quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Após fim de reserva, grupo amplia lobby por mineração em área indígena

Encorajado por ações recentes do governo federal que reduziram áreas protegidas na Amazônia, um grupo de deputados estaduais da região intensificou o lobby em Brasília para permitir a mineração em terras indígenas.

O movimento - que tem como grande articulador um deputado do PT e é apoiado por um prefeito indígena do Amazonas - é criticado por organizações que representam povos da região e temem os impactos da atividade.

A BBC Brasil acompanhou uma reunião na quinta-feira na sede da Funai (Fundação Nacional do Índio) entre o presidente do órgão, Franklimberg Ribeiro de Freitas, e uma delegação com 11 membros do Parlamento Amazônico, entidade que agrupa legisladores dos nove Estados da Amazônia Legal.

Marcado para tratar de questões ligadas a indígenas na Amazônia, o evento não contou com a presença de nenhum indígena e teve como principal tema a defesa da mineração nos territórios desses povos.

O encontro ocorreu um dia após o presidente Michel Temer extinguir por decreto a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na divisa entre o Pará e o Amapá - decisão que abre o caminho para o avanço da mineração numa área de mata fechada e vizinha a duas terras indígenas.


Após reações negativas, Temer publicou na segunda-feira um novo decreto. O documento manteve a extinção da Renca, mas deixou mais clara a proibição da mineração nas terras indígenas e unidades de conservação que se sobrepõem à reserva, exceto se a atividade estiver prevista no plano de manejo da unidade.

Principal articulador do movimento pró-mineração em terras indígenas, o deputado estadual Sinésio Campos, do PT do Amazonas, disse à BBC Brasil que o novo decreto não altera os planos do grupo e que seguirá tentando convencer o Congresso a regulamentar o tema.

Campos afirma que Temer cometeu uma "trapalhada" ao extinguir a Renca sem explicar o gesto e ao apresentar um novo decreto após as reações negativas. Segundo ele, as críticas teriam sido menores se o governo tivesse dialogado antes de anunciar a decisão.

Também presente à reunião na Funai, o deputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima, disse à BBC Brasil que a extinção da Renca animou o movimento pró-mineração, embora o encontro tenha sido agendado antes do decreto original. Para ele, a decisão sinaliza "que o governo está preocupado em destravar a burocracia que tanto atrapalha o desenvolvimento da Amazônia".

Segundo o deputado, outras ações do governo Temer - como a redução da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e a edição de uma Medida Provisória que facilita a regularização de terras (apelidada por ambientalistas de "MP da grilagem") - estimularam o agendamento do encontro com o presidente da Funai.

"Sentimos que o momento é favorável e viemos reforçar nossa posição. Já que o governo não tem popularidade, que entre na história por modernizar o país", ele diz.

Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouroDeputado estadual Naldo da Loteria, do PSB de Roraima

Na reunião, Naldo disse que Roraima - onde áreas indígenas são 46,2% do território - foi "inviabilizada economicamente" por demarcações e que a regulamentação da mineração reduziria os conflitos causados por garimpos ilegais. "Hoje só não existe garimpo em terra indígena que não tem ouro", afirmou.

Segundo a Constituição de 1988, a mineração em terras indígenas só poderá ocorrer se for regulamentada por lei específica, o que jamais ocorreu. Mesmo assim, vários desses territórios convivem há décadas com o garimpo ilegal - atividade associada a conflitos, à poluição dos rios e à disseminação de doenças

Hoje só é permitido em terras indígenas o garimpo artesanal, sem uso de máquinas nem produtos poluentes.

"Enquanto não puderem explorar as riquezas de suas terras, os índios serão mendigos ricos", afirmou na reunião Sinésio Campos, do PT.

Na presidência da Funai desde maio, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas disse aos deputados que a regulamentação da atividade era do interesse de vários povos indígenas.

Ele afirmou que "99,9%" dos indígenas do Alto Rio Negro (AM) e dos povos Suruí e Cinta Larga das Terras Indígenas Sete de Setembro e Aripuanã (ambas na divisa entre Rondônia e Mato Grosso) "querem a regularização pelo Congresso Nacional da exploração dos recursos minerais".

Mas ele disse que o atendimento do pleito não dependia da Funai, e sim do Congresso, e que a mineração não seria uma alternativa para todas as comunidades indígenas do país. "É preciso considerar a vocação econômica de cada território", disse Franklimberg, destacando grupos que têm explorado atividades como o turismo, a criação de peixes e a coleta de castanha.

Única na reunião a destoar do coro pró-mineração, a deputada Cristina Almeida, do PSB do Amapá, se disse preocupada com o impacto da extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados nas terras indígenas Waiãpi e Rio Paru d'Este. Segundo ela, o decreto de Temer pode provocar uma "explosão no desmatamento e acarretar aumento de conflitos".

Franklimberg respondeu que não haveria exploração de minérios nas duas áreas indígenas, justamente porque a atividade ainda não está regulamentada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário