do conjunto de frases reproduzido nas linhas que se seguem. Elas foram ditas exatamente como estão no texto abaixo, de uma enfiada só e pela mesma pessoa. Não há nenhum corte, nem mudança de palavras, nem acréscimo. O que se lê é o que foi dito.
Bom, eu estou vendo com, com, é, muita preocupação. Eu acho que o golpe que… um belo dia eles deram o golpe… nós sabemos as razões. E a chamada, é, u, né, o reino da selvageria. A gente tá vendo tudo isso… esse golpe tem desdobramento. Eu acho que um dos desdobramentos desse golpe é u… u… o juiz que vai julgar, de absurdos. Esse processo ele, ele tem também uma pessoa. Eles erraram de pessoa. Tem um erro de pessoa. Porque eles foram mexer com uma pessoa porque não lhes dão, não lhes dá a justiça do Power Point, ele, ele… o inocente.

Resultado de imagem para mulher mandioca


Sim, a autora dessa oração é ela mesma, Dilma Rousseff, numa espécie de reunião-entrevista em torno do ex-presidente Lula, divulgada há pouco pela internet. A primeira reação é: e daí? Nada disso faz nenhum nexo, é claro, mas que importância pode ter mais esse angu de palavras, ruídos e nenhuma ideia? É só a Dilma falando de novo. Alguma vez foi diferente do que é agora? Não, mas a cada vez que ela aparece com uma performance do tipo transcrito acima, vai dando uma aflição cada vez maior na gente. Basta pensar dois minutos. Durante cinco anos e meio, para não falar no que já vinha de antes, o Brasil viveu a ficção de que era presidido por uma pessoa basicamente normal. Meio atrapalhada, é óbvio, esquisitona, com uns apagões repentinos no caminho que vai dos circuitos cerebrais até a voz. Às vezes parecia engraçada – não seria um número humorístico? Na maioria das vezes, quando falava em estoques de vento ou na conjugação da mandioca com o milho, a reação de quem ouvia era: “Travou. Surtou. Descolou da nave-mãe”. Mas fazia-se de conta, o tempo todo, que estava tudo bem.

Se isso é um comportamento normal por parte de uma presidente da República, então alguma coisa está profundamente errada com quem acha que não é. Dá o que pensar. E se Dilma estiver certa e todos os que não entendem coisa nenhuma do que ela diz estiverem errados? De quem é o desvario? O caso lembra a situação do dr. Simão Bacamarte, o herói de “O Alienista” de Machado de Assis. O bom doutor, como se sabe, acaba por colocar no hospício a população inteira de Itaguaí, por ter chegado à conclusão que todo mundo tinha ficado louco – exceto ele próprio, o único apto a viver solto. Estamos todos loucos e só Dilma está certa? Tudo é possível. Sempre vale a pena lembrar, em todo caso, que no fim da história o dr. Simão acaba aceitando a lógica das coisas e muda de ideia: manda soltar todo mundo, prende a si mesmo e passa a ser o único morador do hospício.

Paisagem brasileira

"Paisagem no interior", Aldo Bonadei

Da toga loquaz à política alienada

Publicada no domingo, no alto da primeira página deste jornal, uma pesquisa do Instituto Ipsos trouxe mais uma notícia ruim: uma acentuada erosão de credibilidade que atinge nomes de expressão da vida pública brasileira. Representantes dos poderes da República e políticos de renome (alguns deles possíveis candidatos nas eleições presidenciais do ano que vem) estão mal na fita. O que isso quer dizer?

Em boa medida, podemos refletir sobre este quadro pelo prisma da péssima qualidade da comunicação entre poder público e sociedade. Logo de cara, porém, é preciso alertar que, neste caso, a miséria comunicativa não é causa – quando muito, é sintoma. Mesmo assim, valerá a tentativa de abordar a questão por essa trilha.

Comecemos por alertar. Normalmente, o problema de poderes que se comunicam mal não é técnico. Quase sempre, o problema é político. Quando os representantes não compreendem os representados e não se fazem entender por eles, o que lhes falta não costuma ser meramente a competência profissional de marqueteiros: no mais das vezes, falta-lhes legitimidade. A comunicação não cura a falta de legitimidade, embora a miséria comunicativa possa ser um sintoma disso – como ocorre no caso presente, ao menos quando falamos dos Poderes Legislativo e Executivo.

A pesquisa Ipsos não traz surpresas atordoantes. No geral, corrobora outros levantamentos, mais ou menos assemelhados, seja quando aponta o declínio de aprovação de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, seja quando mostra que a rejeição ganha corpo. As curvas demonstram que a sociedade brasileira acredita cada vez menos nos agentes do poder público. Se fizermos uma extrapolação das linhas para além das bordas das planilhas – mas ainda assim uma extrapolação segura, cautelosa –, intuiremos que o grau de aderência dos brasileiros às suas instituições, bem como a confiança que depositam nos canais de representação, declina. É como se o Estado errasse um tanto à deriva, entregue a demandas corporativistas ou patrimonialistas, cada vez mais distante da sociedade civil.


Voltemos, então, ao prisma da comunicação. O que temos é que uma esfera (o Estado e as forças que o orbitam) e outra (a sociedade civil) não se entendem direito. Entre uma e outra, exaurem-se os nexos lógicos e racionais, assim como os afetivos, os emotivos e os identitários. As autoridades (ou os órgãos pelos quais elas respondem) não sabem conversar com os brasileiros e as brasileiras comuns, que se esfalfam na planície para manter a vida em dia, e quase sempre fracassam.

Se quisermos um mote inicial para pensar a respeito (embora, de pensar, morram todos os burros da tropa), poderíamos tomar o ponto de partida de uma diferença essencial entre os poderes quando se trata da comunicação pública. Nos Poderes Executivo e Legislativo, que se resolvem na política, o agente perde credibilidade quando fala o que ninguém entende (que é quase a mesma coisa que não falar coisa nenhuma); no Poder Judiciário, que não pode se confundir com a política, o agente perde quando fala demais. Políticos vivem da voz pública; juízes se expressam pela voz nos autos. A política é ativa, só se cumpre quando tem a iniciativa de incidir sobre a realidade; a magistratura só reluz quando se sabe passiva (só age quando provocada).

Inverter as bolas, neste caso, é pôr tudo a perder. Não obstante, há inversões perturbadoras no horizonte próximo. Vivemos dias de togas loquazes e de políticos que falam javanês – ou não falam coisa com coisa. Temos aí um dos vértices mais delicados da instável estabilidade institucional brasileira.

É interessante observar como o juiz Sergio Moro perdeu aprovação na pesquisa Ipsos. Ele não a perdeu por ser juiz, mas porque sua figura é confundida com a de um protagonista político (um “salvador da Pátria”, um “perseguidor do PT”, um “candidato a presidente”, etc.). O desgaste da figura de Moro tem mais fundo político do que jurídico. E ele nem é dos mais tagarelas. Entre os mais falastrões, apita a sirene babélica de Gilmar Mendes, cuja prosódia dispensa reflexões. Ele tem 3% de aprovação e 67% de rejeição. Não custa insistir no ponto: silentes diante dos microfones e atuantes em decisões, os juízes brasileiros prestariam grandes serviços e ajudariam a manter a confiança dos cidadãos na Justiça, confiança sem a qual não há democracia que pare de pé.

De onde chegamos à política alienada. Podemos, aqui, entender o adjetivo “alienada” em pelo menos dois sentidos: o termo tanto qualifica uma política que se perde de si como qualifica a política que se subtrair por alguns, digamos assim, amigos do alheio. Alienada é a política que não cria mobilização e pertencimento, que negligencia suas funções representativas (a ponto de pretender encaixotá-las em “distritões” estanques), que abre mão de ser um exercício de direitos para se entregar a malabarismos performáticos de reality show da boca do lixo. Alienada, também, é a política que presta contas a financiadores ocultos, enquanto, com a outra face, engambela os eleitores.

Tome-se o exemplo de Aécio Neves: 3% de aprovação, 91% de rejeição. Ou Lula: 66% de rejeição e 32% de aprovação. O primeiro não tem mais ninguém (não tem nem os tucanos). O segundo conta com um terço do eleitorado que lhe devota uma adoração carismática, avessa a argumentos racionais. O carisma, posto assim, não é apenas apolítico: é antipolítico, alienado e alienante. Indica que Lula, se candidato, pode chegar a um segundo turno, assim como indica que daí ele não passa.

Por fim, uma nota irônica: a muralha da aprovação em torno de Lula é também sintoma do mesmo mal profundo; resulta não do debate de ideias, mas de uma cristalização despolitizada de um culto sem laços com verdades factuais verificáveis. É terrível que, mesmo quando encontramos aprovação na pesquisa do Ipsos, essa aprovação se deva menos ao excesso e mais ao déficit de comunicação crítica.

Contra o ódio, apenas política e diálogo permanente podem ter vez

Não me sinto nem um pouco à vontade para analisar o trabalho dedicado e incansável dos colegas da imprensa. Falta-me isenção, tanto para justificá-los (o que aconteceria sempre) quanto para criticá-los (o que jamais aconteceria). Digo isso, leitor, porque a imprensa pode errar no varejo, mas sempre acerta no atacado. Posso, porém, tratar o assunto como velho profissional que já viveu e viu muita coisa boa e ruim na política, mas que também vê nela e no diálogo permanente os únicos meios para a retomada segura e civilizada do bom caminho.

Em sua maioria (incluídos os jovens e os que estão prestes a alcançar a idade provecta), estão revoltados, e com total razão, com os acontecimentos políticos no país revelados por duas operações da Polícia Federal: uma, mais antiga, que ganhou o apelido de “mensalão”, e a outra, mais recente, cujo nome – Lava Jato – já diz tudo ou quase tudo. Nada tenho contra nenhuma das duas, nem contra o potencial de saneamento de ambas. Só que nenhuma delas, sozinha, retirará o país da que crise em que o metemos. Aliás, pela primeira vez, Rodrigo Janot falou em fim da Lava Jato: “O país”, afirmou, “não pode ficar eternamente refém da operação”.

Alvíssaras! Janot presta-nos outro bom serviço!

A operação Lava Jato merece menção especial. É como se o país fosse um, lá atrás, e hoje, depois das acusações que ela trouxe a nosso conhecimento, virou outro, sangrando por todos os lados. É que poucos lembram-se de que o país de ontem é muito parecido com o de hoje. FHC e Lula até que acenderam uma luz, mas ela logo se apagou. O sistema eleitoral que regeu e ainda rege as eleições nunca mudou. Adaptou-se à época. Na tentativa de passar a limpo o país, misturaram-se gregos e troianos. Por isso, ficou cada vez mais difícil separar o joio do trigo. A classe política tornou-se a única responsável por todos os erros.

Companheiro de geração, que se afastou das lides do jornalismo faz bastante tempo, também revoltado com nossos desvios no dia a dia, mas, sobretudo, com os graves crimes cometidos por políticos e empresários (e estes sempre se dizem – maldosa ou equivocadamente – vítimas dos primeiros), saiu-se com esta outro dia: “Recolhi-me ontem depois de assistir na televisão aos jornais da noite. Pela manhã, acordei com meu pulso a 300 por minuto. Não sei como não tive um infarto. Fui à padaria com meus fiéis seguidores, Márcio e Luíza, minha cadela de estimação, que fala corretamente a língua-pátria, mas os seres humanos, embora a ouçam, por enquanto não a compreendem... Comprei pão, tomei um cafezinho e apanhei meu jornal. As manchetes que estampava aceleraram ainda mais meu pulso. Elas poderão – falei para mim mesmo – levar qualquer pessoa ao suicídio. Se não surgir já liderança capaz de repor o país no caminho certo, o ódio, que vai tomando conta do povo brasileiro, alastrar-se-á como erva daninha e, com certeza, provocará violenta convulsão social. E, me dirigindo à sempre atenta Luíza, concluí: haverá dia em que os bons profissionais cederão às boas manchetes, mesmo correndo o risco de cair na mais profunda depressão”...

O ódio instala-se quando a gente não admite aceitar o outro como ele é. No início, é pura antipatia, mas logo se transforma no pior dos sentimentos humanos. Ele faz mais mal a quem o alimenta e, o que é pior, provoca a mais trágica das cegueiras – a do cego que não quer enxergar.

E é isso, infelizmente, o que hoje acontece no Brasil.

Lula na trajetória de padre Cícero?

A campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva já começou, e só a ratificação da sentença prisional por corrupção – por tribunal de segunda-instância - poderá retirá-lo da disputa de outubro do ano que vem.

Essa campanha, diga-se de passagem, está tendo lugar antes da data legal.

Estabelece a lei que a campanha eleitoral só poderá ter início em 16 de agosto de 2018, daqui a um ano, portanto. Mas, lei? O que significa a lei para quem acha que seu prestígio junto ao Vaticano e às massas oprimidas o tornam imune a ela?

Não que os resultados da procissão rodoviária de Lula estejam sendo extraordinários. Não estão. O povo vai para as ruas por curiosidade - ver o mito, nordestino como eles, o líder místico da política – ou arrebanhado pelos doadores de camisetas vermelhas, novas de estalar.


Nos comícios, principalmente nos da Paraíba e do Ceará, vozes começam a se levantar, fazendo comparações entre Lula e o santo padroeiro do Nordeste, o Padre Cícero.

Só falta a confirmação de um milagre para que passe a haver peregrinação anual das massas a Caetés.

O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, do PSB, bem que tentou criar o ambiente milagreiro durante a passagem de Lula. É que atropelou o cronograma do fornecimento de água às torneiras de Campina Grande para fazê-lo coincidir com a chegada do ex-Presidente à cidade.

Padre Cícero foi idolatrado no Nordeste por conta de um milagre: a hóstia que deu em comunhão a uma freira teria se transformado em sangue na boca da religiosa.

Ajudou também a consolidar seu prestígio um sonho que teve com Jesus Cristo, que apontando para retirantes nordestinos ordenou a Ciço que tomasse conta deles. No seu trabalho pastoral agiu com austeridade, buscando moralizar os costumes, acabar com a mentira e as bebedeiras e ameaçando excomungar os ladrões e corruptos.

Se fosse para obter sua canonização, nesses itens Lula não passaria no exame da Cúria Romana, a não ser que cumprisse severa penitência.

Mas na política, se a trajetória de padre Cícero foi ascendente, num primeiro momento, acabou em desastre. Poucos sabem, o santo padroeiro foi filiado ao Partido Republicano Conservador, foi prefeito de Juazeiro e chegou a ser eleito deputado federal (mas não assumiu o cargo).

Foi um dos principais articuladores do chamado “Pacto dos Coronéis”, importante momento na história do coronelismo brasileiro (o que hoje nos traz à mente o recente encontro de Lula com Renan Calheiros). Foi eleito vice-governador do Ceará, mas politicamente chegou ao fim com a Revolução de 1930.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Espinhos na barriga

Luto com espinhos na barriga desde os 9 anos. Ao chupar uma laranja, engoli um caroço. Preocupado, abri-me com minha avó Emerentina:

– Vovó, eu engoli um caroço...

– Quando, meu netinho?

– Agora mesmo...

– Estás perdido. Amanhã ou depois vão nascer espinhos na sua barriga.

Vejam bem. Eu era acusado de ser canhoto, era o mais velho e tinha medo de almas do outro mundo. Agora estava condenado a ter espinhos na barriga.

*


Mais de meio século depois, vejo que o País também tem um espinheiro na barriga. A irresponsabilidade contaminada de familismo – todo mundo é parente de todo mundo neste país de Deus! – fez com que engolíssemos todos os caroços.

Come-se fruta, jogam-se fora a casca e o caroço. Nada pode ser completamente abocanhado. Se você recebe, é obrigado a dar. O ideal é o amor cujo egoísmo quanto mais prazer nos traz, tanto melhor para o outro. Não é por acaso que o amor nos leva ao pico do altruísmo pelo mais fechado e ardente egoísmo. A chave está em conjugar altruísmo com egoísmo.

Engolir caroços promove indigestão. É triste ver o Brasil roubado pelos seus mais altos e mais admirados administradores públicos e particulares.
*

Estarei vivo quando o Brasil estiver “recuperado”?

Vivi tempos em que éramos apenas “subdesenvolvidos”. Naquela era mitológica, havia um atraso admitido: o clima tropical (que impedia o pensamento, como dizia um dos nossos professores), a Serra do Mar (muralha que bloqueia a conquista do sertão), a colonização lusa (se fossem os holandeses...), a mistura fatal das raças, o jeitinho jurídico que, vejam o horror, condena ácidos criminosos a doces prisões domiciliares, o feroz imperialismo ianque, os coronéis latifundiários, os políticos ladrões (mas que faziam...), os sistemas eleitorais indevidos, a saúva, a sensualidade, o samba, a cachaça, o Diabo...

O Brasil, como dizia Otto Lara Resende, não tinha furacão, tufão, terremoto, nevasca e maremoto, mas tinha inflação. Domesticamos a inflação, mas o populismo que produziu a plutocracia quebrou as contas públicas. Hoje, temos um sistema travado e o nosso time político, com o perdão pelo feio qualificativo que lhe cabe, é uma merda. Com a devida vênia aos honestos, todos têm algum laço, traço ou gene espúrio.

Aliás, a nossa elite é uma Grande Família. Os partidos, que deveriam conter os empenhos da casa, ressurgem fortes no estamento (como dizia com avassaladora sapiência Raymundo Faoro). Se você gritar “tio!” ou “padrinho!” no Congresso Nacional, ou em qualquer outro ambiente repleto de “gente grande”, você vai ouvir um amoroso “SIM?...”. Mudamos para a coisa pública, mas os laços de parentesco retornam como um furacão. Reprimimos legalmente o nepotismo puro, mas um ardiloso jeitinho inventou um brasileirismo – o nepotismo cruzado!

Nada, convenhamos, é mais legítimo na nossa democracia igualitária e meritocrática do que dar uma “mãozinha” a um parente se ele (ou ela) tem aquele talento. Mas – pergunta o menino com espinho na barriga – qual é o parente que, no Brasil, não tem talento?
*

Mais uma vez, abrimos a rotineira temporada de reformas. Eu vivi as “reformas de base”, que resolveriam tudo. E votei no dilema entre presidencialismo e parlamentarismo. Depois, me envolvi no retorno da monarquia. Agora, testemunho essa requentada temporada de reformas e logo percebo que a reforma mais essencial – a da Previdência, sendo evitada porque leva a uma indesejável análise do nosso sistema administrativo e de outros temas avessos à chamada “vontade política” como o nosso perfil demográfico.

Não falo da reforma política, exceto para dizer que precisamos mais de uma metamorfose dos políticos do que de uma mudança de regras. Sou, entretanto, a favor de eleições e de deseleições (recall) que nos livrem dos canalhas. Sou contra esse tal fundo eleitoral que alguns imbecis chamam de “democrático”. Partidos políticos são associações de cidadãos e, como um clube, devem ser autofinanciáveis. A doação eleitoral só é um problema porque, entre nós, a doação vira um favor. Temos caridade, não temos a filantropia que leva a um melhor diagnóstico da dinâmica sociopolítica, além de ser um penhor dos muitos ricos à coletividade que lhes permitiu êxito.

Pelo que devo às sociedades tribais do Brasil, sou contra a privatização de reservas indígenas. E favorável à coletivização das riquezas particulares que, literalmente, saem pelo ladrão.

Um presidente justiceiro, um pacificador ou um mais do mesmo?

Os assessores de imagem deveriam dizer aos candidatos à Presidência da República que ninguém consegue se eleger somente se candidatando contra alguém infundindo medo ou vendendo mais do mesmo. Quando chega o momento de escolher um candidato, os 140 milhões de potenciais eleitores porão os olhos em quem for mais capaz de entusiasmá-los e uni-los.

Não bastará, por exemplo, aparecer como a antítese de alguém para garantir os votos se não souber oferecer algo mais aos descrentes da política. Se há algo de que necessitam aqueles que o mau exemplo dos governantes dividiu e contrapôs não é de um justiceiro, alguém que queira se limitar a colocar ordem, ou alguém que volte a governar com os corruptos, mas de alguém que dialogue, um pacificador que saiba fazer o milagre de devolver às pessoas o gosto de se unirem para reconstruir o país. Milhões de cidadãos estão se cansando das guerras verbais, das ameaças e dos conflitos entre os políticos e de suas artimanhas para conquistar o poder de costas aos desejos da sociedade.

O velho axioma “divide e vencerás” talvez não funcione dessa vez com os brasileiros mais inclinados a buscar novos motivos para fugir dessa crispação que chegou a dividir até mesmo os amigos. Posso estar errado, mas uma análise hermenêutica e menos superficial das redes sociais me faz intuir que o Brasil está em busca de alguém que liberte. De alguém que traga de volta a harmonia e o gosto de lutar juntos por uma causa capaz de expressar o melhor da alma brasileira, que não está nos extremismos, no confronto ou na guerra e menos ainda no prato requentado dos corruptos. Se fosse esse o caso, seria necessário analisar se os candidatos que até agora surgem como possíveis candidatos à Presidência aparecem como capazes de agregar e entusiasmar sem necessidade de desqualificar seus oponentes, ou se acreditam que o melhor é se apresentar com a espada desembainhada. Dos personagens que começam a aparecer nas pesquisas como possíveis candidatos, existe algum capaz de apostar na concórdia nacional, ou continuam convencidos de que o que lhes dará a vitória será a tentativa de esmagar seus oponentes ou de apresentar mais do mesmo?

Resultado de imagem para presidente mais do mesmo

Nem Lula ganhará se tentar o “nós contra eles”, ou se sacudir o discurso de “extirpar da política” seus adversários, nem Bolsonaro ou Doria, se permanecerem fechados em uma campanha agressiva, o primeiro com uma linguagem vulgar, atacando sem nuances Lula e o PT, como tampouco o fará Ciro Gomes, o ex-ministro de Lula, se não contiver suas explosões que provocam mais medo do que consenso. O pragmático Lula, ao qual não falta olfato político, entendeu isso e já disse que sonha em voltar para “devolver a confiança aos brasileiros”. Ele não especificou, no entanto, como o faria. O recente abraço em Renan Calheiros, em Alagoas, e os elogios que lhe fez não parecem ser o melhor presságio. Lula iria novamente junto com o partido de Temer?

E Marina Silva? Por enquanto, é um enigma. Ela é, sem dúvida, uma mulher que geralmente não costuma ter o pecado dos apressados e que capitaliza milhões de votos, mas precisará sair do seu retiro e do seu silêncio para que saibamos que Brasil nos oferece. Ela é um dos poucos políticos que lê e reflete, que sabe esperar sentada na margem do rio. Existem, no entanto, momentos da história em que é necessário sair do deserto para enfrentar a realidade de um país que já sabe o que não quer, mas que parece ainda não ter encontrado o que procura.

Alguém disse que “o mundo não será daquele que mais te adula e repita que te ama, mas de quem souber demonstrar isso melhor”. O Brasil ainda parece estar à espera de alguém que demonstre que é capaz de pensar mais no bem do futuro do país do que em suas ambições pessoais de poder. De alguém que, em vez de infundir medo e excomungar seus adversários, seja capaz de acolher a todos. Morto o caudilho Franco, a Espanha, depois de uma feroz guerra civil e de 40 anos de ditadura, estava dividida em duas. Lembro-me que diante do cadáver do ditador, o então rei Juan Carlos pronunciou uma frase feliz que quebrou o gelo do medo: “Serei o rei de todos os espanhóis”. Ele o foi, e a Espanha começou pouco a pouco a respirar junta e com esperança. E hoje é uma democracia moderna e consolidada. O Brasil não está saindo de uma ditadura, mas de um cataclismo político e econômico que o dividiu. Precisa, antes de qualquer coisa, de alguém que diga com credibilidade: “quero ser o presidente de todos e cada um dos brasileiros sem excluir ninguém”.

Gente fora do mapa

photos from claudia jaguaribe’s “between hills" (2012) of the have and have nots in rio de janeiro, as seen from the (no doubt intentionally claustrophoic) perspective of children in the favelas
Claudia Jaguaribe

Quem semeia desordem no país

No submundo das tenebrosas transações, a salvo da bisbilhotice do distinto público, todo político desonesto se comporta como pessoa física: “Cadê a minha parte? Quanto ganharei por isso? Quando serei pago?”

Uma vez denunciado por atos indecentes, ele troca de identidade. A pessoa física dá lugar à pessoa jurídica. E é o cargo que ocupa ou a instituição que representa a atingida pelas acusações – ele, jamais!

Foi para o velho truque de sempre que apelou, ontem, mais uma vez o presidente Michel Temer pouco antes de voar à China. Às vésperas de ser denunciado pela segunda vez por corrupção, ele disse:

- Sabemos que tem gente que quer parar o Brasil, e esse desejo não tem limites. Querem colocar obstáculos ao nosso trabalho, semear a desordem nas instituições, mas tenho a força necessária para resistir.

Observem: Temer não diz que querem parar ele. Diz que querem parar o Brasil. Como se o fato de pará-lo, a ele, Temer, significasse parar o país. (Olha a pessoa jurídica aí, gente!)



Se perguntado à época, certamente ele não teria respondido que o processo de impeachment da então presidente Dilma era uma tentativa dos adversários dela de parar o país. Ele era um desses adversários.

