terça-feira, 31 de janeiro de 2017
O ministro está morto. Viva o ministro!
Se a morte de Teori Zavaski e o peso crescente do STF põem mais uma vez em evidência a fragilidade da nossa (des)ordem institucional, a conversa de surdos em “looping”, tão igual a si mesma que não faz senão aborrecer e alienar, em que se transformou a discussão pública do dramalhão nacional mata qualquer esperança de melhora.
Ao fim de três anos encalhado o país colhe as provas de que o destino do processo que pode mudar o seu destino não está referido a leis e procedimentos certos e sabidos nem a respeito de delitos tão elementares quanto o assalto recorrente aos bens públicos por agentes do estado e empresários por eles cooptados. Tudo está pendente exclusivamente da maneira como houve por bem tratá-los desta vez, e somente desta vez, o ministro morto em cujas mãos a impertinência de um juiz dissonante jogou a sorte dos políticos denunciados na Operação Lava Jato. E, sendo assim, tornar a sua sucessão neutra e tranquila como deveria ser se fossemos regidos por instituições e não por pessoas é uma missão impossível, senão por todas as outras razões, porque na verdade ninguém sabe exatamente se e como Teori Zavascki se teria decidido a agir em relação aos seus quase réus. Tudo a esse respeito é “segredo de justiça”, expressão que, já de si, é uma contradição em termos. Havia só vagas indicações sobre o que ele “estaria pensando” em fazer.
Tudo, portanto, pode mudar se mudar o relator, ainda que não mudem os fatos que ele relata. Sendo o objeto do processo a nata dos brasileiros “especiais”, aqueles que vivem do e para o estado e estão acima da lei, a única “providência” possível, mesmo para as nossas autoridades mais altas e mais bem intencionadas, é procurar alguém que “seja parecido” ao ministro morto em matéria de “pensamento jurídico”, seja o que for que tal expressão queira dizer, o que garante que não existe o menor risco de que nada do que é realmente importante mude para melhor no final dessa história. A hipótese menos ruim é que, com a ajuda da sorte, este incidente não chegue a fazer tudo piorar muito como tantas vezes já aconteceu em episódios semelhantes da História do Brasil.
Nada a estranhar. É essa mesmo a lógica do “sistema corporativista”. Transferir intacta, de sua majestade para os três poderes do novo sistema, a prerrogativa de distribuir a quem lhe interessar pudesse, não mais títulos explícitos de “nobreza”, mas sim “direitos adquiridos” eternos e frequentemente até hereditários, e encarregar o Poder Judiciário de “republicanamente” faze-los valer nos seus tribunais em vez de simplesmente no cadafalso como ocorria antes. Foi esse o artifício com que a elite em torno do imperador exorcizou a revolução democrática que varreu o absolutismo da Europa e castrou a Republica que tentou se insinuar ao Brasil.
A “Nova Republica”, a partir de 1988, apenas deu a última forma à velha aberração. Desde então a “privilegiatura” saiu do armário e a própria “Constituição da Republica” passou a ser oficialmente o repositório dos seus “direitos adquiridos”, dos mecanismos que automatizam a sua continua expansão e das “pétreas” garantias da sua intocabilidade.
Assim como sua congênere norte-americana, o modelo de onde tiramos a nossa, a suprema corte tem por função avaliar a consonância de todos os atos dos outros dois poderes e mais os das instâncias inferiores do próprio Judiciário com a constituição. O problema é que a constituição americana, com 230 anos, tem sete artigos e 27 emendas, todos definindo exclusivamente quais são os direitos de todos ficando tudo o mais fora da lei, e a brasileira, com 29 anos, tem 250 artigos e 93 emendas, quase todos definindo aquilo que é apenas de alguns em aberta contradição com os Princípios Fundamentais que enuncia no primeiro dos seus nove capítulos, o único que guarda algum parentesco com ideais democráticos autênticos. É um falso problema, portanto, o tão criticado “protagonismo” do STF que um poder Legislativo desmoralizado invoca na sua disputa de poder com o Judiciário e em torno do qual a imprensa e seus “especialistas” de plantão, ingênua e infindavelmente “batem caixa”. Assim como é uma completa perda de tempo qualquer tentativa de cerceá-lo sem tocar na sua causa estrutural pois o “protagonismo” não é da corte, é da constituição, e tudo acabará sempre obrigatoriamente no Supremo se tudo e mais alguma coisa continuar podendo ser enfiado na constituição.
Tudo, no drama brasileiro, está referido a essa mutilação essencial que fez da nossa tão propalada “democracia” um falso brilhante. Passados 118 anos de distribuição desenfreada desses privilégios cá está o Brasil, como era típico de todo o sistema feudal e pelas mesmíssimas razões, estertorando na miséria enquanto a corte onde tudo o mais anda sempre tão devagar passa lei atrás de lei a favor de si mesma como se vivesse em outro planeta. Em pleno século 21 e com a democracia moderna que foi inventada justamente para acabar com isso comemorando o seu 241º aniversário, não conseguimos superar sequer as angústias e incertezas vividas pelos súditos das monarquias desaparecidas desde o século 19 nas quais a morte do rei impunha a todos o que a sorte decidisse sobre a personalidade do herdeiro do trono, com a diferença de que hoje não temos rei, temos reis.
Não adianta sonhar com a redução da corrupção sem tocar na indemissibildade do servidor público e no condicionamento da duração dos mandatos dos representantes eleitos estritamente à satisfação dos seus representados. Não adianta tentar impedir a manifestação dos efeitos sem tratar de remover as suas causas. Enquanto não nos decidirmos a banir da constituição e da nossa ordem legal como um todo tudo que nelas está em contradição com o principio da igualdade de todos, em direitos e em deveres, perante a lei que define a democracia, continuará sendo ilegal tornar sustentável a economia e inconstitucional fazer justiça ou dar os passos necessários para extinguir a miséria no Brasil.
Ao fim de três anos encalhado o país colhe as provas de que o destino do processo que pode mudar o seu destino não está referido a leis e procedimentos certos e sabidos nem a respeito de delitos tão elementares quanto o assalto recorrente aos bens públicos por agentes do estado e empresários por eles cooptados. Tudo está pendente exclusivamente da maneira como houve por bem tratá-los desta vez, e somente desta vez, o ministro morto em cujas mãos a impertinência de um juiz dissonante jogou a sorte dos políticos denunciados na Operação Lava Jato. E, sendo assim, tornar a sua sucessão neutra e tranquila como deveria ser se fossemos regidos por instituições e não por pessoas é uma missão impossível, senão por todas as outras razões, porque na verdade ninguém sabe exatamente se e como Teori Zavascki se teria decidido a agir em relação aos seus quase réus. Tudo a esse respeito é “segredo de justiça”, expressão que, já de si, é uma contradição em termos. Havia só vagas indicações sobre o que ele “estaria pensando” em fazer.
Tudo, portanto, pode mudar se mudar o relator, ainda que não mudem os fatos que ele relata. Sendo o objeto do processo a nata dos brasileiros “especiais”, aqueles que vivem do e para o estado e estão acima da lei, a única “providência” possível, mesmo para as nossas autoridades mais altas e mais bem intencionadas, é procurar alguém que “seja parecido” ao ministro morto em matéria de “pensamento jurídico”, seja o que for que tal expressão queira dizer, o que garante que não existe o menor risco de que nada do que é realmente importante mude para melhor no final dessa história. A hipótese menos ruim é que, com a ajuda da sorte, este incidente não chegue a fazer tudo piorar muito como tantas vezes já aconteceu em episódios semelhantes da História do Brasil.
Nada a estranhar. É essa mesmo a lógica do “sistema corporativista”. Transferir intacta, de sua majestade para os três poderes do novo sistema, a prerrogativa de distribuir a quem lhe interessar pudesse, não mais títulos explícitos de “nobreza”, mas sim “direitos adquiridos” eternos e frequentemente até hereditários, e encarregar o Poder Judiciário de “republicanamente” faze-los valer nos seus tribunais em vez de simplesmente no cadafalso como ocorria antes. Foi esse o artifício com que a elite em torno do imperador exorcizou a revolução democrática que varreu o absolutismo da Europa e castrou a Republica que tentou se insinuar ao Brasil.
A “Nova Republica”, a partir de 1988, apenas deu a última forma à velha aberração. Desde então a “privilegiatura” saiu do armário e a própria “Constituição da Republica” passou a ser oficialmente o repositório dos seus “direitos adquiridos”, dos mecanismos que automatizam a sua continua expansão e das “pétreas” garantias da sua intocabilidade.
Assim como sua congênere norte-americana, o modelo de onde tiramos a nossa, a suprema corte tem por função avaliar a consonância de todos os atos dos outros dois poderes e mais os das instâncias inferiores do próprio Judiciário com a constituição. O problema é que a constituição americana, com 230 anos, tem sete artigos e 27 emendas, todos definindo exclusivamente quais são os direitos de todos ficando tudo o mais fora da lei, e a brasileira, com 29 anos, tem 250 artigos e 93 emendas, quase todos definindo aquilo que é apenas de alguns em aberta contradição com os Princípios Fundamentais que enuncia no primeiro dos seus nove capítulos, o único que guarda algum parentesco com ideais democráticos autênticos. É um falso problema, portanto, o tão criticado “protagonismo” do STF que um poder Legislativo desmoralizado invoca na sua disputa de poder com o Judiciário e em torno do qual a imprensa e seus “especialistas” de plantão, ingênua e infindavelmente “batem caixa”. Assim como é uma completa perda de tempo qualquer tentativa de cerceá-lo sem tocar na sua causa estrutural pois o “protagonismo” não é da corte, é da constituição, e tudo acabará sempre obrigatoriamente no Supremo se tudo e mais alguma coisa continuar podendo ser enfiado na constituição.
Tudo, no drama brasileiro, está referido a essa mutilação essencial que fez da nossa tão propalada “democracia” um falso brilhante. Passados 118 anos de distribuição desenfreada desses privilégios cá está o Brasil, como era típico de todo o sistema feudal e pelas mesmíssimas razões, estertorando na miséria enquanto a corte onde tudo o mais anda sempre tão devagar passa lei atrás de lei a favor de si mesma como se vivesse em outro planeta. Em pleno século 21 e com a democracia moderna que foi inventada justamente para acabar com isso comemorando o seu 241º aniversário, não conseguimos superar sequer as angústias e incertezas vividas pelos súditos das monarquias desaparecidas desde o século 19 nas quais a morte do rei impunha a todos o que a sorte decidisse sobre a personalidade do herdeiro do trono, com a diferença de que hoje não temos rei, temos reis.
Não adianta sonhar com a redução da corrupção sem tocar na indemissibildade do servidor público e no condicionamento da duração dos mandatos dos representantes eleitos estritamente à satisfação dos seus representados. Não adianta tentar impedir a manifestação dos efeitos sem tratar de remover as suas causas. Enquanto não nos decidirmos a banir da constituição e da nossa ordem legal como um todo tudo que nelas está em contradição com o principio da igualdade de todos, em direitos e em deveres, perante a lei que define a democracia, continuará sendo ilegal tornar sustentável a economia e inconstitucional fazer justiça ou dar os passos necessários para extinguir a miséria no Brasil.
Populismo, muros e sorvete
O populismo nunca morre porque funciona à perfeição para projetar políticos na opinião pública. Sempre funcionou, mas foi bombado com esteroides anabolizantes pela internet e mídias sociais. Tanto nos EUA quanto no Brasil, quem sabe manipular as redes pessoais de comunicação domina a narrativa. Basta comparar o interesse despertado por eles e por seus rivais ou seus pares. Sejam os presidentes Donald Trump e Barack Obama, sejam os prefeitos João Doria, Fernando Haddad e Marcelo Crivella.
A eleição de Trump, em novembro passado, despertou duas vezes mais buscas no Google do que a de Obama, em novembro de 2008. Pode-se argumentar que o republicano era uma zebra e que é natural que mais pessoas procurassem saber sobre ele porque não esperavam que fosse eleito - e que isso superou o fato histórico de Obama ter sido o primeiro presidente negro dos EUA.
Para a comparação ficar imune ao fator surpresa, levemos em conta então as buscas feitas no Google também em outras ocasiões importantes, como a posse de ambos na Casa Branca. Numa escala em que 100 é o máximo de interesse, o pico de buscas foi alcançado na surpreendente eleição de Trump. Na mesma escala, a vitória de Obama bateu 54. E a curiosidade depois de empossados?
O início do primeiro mandato de Obama suscitou mais interesse nos internautas do que o do segundo: 35 e 22, respectivamente. Já a posse de Trump e as polêmicas que se seguiram alcançaram 62 na escala de interesse do Google Trends e seguem crescendo. Comparando-se o período logo após assumirem o poder, Trump provocou quase o dobro de pesquisas do que Obama. De novo.
Não se deve confundir interesse e curiosidade com apoio. As pesquisas de opinião e os enormes vazios deixados pelo público durante a posse de Trump - em comparação à de Obama ou à marcha das mulheres contra o republicano dias depois de sua posse - mostram que ele é o presidente dos EUA em começou e mandato menos popular desde que há estatísticas a respeito.
Mas há enormes vantagens em monopolizar o interesse do público, mesmo que seja para polemizar. Como foco único das atenções, o governante dita a agenda, comanda a pauta do que entra em discussão - e o que fica de fora. Ao chamar as luzes para si e seus atos, domina a narrativa e a conversação. Outros assuntos que poderiam ser mais importantes para a sociedade ou sobre os quais o populista não se interessa em abordar caem no vazio.
Fala-se muito mais sobre o futuro muro separando os EUA do México ou sobre a proibição à entrada de muçulmanos do que sobre os protestos contra Trump, sobre o presidente não tornar pública sua declaração de renda e de bens e sobre os conflitos de interesse entre seus negócios e o exercício da Presidência.
A regra vale lá como cá. Desde que virou prefeito de São Paulo, Doria monopolizou a conversação se fantasiando de gari, mandando apagar graffitis e aumentando os limites de velocidade nas avenidas marginais. Houve três vezes mais buscas por seu nome no Google no Brasil do que por Crivella, novo prefeito do Rio.
A desproporção se mantém quando se comparam as pesquisas por Doria e pelo nome do seu antecessor no cargo. Em quatro anos como prefeito paulistano, Haddad nunca chegou a um terço da exposição conseguida por Doria em apenas um mês. É porque a mídia é antipetista, dirão uns. Se fosse isso, Michel Temer despertaria mais interesse do que Lula. Não é o caso.
O presidente do PMDB ainda perde para o líder do PT, mas está aprendendo a chamar a atenção. A liberação das contas inativas do FGTS foi um exemplo positivo. Gerou quase tanto interesse quanto seus gastos com compra de sorvete para o avião oficial.
A eleição de Trump, em novembro passado, despertou duas vezes mais buscas no Google do que a de Obama, em novembro de 2008. Pode-se argumentar que o republicano era uma zebra e que é natural que mais pessoas procurassem saber sobre ele porque não esperavam que fosse eleito - e que isso superou o fato histórico de Obama ter sido o primeiro presidente negro dos EUA.
Para a comparação ficar imune ao fator surpresa, levemos em conta então as buscas feitas no Google também em outras ocasiões importantes, como a posse de ambos na Casa Branca. Numa escala em que 100 é o máximo de interesse, o pico de buscas foi alcançado na surpreendente eleição de Trump. Na mesma escala, a vitória de Obama bateu 54. E a curiosidade depois de empossados?
O início do primeiro mandato de Obama suscitou mais interesse nos internautas do que o do segundo: 35 e 22, respectivamente. Já a posse de Trump e as polêmicas que se seguiram alcançaram 62 na escala de interesse do Google Trends e seguem crescendo. Comparando-se o período logo após assumirem o poder, Trump provocou quase o dobro de pesquisas do que Obama. De novo.
Não se deve confundir interesse e curiosidade com apoio. As pesquisas de opinião e os enormes vazios deixados pelo público durante a posse de Trump - em comparação à de Obama ou à marcha das mulheres contra o republicano dias depois de sua posse - mostram que ele é o presidente dos EUA em começou e mandato menos popular desde que há estatísticas a respeito.
Mas há enormes vantagens em monopolizar o interesse do público, mesmo que seja para polemizar. Como foco único das atenções, o governante dita a agenda, comanda a pauta do que entra em discussão - e o que fica de fora. Ao chamar as luzes para si e seus atos, domina a narrativa e a conversação. Outros assuntos que poderiam ser mais importantes para a sociedade ou sobre os quais o populista não se interessa em abordar caem no vazio.
Fala-se muito mais sobre o futuro muro separando os EUA do México ou sobre a proibição à entrada de muçulmanos do que sobre os protestos contra Trump, sobre o presidente não tornar pública sua declaração de renda e de bens e sobre os conflitos de interesse entre seus negócios e o exercício da Presidência.
A regra vale lá como cá. Desde que virou prefeito de São Paulo, Doria monopolizou a conversação se fantasiando de gari, mandando apagar graffitis e aumentando os limites de velocidade nas avenidas marginais. Houve três vezes mais buscas por seu nome no Google no Brasil do que por Crivella, novo prefeito do Rio.
A desproporção se mantém quando se comparam as pesquisas por Doria e pelo nome do seu antecessor no cargo. Em quatro anos como prefeito paulistano, Haddad nunca chegou a um terço da exposição conseguida por Doria em apenas um mês. É porque a mídia é antipetista, dirão uns. Se fosse isso, Michel Temer despertaria mais interesse do que Lula. Não é o caso.
O presidente do PMDB ainda perde para o líder do PT, mas está aprendendo a chamar a atenção. A liberação das contas inativas do FGTS foi um exemplo positivo. Gerou quase tanto interesse quanto seus gastos com compra de sorvete para o avião oficial.
Saudades do Cinema Novo
Se Deus quiser, vou começar um novo filme, lá pelo meio do ano. Escrevi-o para ter algum consolo artístico na ficção, tão desmoralizada pelas catástrofes da realidade, muito mais inesperada, inexplicável que os gemidos críticos da arte. Mas, num mundo paralisado diante de nós, a única esperança é um pouco de beleza furando o tempo. Vou filmar um roteiro inspirado num conto de Rubem Fonseca que, creio, retrata a cara e a alma de muita gente que hoje sofre a tempestade de fatos que nos assola. E aí, a dúvida: “Que filme? Comercial, épico, político, psicológico? O quê?” – me perguntam. Sei lá – depois eu descubro.
O cinema foi minha vida durante mais de 30 anos. Parei em 1992 e virei esse cara opinativo que vos fala. O cinema foi o sonho de que os filmes mudariam nossa realidade, até que descobrimos o contrário.
Mas o cinema era nossa fé, nosso credo. Por isso, tenho saudades daquele tempo do Cinema Novo, sim, saudades da tribo de esperançosos que éramos, cumprindo uma missão “histórica”. Justamente agora, quando as imagens nos penetram, inundam nossos olhos e ouvidos é que eu lembro com amor da fragilidade dos filmes antigos e da ideia do “objeto único”, da aura a que eles almejavam.
Hoje o cinema é nu. Está exposto em lojas, feiras e bancas de jornais, está na ponta dos dedos dos insones, está nas TVs, está rodando bolsinha nas ruas. Tenho saudades da sala escura, do cinema dos pobres tímidos, do cinema como ilusão solitária, realidade alternativa que analisávamos noite adentro nos bares. Pouco antes de sua morte, conversei com Louis Malle sobre isso, no Rio – falamos do sonho, da utopia dos anos 60, alimentada pelo “Cahiers du Cinema”, pelos círculos de fumaça dos “Gitanes” sem filtro, saudades do frisson culto das cinematecas. Como era bom esperar por um novo filme de Fellini, e pelo novo Antonioni, e pelo novo Godard... Atualmente, essa “cinefilia” soa quase como um vício sexual; talvez até tenha sido. Havia um mundo secreto, próprio do cinema, que só alguns ainda conhecem.
Não chego a ser um cinéfilo puro. Falta-me o gosto arquivista, o detalhe das fichas técnicas remotas, o mundo das fofocas de Hollywood. Mas tenho amigos que me calam de respeito. Cinéfilo era, por exemplo, o Manuel Puig, o escritor argentino que morou no Rio. Ele sabia tudo de qualquer filme. Outro dia, li um artigo sobre os últimos dias de Puig em Cuernavaca, no México. O relato era uma cena digna dos melodramas B que ele amava. Em sua vida, Puig tinha adotado dois “gays” jovens, que ele chamava de suas “filhas”. Uma delas era Yasmin, “filha” dele com o Ali Khan – pois Puig brincava com a fantasia de ser a Rita Hayworth; a outra, (esqueci o nome) era “filha” dele (dela) com Orson Welles.
Pois bem, uma noite, velando por sua agonia, à beira do leito do hospital, Yasmin achou que Puig já estava em coma. Mas, na esperança de uma melhora, resolveu testar os sinais vitais de sua “mãe”. Segredou-lhe: “Mamãe... ontem eu vi ‘Stella Dallas’, de King Vidor, na TV... Chorei tanto...”. Eis que a “mãe” Puig balbuciou-lhe do leito: “É... a Barbara Stanwick está ótima, mas o John Boles nunca me emocionou muito”. Yasmim, a bichinha cinéfila, caiu em prantos e ligou eufórica para a “irmã”: “Mamãe está melhorando”.
Nessa época, o cinema ainda tinha a tal “alma” que, hoje, desapareceu nos supermercados digitais ou foi soterrada sob a febre de séries na TV – vitória absoluta de Aristóteles. Por isso, me lembrei de Humberto Mauro, que conheci já velhinho. Já contei isso aqui várias vezes, mas a historinha é exemplar.
Quando ele fazia seus filmes dos anos 20/30 nos fundos de quintal em Cataguazes e, depois, na Cinédia, todo amigo que ele encontrava na rua dizia para ele: “Humberto, você precisa ir ao meu sítio filmar a cachoeira que tenho lá! Você vai ver que cachoeira!”. E o Humberto Mauro ficava com aquilo na cabeça: “Por que querem que eu filme cachoeiras?”. Um dia, um jovem cinéfilo (havia-os aos montes) agarrou-o pelo paletó e suplicou-lhe que decifrasse o grande enigma: “Seu Mauro, afinal de contas, diga, qual é a ‘essência’, a ‘alma’ do cinema?”. E o velho Mauro teve a grande intuição e deu-lhe a resposta inapelável: “Cinema, meu filho, é cachoeira! É cachoeira!”.
Essa frase ficou famosa entre os amantes da sétima arte na época. E ela me remete a outra definição, do filósofo Henri Bergson, a quem os irmãos Lumière mostraram sua ainda recente invenção: “Creio que o cinematógrafo será útil para sabermos, no futuro, como os antigos se moviam...”.
Talvez seja esta a “essência” do cinema: registrar a morte comendo a vida. Hollywood é um cemitério de estrelas. São beijos e olhos e corpos embalsamados no tempo da película. Fred Astaire dança no ar do nada, James Dean anunciava sua morte na interpretação de uma melancolia trágica. Sei como dói amar uma morta – eu que me apaixonei por Brigitte Helm em “Metrópolis” e amei as pernas perfeitas de Louise Brooks e Cid Charisse, na necrofilia da sala escura.
Por isso, a ideia de cachoeira é a metáfora melhor. Só o movimento tem de ser filmado. Só as cachoeiras devem ser retratadas na busca de alguma verdade. A grande desilusão do século XX foi a tentativa de capturar a vida incessante em fórmulas racionais que a esgotassem.
Não há uma realidade que se congele. Buscá-la, tanto no cinema quanto na política, é fracasso certo.
Hoje, vemos que quanto mais aberta a máquina do mundo, mais vazia e misteriosa ela se torna. A fome de decifrá-la, digitalizá-la, descrevê-la não a condensa nem explica; ao contrário, dá em tragédia. Hoje, tanto no fanatismo do Oriente quanto na massificação ocidental, vemos esse perigo e desejo.
Na verdade, somos uma cachoeira olhando a outra, e nossas ações têm este fracasso fundamental: por mais que olhemos no fundo das coisas, nunca veremos fim ou início. A cachoeira é a melhor definição do cinema ou da vida.
O cinema foi minha vida durante mais de 30 anos. Parei em 1992 e virei esse cara opinativo que vos fala. O cinema foi o sonho de que os filmes mudariam nossa realidade, até que descobrimos o contrário.
Mas o cinema era nossa fé, nosso credo. Por isso, tenho saudades daquele tempo do Cinema Novo, sim, saudades da tribo de esperançosos que éramos, cumprindo uma missão “histórica”. Justamente agora, quando as imagens nos penetram, inundam nossos olhos e ouvidos é que eu lembro com amor da fragilidade dos filmes antigos e da ideia do “objeto único”, da aura a que eles almejavam.
