Um primata, o humano, parece decidido a extinguir os seus parentes mais próximos numa batalha sem trégua em que as forças estão completamente desequilibradas: em apenas 50 anos terão desaparecido três de cada quatro espécies de primatas, 378 das 504 registradas. Acabamos de saber disso graças a um macro estudo publicado na Science Advances, liderado pelo pesquisador mexicano, entre outros, e com a participação de 30 especialistas. “Estamos realmente muito preocupados, e nosso artigo é um apelo por uma ação global à comunidade científica em geral e ao público e aos políticos para que evitem isso”, afirma.
O estudo é muito rico em dados e informações detalhadas sobre esse extermínio. Na Ásia, 73% dos primatas estão ameaçados, cifra que sobe para 87% em Madagascar, o reino dos lêmures, na costa oriental da África. O orangotango da Sumatra perdeu 60% do seu habitat em apenas 20 anos e deve perder mais 30% nas próximas décadas por culpa do desmatamento (geralmente para a produção de óleo de palma) e da mudança climática.
Os pesquisadores foram muito minuciosos na sua descrição das ameaças que dizimam nossos parentes. Embora haja diferenças importantes entre regiões, a agricultura se destaca como principal problema, já que devorou 76% dos habitats dos macacos, micos, lêmures e afins. Entre 1990 e 2010, as práticas agrícolas consumiram 1,5 milhão de quilômetros quadrados nesses habitats, o equivalente ao Estado do Amazonas, e foram perdidos dois milhões de quilômetros quadrados de cobertura florestal. Mas o pior é o que está por vir: a expansão futura dos cultivos abrange dois terços da área que esses mamíferos habitam. “Isto provocará um conflito territorial sem precedentes com75% das espécies de primatas em todo o mundo”, conclui o artigo.
As práticas agrícolas não agem sozinhas. A caça representa 60% das perdas diretas desses animais, com um problema emergente: o da captura de primatas para consumo humano. Calcula-se que na Nigéria e em Camarões são comercializados anualmente 150.000 primatas no mercado alimentício. Além disso, o desmatamento afeta 60% dos habitats, e a pecuária, 31%. A mineração, apesar de estar muito concentrada em pequenos territórios, está mostrando uma capacidade destrutiva muito grave, porque contribui para o desmatamento, a degradação florestal e a poluição do solo e da água. Os garimpeiros de coltan na África Central caçam macacos para se alimentar, outra terrível e inesperada decorrência do ciclo consumista que cerca os telefones celulares.
Esse estudo, além de ser o primeiro a oferecer uma descrição global do estado de conservação dos primatas no mundo e das pressões antropogênicas contra eles, também fornece ideias e soluções para mitigar a perda local, regional e mundial de espécies. “Abordar as principais ameaças que afetam as populações de primatas é algo que exige políticas globais, mas um enfoque local seria construtivo”, diz Estrada, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México. “O desmatamento, a caça insustentável e o comércio ilegal poderiam ser rapidamente abordados, com o objetivo de sensibilizar a população das zonas urbanas e rurais de que os primatas são um componente importante do seu capital natural”, diz. “Que conservá-los com seus hábitats e deter o comércio ilegal significa investir no futuro."
Há um fator importante que ele ressalta ao analisar os contextos nos quais os primatas não humanos mais sofrem: a pobreza dos primatas humanos. “O denominador comum dessas regiões são os altos níveis de pobreza e desigualdade, a perda de capital natural devido às demandas do mercado global, a má gestão, a falta de segurança alimentar e a escassa alfabetização. Cuidar desses aspectos é uma prioridade para assegurar a conservação dos primatas”, defende o especialista.
A importância vai muito além da beleza dos primatas, de sua diversidade e de nossa capacidade de nos reconhecermos em seu olhar. “Devemos nossa humanidade a uma história evolutiva compartilhada”, diz Estrada. Numerosos trabalhos recentes certificam o papel fundamental que estes primatas desempenham em seus ecossistemas, e protegê-los seria investir no efeito guarda-chuva, pelo qual salvar uma espécie implica defender muitas outras, porque se mantém o equilíbrio do ciclo natural do seu entorno.
“Temos certeza de que em muitos casos a difícil situação dos nossos companheiros primatas não é conhecida pela comunidade global, incluídos os Governos locais e nacionais”, afirma o pesquisador, e essa é a razão pela qual publicaram esse estudo. As últimas frases do artigo científico são um alerta: “Temos uma última oportunidade de reduzir ou inclusive eliminar as ameaças humanas aos primatas e seus habitats, de orientar os esforços de conservação e aumentar a consciência mundial sobre a sua situação. Os primatas são extremamente importantes para a humanidade. Afinal de contas, são nossos parentes biológicos vivos mais próximos”.
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