Da mesma forma, Temer não teria dito que o impeachment, previsto na Constituição e monitorado de perto pela Justiça, semeava “a desordem nas instituições”.

A corrupção, essa sim, é que pode parar o país e semear a desordem. E todos os culpados por ela devem ser punidos para que não prospere o mau exemplo que deram. É simples assim.

Temer tem a força necessária para resistir aos danos da próxima denúncia contra ele a ser oferecida em breve pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. Como resistiu à primeira, e a enterrou.

Não a força que decorre do apoio dos brasileiros – essa não passa do magro percentual de 5% dos que o avaliam como um bom presidente. Mas daquela adquirida via compra de votos no Congresso.

Ocorre que o preço de cada vitória colhida por Temer no Congresso só faz aumentar. E quem paga por isso – aí, sim – não é ele, somos nós. Não saem do bolso dele os recursos para a compra de apoio. Saem dos nossos.

Ricardo Noblat

O rosto do brasileiro

 Resultado de imagem para brasil chorando no meio fio
Há uma cansativa tristeza, um tédio infinito nesse joguinho miúdo de combinação através dos quais se resolve o destino da pátria
Rubem Braga

Excesso de cinismo leva a um strip-tease moral

A generalização dos escândalos unificou o modelo de reação. No momento, o principal álibi dos encrencados é o cinismo. Denunciado três vezes em sete dias, Romero Jucá disse que o procurador Rodrigo Janot tem um “fetiche” com seu bigode. Réu numa ação penal e investigado em 17 inquéritos, Renan Calheiros virou líder da oposição a Michel Temer. Interrogada no Supremo, Gleisi Hoffmann diz que o PT é “perseguido”. Investigado por uso de verba ilícita, José Serra alega que a caixa registradora era controlada pelo partido.

A imagem pode conter: texto

É como se os políticos tivessem combinado um movimento conjunto. Todos cutucam a opinião pública com pé para ver se ela ainda morde. Por mal dos pecados, a sociedade está de saco cheio. Limita-se a cumprir suas obrigações básicas: pula da cama cedo e escova os dentes. Quem tem emprego trabalha e paga os impostos. O brasileiro já não faz passeatas. Faz a barba. Sob protesto.

Aproveitando-se do marasmo, Lula, condenado a nove anos e meio de cadeia, passeia sobre suas culpas distraído numa caravana custeada pelo fundo partidário. Ele pisa sobre suas culpas distraído. Chama investigadores de “canalhas”. E culpa “os meninos da Lava Jato” pela morte de sua mulher.

Michel Temer, na bica de ser denunciado pela segunda vez, cercado de ministros investigados e de aliados apodrecidos, alardeia em vídeo que “tem gente que quer parar o país.” Ah, que falta faz um espelho!

O cinismo, quando é muito, vira strip-tease. A crise entrou na sua fase pornográfica. Convém retirar as crianças da sala.

Paisagem brasileira

guarda
Guarda do Embaú, Palhoça (SC)

O mundo encantado de Michel Temer

Alguém está com um parafuso solto num governo que anuncia a abertura de uma área de mineração na Amazônia sem ter ouvido o ministro do Meio Ambiente. Com o tempo, serão mais bem conhecidas as razões do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, para tomar semelhante iniciativa. (O repórter Ricardo Senra informa que o doutor anunciou a abertura da área ao mercado em março passado, durante um evento organizado por mineradoras canadenses.)

A trapalhada aconteceu dias depois de uma prometida privatização da Eletrobras. Isso num governo que contrapõe ao estouro da meta fiscal um audacioso plano de privatização de bens públicos. Noel Rosa já advertiu: “Vendeste o carro para comprar gasolina”.

A fúria privatizante do governo Temer agrada ao chamado “mercado”. Nele, de um lado está a turma que fatura com a alta da ações da Eletrobras, mas do outro há gente séria, tanto mineradoras capazes de explorar jazidas na Amazônia, como empresas de energia que possam se interessar por um setor historicamente administrado por clãs da política nacional.

Resultado de imagem para temer vai à china charge

O governo de Temer mostra uma desordenada capacidade de produzir eventos inúteis e promessas mirabolantes. Prometeu pacificação e empregos (cem mil, só em 2016). Anunciou um plano para concluir obras inacabadas e fez circular a notícia de que reduziria o número de ministérios. Tem um ex-ministro na cadeia e outro em prisão domiciliar.

No mesmo dia em que decidiu preparar um novo decreto para ordenar a mineração na área da reserva amazônica, a repórter Danielle Nogueira revelou que um dos primeiros planos do governo para reativar a economia fechará o balcão amanhã. Para preservar empregos, evitando falências e concordatas, o BNDES abriu uma linha de crédito de R$ 5 bilhões. Passou o tempo, e só apareceu um candidato ao financiamento, com um projeto de R$ 10 milhões.

Coisas desse tipo acontecem porque o governo confunde a realidade com sua capacidade de fabricar expectativas. Gerada a expectativa, a marquetagem se dá por satisfeita.

Ontem Michel Temer embarcou para a China. Para que não se pense que o mundo encantado passou a existir com sua chegada ao Palácio do Planalto, pode-se rever a lista de patranhas que acompanham as comitivas de presidentes brasileiros a Pequim.

Na primeira viagem de Lula, para susto dos chineses, falou-se que o Brasil negociaria um acordo nuclear. Era lorota. Anos depois, Dilma Rousseff voltou ao Império do Meio, e de sua comitiva saiu a informação de que a empresa Foxconn investiria US$ 12 bilhões no Brasil, criando cem mil empregos na fabricação de iPhones e iPads. Há dois mil funcionários produzindo iPhones, e a linha de fabricação de iPads foi desativada. Às vésperas de uma visita do primeiro-ministro chinês o mundo encantado do Planalto de Dilma Rousseff festejou um projeto de construção de uma ferrovia do Atlântico ao Pacífico, coisa de R$ 30 bilhões pelo lado brasileiro. O visitante traria na mala investimentos da ordem de US$ 53 bilhões. Nada.

Fantasias podem ser vendidas no mercado interno, mas não podem ser exportadas. Os chineses devem pensar que os governantes brasileiros têm os parafusos soltos.

Nas próximas quatro semanas, o signatário aderirá ao programa de reformas estruturais, pesquisando as virtudes do ócio.