Hoje o cinema é nu. Está exposto em lojas, feiras e bancas de jornais, está na ponta dos dedos dos insones, está nas TVs, está rodando bolsinha nas ruas. Tenho saudades da sala escura, do cinema dos pobres tímidos, do cinema como ilusão solitária, realidade alternativa que analisávamos noite adentro nos bares. Pouco antes de sua morte, conversei com Louis Malle sobre isso, no Rio – falamos do sonho, da utopia dos anos 60, alimentada pelo “Cahiers du Cinema”, pelos círculos de fumaça dos “Gitanes” sem filtro, saudades do frisson culto das cinematecas. Como era bom esperar por um novo filme de Fellini, e pelo novo Antonioni, e pelo novo Godard... Atualmente, essa “cinefilia” soa quase como um vício sexual; talvez até tenha sido. Havia um mundo secreto, próprio do cinema, que só alguns ainda conhecem.
Não chego a ser um cinéfilo puro. Falta-me o gosto arquivista, o detalhe das fichas técnicas remotas, o mundo das fofocas de Hollywood. Mas tenho amigos que me calam de respeito. Cinéfilo era, por exemplo, o Manuel Puig, o escritor argentino que morou no Rio. Ele sabia tudo de qualquer filme. Outro dia, li um artigo sobre os últimos dias de Puig em Cuernavaca, no México. O relato era uma cena digna dos melodramas B que ele amava. Em sua vida, Puig tinha adotado dois “gays” jovens, que ele chamava de suas “filhas”. Uma delas era Yasmin, “filha” dele com o Ali Khan – pois Puig brincava com a fantasia de ser a Rita Hayworth; a outra, (esqueci o nome) era “filha” dele (dela) com Orson Welles.
Pois bem, uma noite, velando por sua agonia, à beira do leito do hospital, Yasmin achou que Puig já estava em coma. Mas, na esperança de uma melhora, resolveu testar os sinais vitais de sua “mãe”. Segredou-lhe: “Mamãe... ontem eu vi ‘Stella Dallas’, de King Vidor, na TV... Chorei tanto...”. Eis que a “mãe” Puig balbuciou-lhe do leito: “É... a Barbara Stanwick está ótima, mas o John Boles nunca me emocionou muito”. Yasmim, a bichinha cinéfila, caiu em prantos e ligou eufórica para a “irmã”: “Mamãe está melhorando”.
Nessa época, o cinema ainda tinha a tal “alma” que, hoje, desapareceu nos supermercados digitais ou foi soterrada sob a febre de séries na TV – vitória absoluta de Aristóteles. Por isso, me lembrei de Humberto Mauro, que conheci já velhinho. Já contei isso aqui várias vezes, mas a historinha é exemplar.
Quando ele fazia seus filmes dos anos 20/30 nos fundos de quintal em Cataguazes e, depois, na Cinédia, todo amigo que ele encontrava na rua dizia para ele: “Humberto, você precisa ir ao meu sítio filmar a cachoeira que tenho lá! Você vai ver que cachoeira!”. E o Humberto Mauro ficava com aquilo na cabeça: “Por que querem que eu filme cachoeiras?”. Um dia, um jovem cinéfilo (havia-os aos montes) agarrou-o pelo paletó e suplicou-lhe que decifrasse o grande enigma: “Seu Mauro, afinal de contas, diga, qual é a ‘essência’, a ‘alma’ do cinema?”. E o velho Mauro teve a grande intuição e deu-lhe a resposta inapelável: “Cinema, meu filho, é cachoeira! É cachoeira!”.
Essa frase ficou famosa entre os amantes da sétima arte na época. E ela me remete a outra definição, do filósofo Henri Bergson, a quem os irmãos Lumière mostraram sua ainda recente invenção: “Creio que o cinematógrafo será útil para sabermos, no futuro, como os antigos se moviam...”.
Talvez seja esta a “essência” do cinema: registrar a morte comendo a vida. Hollywood é um cemitério de estrelas. São beijos e olhos e corpos embalsamados no tempo da película. Fred Astaire dança no ar do nada, James Dean anunciava sua morte na interpretação de uma melancolia trágica. Sei como dói amar uma morta – eu que me apaixonei por Brigitte Helm em “Metrópolis” e amei as pernas perfeitas de Louise Brooks e Cid Charisse, na necrofilia da sala escura.