Elio Gaspari 

Quem é quem

É um assunto, ou um escândalo, que está aí quase todos os dias. “Querem abafar a Lava-Jato”. Quem poderia duvidar? Só faltava, realmente, que políticos, altas autoridades e mais o resto da manada que faz, interpreta e aplica as leis nesse país estivessem decididos a apurar rigorosamente toda a ladroagem dos últimos governos e punir exemplarmente os culpados, como se diz em 100% dos discursos. Querem o exato contrário disso, é claro. É o que nos dizem, como se todo mundo já não estivesse cansado de saber, dois ou três ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral que está saindo e a procuradora-geral que está entrando, promotores públicos, gente do mundo descrito como artístico, pensadores políticos e por aí afora. Até o corruptor confesso número 1 do Brasil, Joesley Baptista, faz parte desta vanguarda. Anda tão preocupado com a impunidade para os investigados pela Lava-Jato que decidiu “contar tudo” aos inquisidores top de linha de Brasília. Conseguiu, até agora, a impunidade para si mesmo e o papel de herói da resistência à corrupção no noticiário político da Rede Globo.

A imagem pode conter: texto

Não faltam, portanto, combatentes em favor da Operação Lavo-Jato, doa a quem doer. Já bem mais difícil é entender os critérios que determinam quem está e quem não está na Operação Abafa. Sabe-se, pelo que é repetido todos os dias, que o governo em peso, sua base aliada e o ministro Gilmar Mendes, hoje o maior aplicador da lei (e das infinitas possibilidades do direito de defesa) em atividade no Brasil são os principais abafadores. Curiosamente, muito pouco se fala das posições dos seus colegas de STF. Será que são marechais-de-campo da Lava Jato e vão confirmar o grosso de suas condenações? Mais curioso ainda é saber onde se encaixam Lula, o PT e seus admiradores nessa história. Os senadores do partido, entre outros feitos de armas, assinaram um pedido de processo contra o juiz Sérgio Moro – ou, seja, querem punir quem julga, e não quem está sendo julgado. O juiz e os procuradores da Lava Jato são insultados todos os dias pela corte política do ex-presidente – canalhas, fascistas, torturadores, agentes do FBI e daí para pior. A presidente do partido, que por sinal é ré em ação penal por corrupção na Lava-Jato, diz que tudo é um “processo político”. Lula, em seu mais recente manifesto sobre o assunto, disse que os meninos da Lava-Jato – imagina-se que sejam o juiz Moro e os procuradores, pois não foi oferecido nenhum nome nessa grave denúncia – “têm responsabilidade” na morte de sua mulher Marisa, vítima de um AVC em fevereiro de 2017. Estariam contra ou a favor da Lava-Jato? Ainda não decidiram, ao que parece.

Por que a dívida pública é uma questão mantida sob tanto sigilo?

Em 2016, o pagamento de juros da dívida consumiu quase 44% dos recursos do orçamento federal. Apesar de todas as pessoas arcarem com o seu pagamento, sequer se sabe exatamente que dívida é essa, pois além da ausência de transparência, nunca foi feita a auditoria prevista na Constituição Federal. Sequer sabemos para quem estamos pagando os elevados juros, pois os credores são sigilosos, apesar de a Constituição determinar a publicidade de todo ato público. A Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado os graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes descobertas pela CPI da Dívida Pública concluída em 2010, mas tudo isso é deixado de lado.

Resultado de imagem para dívida pública charge

O estoque da dívida interna alcançou R$ 4,509 trilhões em dezembro de 2016 e seu crescimento brutal nos últimos anos (R$ 732 bilhões em 2015 e R$ 636 bilhões em 2016), deveu-se à destinação de recursos para cobrir operações ilegais:
*pagamento de juros extorsivos, mediante artifício de contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização ou rolagem, burlando-se o Art. 167, III, da Constituição Federal, o qual impede a emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes, tais como salários e juros;
*remuneração da sobra de caixa dos bancos, por meio das chamadas Operações Compromissadas realizadas pelo Banco Central, que superam R$ 1,1 trilhão, ou seja, cerca de 17% do PIB, e são remuneradas diariamente;
*prejuízos do Banco Central com operações de swap cambial, consideradas ilegais, conforme representação de auditor do Tribunal de Contas da União (TC-012.015/2003-0).
A dívida pública tem crescido para servir a esses mecanismos, sem contrapartida alguma para a sociedade que arca com o seu pagamento, repetindo-se o padrão que vem ocorrendo desde 1822.
Recentemente, mecanismos ainda mais sofisticados de geração de dívida pública estão sendo criados. Trata-se de esquema semelhante ao que operou na Grécia e quebrou aquele país. Funciona mediante a utilização de empresa estatal não dependente que emite debêntures com garantia pública, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A no estado de São Paulo. Já existem mais de cinquenta empresas desse tipo operando no País.

As debêntures dessas empresas são vendidas a investidores privilegiados que receberão juros estratosféricos. O ente público (estado ou município) oferece garantia real a esses papéis, de forma mascarada (debêntures subordinadas).

O rombo será enorme e, por tratar-se de empresas estatais, os entes federados serão chamados a honrar a garantia dada, gerando grandes volumes de obrigações onerosas que configuram dívida pública sem contrapartida alguma.
Esse negócio entrou no País por meio de consultorias especializadas, como a ABBA Consultoria e Treinamento, cujo responsável, Edson Ronaldo Nascimento, atuou também como assistente consultor do FMI, presidente da PBH Ativos S/A, superintendente executivo da Secretaria de Fazenda de Goiás, secretário de Fazenda de Tocantins, entre outros cargos estratégicos ocupados no Distrito Federal e no Tesouro Nacional. Assim o esquema se alastra.

A ex-presidente do parlamento grego, a advogada Zoe Konstantopoulou, participou de audiência pública no Senado Federal sobre o PLS 204/2016, um dos projetos que visa “legalizar” esse esquema no Brasil (na Câmara tramitam o PLP 181/2015 e o PL 3337/2015). Em seu histórico depoimento sobre os imensos danos causados por esse esquema, Zoe declarou que o Estado não deve existir para fazer negócios, mas, sim, garantir direitos humanos à população.

No Brasil, a dívida pública não tem funcionado como instrumento de financiamento do Estado, mas como um perverso mecanismo financeiro de subtração de recursos e submissão às imposições de organismos internacionais.

 Além de sangrar os orçamentos públicos e exigir sucessivas privatizações de patrimônio público para seu pagamento, a dívida pública tem sido a justificativa para contínuas reformas que cortam direitos sociais (como a da Previdência) e modificações legais que garantem ainda mais privilégios para o setor financeiro, como as recentes Emendas Constitucionais 95 (que engessa o Estado por vinte anos para que sobrem mais recursos para os juros) e 93 (que aumenta para 30% a desvinculação de recursos da Saúde, Assistência e Previdência Social para destiná-los aos gastos com a dívida), entre outros, como o PLP 343/2017 que afeta profundamente os entes federados.

Os impactos sociais do Sistema da Dívida são evidenciados no recente relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU. O Brasil perdeu várias posições e está em 79o lugar, empatado com a ilha Granada.

Enquanto o País fica travado devido a essa sangria de recursos, os bancos lucram de maneira escandalosa. Estatísticas do próprio Banco Central demonstram que em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4%, o lucro dos bancos foi 20% superior ao de 2014, tendo atingido R$ 96 bilhões, e teria sido 300% maior não fossem as exageradas provisões de R$ 183,7 bilhões que reduziram seus lucros tributáveis.

É inaceitável que um País tão rico como o Brasil seja jogado nessa crise financeira e econômica totalmente desnecessária, e amargue índices sociais tão humilhantes.

Já está mais que na hora de enfrentar esse Sistema da Dívida por meio de ampla auditoria, com participação cidadã, e redirecionar o modelo econômico para sairmos do cenário de escassez incompatível com o nosso gigante Brasil, marcado pela riqueza e abundância.

Maria Lucia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida

Imagem do Dia

Quem procura o verde como um adivinho procura água sob a terra deve passar por essa região do Golfo de Biscaia, no País Basco. Essa reserva da biosfera esconde um dos cenários da nova temporada de Game of Thrones, Gaztelugatxe (Rocadragon na série), que, presumivelmente, logo perderá sua posição de lugar paradisíaco –embora com 237 degraus–, mas não tão frequentado por turistas. A região tem muitas trilhas, mas também convida ao ciclismo, à vela e ao all surfing, com algumas das melhores praias para pegar ondas do País Basco, com a famosa onda de Mundaka, ao lado do estuário do rio Urdaibai (foto), da qual todo surfista, venha de onde for, fala (e procura).
Urdaibai, no golfo de Vizcaya (Espanha) 

Após fim de reserva, grupo amplia lobby por mineração em área indígena

Encorajado por ações recentes do governo federal que reduziram áreas protegidas na Amazônia, um grupo de deputados estaduais da região intensificou o lobby em Brasília para permitir a mineração em terras indígenas.

O movimento - que tem como grande articulador um deputado do PT e é apoiado por um prefeito indígena do Amazonas - é criticado por organizações que representam povos da região e temem os impactos da atividade.

A BBC Brasil acompanhou uma reunião na quinta-feira na sede da Funai (Fundação Nacional do Índio) entre o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, e uma delegação com 11 membros do Parlamento Amazônico, entidade que agrupa legisladores dos nove Estados da Amazônia Legal.

Marcado para tratar de questões ligadas a indígenas na Amazônia, o evento não contou com a presença de nenhum indígena e teve como principal tema a defesa da mineração nos territórios desses povos.

O encontro ocorreu um dia após o presidente Michel Temer extinguir por decreto a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na divisa entre o Pará e o Amapá - decisão que abre o caminho para o avanço da mineração numa área de mata fechada e vizinha a duas terras indígenas.


Após reações negativas, Temer publicou na segunda-feira um novo decreto. O documento manteve a extinção da Renca, mas deixou mais clara a proibição da mineração nas terras indígenas e unidades de conservação que se sobrepõem à reserva, exceto se a atividade estiver prevista no plano de manejo da unidade.

Principal articulador do movimento pró-mineração em terras indígenas, o deputado estadual Sinésio Campos, do PT do Amazonas, disse à BBC Brasil que o novo decreto não altera os planos do grupo e que seguirá tentando convencer o Congresso a regulamentar o tema.

Campos afirma que Temer cometeu uma "trapalhada" ao extinguir a Renca sem explicar o gesto e ao apresentar um novo decreto após as reações negativas. Segundo ele, as críticas teriam sido menores se o governo tivesse dialogado antes de anunciar a decisão.

Também presente à reunião na Funai, o deputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima, disse à BBC Brasil que a extinção da Renca animou o movimento pró-mineração, embora o encontro tenha sido agendado antes do decreto original. Para ele, a decisão sinaliza "que o governo está preocupado em destravar a burocracia que tanto atrapalha o desenvolvimento da Amazônia".

Segundo o deputado, outras ações do governo Temer - como a redução da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e a edição de uma Medida Provisória que facilita a regularização de terras (apelidada por ambientalistas de "MP da grilagem") - estimularam o agendamento do encontro com o presidente da Funai.

"Sentimos que o momento é favorável e viemos reforçar nossa posição. Já que o governo não tem popularidade, que entre na história por modernizar o país", ele diz.

Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouroDeputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima

Na reunião, Naldo disse que Roraima - onde áreas indígenas são 46,2% do território - foi "inviabilizada economicamente" por demarcações e que a regulamentação da mineração reduziria os conflitos causados por garimpos ilegais. "Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouro", afirmou.

Segundo a Constituição de 1988, a mineração em terras indígenas só poderá ocorrer se for regulamentada por lei específica, o que jamais ocorreu. Mesmo assim, vários desses territórios convivem há décadas com o garimpo ilegal - atividade associada a conflitos, à poluição dos rios e à disseminação de doenças

Hoje só é permitido em terras indígenas o garimpo artesanal, sem uso de máquinas nem produtos poluentes.

"Enquanto não puderem explorar as riquezas de suas terras, os índios serão mendigos ricos", afirmou na reunião Sinésio Campos, do PT.

Na presidência da Funai desde maio, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas disse aos deputados que a regulamentação da atividade era do interesse de vários povos indígenas.

Ele afirmou que "99,9%" dos indígenas do Alto Rio Negro (AM) e dos povos Suruí e Cinta Larga das Terras Indígenas Sete de Setembro e Aripuanã (ambas na divisa entre Rondônia e Mato Grosso) "querem a regularização pelo Congresso Nacional da exploração dos recursos minerais".

Mas ele disse que o atendimento do pleito não dependia da Funai, e sim do Congresso, e que a mineração não seria uma alternativa para todas as comunidades indígenas do país. "É preciso considerar a vocação econômica de cada território", disse Franklimberg, destacando grupos que têm explorado atividades como o turismo, a criação de peixes e a coleta de castanha.

Única na reunião a destoar do coro pró-mineração, a deputada Cristina Almeida, do PSB do Amapá, se disse preocupada com o impacto da extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados nas terras indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este. Segundo ela, o decreto de Temer pode provocar uma "explosão no desmatamento e acarretar aumento de conflitos".

Franklimberg respondeu que não haveria exploração de minérios nas duas áreas indígenas, justamente porque a atividade ainda não está regulamentada.

B de Brasil, bunda e besta

Vira e mexe alguém vem do nada falar em reforma política no Brasil. O ex-presidente Fernando Henrique chamava-a de “a mãe de todas as reformas”. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha empenhou-se pessoalmente em sua aprovação. Eleição vem, eleição vai, algum remendo é feito e a colcha de retalhos nunca fica pronta. Agora, ela ganhou foros de urgência, tem que ser aprovada a toque de caixa. Para quê? Para garantir direitos da cidadania é que não é.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, vai jantar dia sim, dia talvez, com o presidente da República, Michel Temer, e eles usam o poder e a majestade de suas presidências para discutir os termos dela. Nenhum deles tem autoridade para tanto. Um chefia o Poder Executivo. O outro participa do mais elevado colegiado do Judiciário. Mas as leis são feitas no Poder Legislativo. Por que diacho esses senhores discutem uma mudança de cânones à qual não são chamados a participar? Um é professor de Direito Constitucional e o outro julga causas que chegam à última instância da Justiça. Ambos têm muito o que fazer em suas alçadas. Por que não se cingem a cátedra e toga?

Resultado de imagem para bordel brasil  charge

Na prática, no dia-a-dia, quem lida com o assunto é o Legislativo. Aliás, na Câmara dos Deputados funciona uma tal Comissão Especial só para cuidar disso. Demos, então, a palavra aos encarregados de emendar dispositivos em cuja feitura Temer e Mendes nada têm sequer que palpitar. E o que dizem os que têm a dizer? O presidente, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), teve a chance de explicar que “a reforma política está sendo feita por causa do financiamento. Foi por isso que começamos a discutir sistema eleitoral, voto em lista, distritão. Agora tudo é para aprovar o fundo, porque sem ele não tem dinheiro”. Ah, então, está tudo esclarecido: o que está em jogo não é a absurda matemática da composição das bancadas nem a crise de representatividade por ela causada, mas a caixinha de esmolas.

O responsável pelo texto aprovado na comissão não é Temer, nem Mendes, nem Lima. É Vicente, cujo sobrenome, Cândido, é desmentido pela porca tarefa. E, como militante do Partido dos Trabalhadores (PT-SP) e da alta cartolagem do impolutíssimo (aiaiai) futebol profissional da Pátria em chuteiras (e não de, como proclamavam Dilma Rousseff e Aldo Rebelo), ele já deixou clara a inutilidade de correr tanto para tentar aprovar algo que não deve prosperar. “Aprovar uma reforma política para o ano seguinte é impossível, porque o povo aqui (ou seja, os colegas do Congresso) faz de tudo, menos passar a faca no próprio pescoço”. De cândido (limpo, puro, franco), ele não tem nada.

Na vida oficial, dos gabinetes onde se recebem propinas, e na real de botecos, onde os pobres pagam a conta da esbórnia nacional, o buraco é mais embaixo. Com seu linguajar de boleiro, o relator não deixa por menos e pontifica: “O povo vota num Congresso Nacional do Brasil e quer leis da Suíça”. Sua Bolorência anda meio desatualizada: a Suíça nunca foi o território da santidade, mas, sim, o valhacouto do dinheiro sujo e mal lavado. Agora, não é mais. O capitalismo internacional, sob o comando dos ganhadores da Guerra da Secessão, não admite mais a corrupção, desde que constatou que a farra dos esgotos monetários não financiam apenas o tráfico de drogas e de armas. Mas também a engenharia financeira dos terroristas, que não suportam a liberdade de crença nem o direito sagrado de ir e vir neste mundão sem Deus.

E, enquanto esse mundão prospera, o Brasil vegeta, esmagado por um Estado estroina e desavergonhado, em que não se respeitam códigos de ética do novo capitalismo nem do velho gangsterismo. Com um déficit de contas públicas que se aproxima de meio trilhão de reais num quadriênio em que se limita um mandato, Pindorama se entrega aos vigaristas.

Sob bênçãos de Temer e Mendes, Lima e Cândido, estes desejam o paraíso do carcará sanguinolento: pega, mata e come. E não levam em conta questões comezinhas. O distritão, por exemplo, uma espécie de distrital do B – B de Brasil, bunda e besta -, foi adaptado do voto de lista, aquele em que os chefões dos partidos se reservam um lugar à sombra no foro, no qual se escondem de Moro. Não passou o listão, enfiam o distritão goela abaixo, porque sabem que, de repente, dê frutos a pregação de Rinaldo da Silva, taxista do Shopping Higienópolis, que defende o voto em mandatário nenhum de Poder nenhum para mandato algum. E eles só oferecem o lema: “votem em mim, ainda que não queiram”.

Os deputados que pregam a reforma do Cunha sob a égide do Maia esqueceram-se de contar que o fim da proporcionalidade no voto também extingue a proporcionalidade que dá às minorias derrotadas possibilidade de sobreviver aos vencedores de pleitos majoritários, nos longos intervalos entre as eleições. Como garantir vaga em comissões ou na Mesa das Casas de Leis com a abolição da proporção? Não é, de fato, espertinho o Centrão?

E o que dizer do fundão, fundilho, ou afundamento generalizado? Na primeira vez em que ouvi falar no Fundo para Financiamento da Democracia, deu-me vontade de me ajoelhar e rezar o Salve Rainha. O fervor cívico passou quando fiquei sabendo que o preço desse tipo de democracia é a eterna desfaçatez. O fundo não é de R$ 3,6 bilhões, como apregoou o nada Cândido, nem de R$ 2 bilhões, cuja pedra cantou assim que percebeu que, na pindaíba generalizada, reduzido, o valor convenceria. Afinal, não entram nesse falso total nem os R$ 2 bilhões do fundo partidário, que vale no ano da eleição e no outro, de urnas fechadas e recolhidas, nem a renúncia fiscal com que se paga o horário, que é gratuito para os espertalhões e pago a bilhões pelos otários, que somos nós.

No bordel Brasil vale tudo, até a venda de indulgências perpétuas por castas prostitutas.