Por isso, a ideia de cachoeira é a metáfora melhor. Só o movimento tem de ser filmado. Só as cachoeiras devem ser retratadas na busca de alguma verdade. A grande desilusão do século XX foi a tentativa de capturar a vida incessante em fórmulas racionais que a esgotassem.
Não há uma realidade que se congele. Buscá-la, tanto no cinema quanto na política, é fracasso certo.
Hoje, vemos que quanto mais aberta a máquina do mundo, mais vazia e misteriosa ela se torna. A fome de decifrá-la, digitalizá-la, descrevê-la não a condensa nem explica; ao contrário, dá em tragédia. Hoje, tanto no fanatismo do Oriente quanto na massificação ocidental, vemos esse perigo e desejo.
Na verdade, somos uma cachoeira olhando a outra, e nossas ações têm este fracasso fundamental: por mais que olhemos no fundo das coisas, nunca veremos fim ou início. A cachoeira é a melhor definição do cinema ou da vida.
Confissões da Odebrecht
É na Bahia onde se espraiam os efeitos mais corrosivos das confissões da Odebrecht, validadas ontem pelo Supremo — consequência natural da identidade baiana construída há nove décadas pela família controladora do grupo.
Salvador, capital da colonização escravocrata, concentra ansiedade pública pelas revelações dos Odebrecht e seus executivos sobre corrupção. Prevalece a convicção de que devem se refletir em mudança de rumos da política e dos negócios no estado.
O clima é similar ao observado em Brasília. Com agravantes derivados da atenção pública aos ruídos de embates familiares, entre eles, os do patriarca Emílio, herdeiros e o filho Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba.
Repete-se no condomínio praiano de Interlagos, onde partilham a beira-mar o ex-diretor da Odebrecht em Brasília, Cláudio Melo Filho, o ex-ministro do governo Temer Geddel Vieira Lima e os publicitários das campanhas de Lula e Dilma, João Santana e Mônica Moura.
A relação Cláudio e Geddel, contou o executivo à Justiça, “era muito forte”, bem além da simples vizinhança: “Geddel recebia pagamentos qualificados, e fazia isso oferecendo contrapartidas claras.” Conversavam bastante — contaram-se 117 ligações num único ano. Geddel era “Babel” na planilha de pagamentos.
Vizinhos deles na praia, os publicitários João e Mônica também compartilhavam a folha Odebrecht. Receberam US$ 24 milhões nas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confessou Vinícius Borin, responsável pelos repasses no Meinl Bank, em Antígua.
O casal foi recompensado com outros US$ 5 milhões por Eike Batista, preso no Rio. Eike pagou-os pela conta panamenha da Golden Rock, que também usou para repassar US$ 16,5 milhões ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Nesse circuito sobressaem expoentes de uma elite republicana moldada em vícios típicos do Brasil colonial, descrito pelo poeta Boca do Inferno, o advogado Gregório de Matos, na Salvador onde tudo se permitia aos amigos do rei:
“Furte, coma, beba e tenha amiga,
Por que o nome d’El Rei dá para tudo
A todos que El-Rei trazem na barriga.”
Desde então, sob o manto do foro nobre, multiplicam-se histórias de impunidade. Nele pouparam-se, entre outros, fidalgos como Fernão Cabral, que lançou viva na fornalha de seu engenho uma escrava grávida do “gentio do Brasil”, conta o historiador Ronaldo Vainfas.
O resguardo em foro especial, atenuante na Justiça e na Igreja da Colônia, prossegue. Ano passado, Dilma aplicou-o a Lula, levando-o à Casa Civil, no lugar de Jaques Wagner.
Ex-governador da Bahia, Wagner seria “Polo” na folha da Odebrecht, com US$ 11 milhões recebidos. Do total, US$ 8 milhões sustentariam a eleição do sucessor, o governador Rui Costa, segundo Melo Filho. Em troca, “Polo” pagou à empresa uma fatura pendente de US$ 85 milhões, valor sete vezes maior.
Na sexta-feira 20 de janeiro, o governador Costa fez Wagner secretário de Desenvolvimento. No mesmo pacote nomeou o engenheiro Abal Magalhães para a Companhia de Desenvolvimento Urbano. Precisou demitir Magalhães 24 horas depois. Descobriu que ele militava em redes sociais qualificando Wagner como integrante de “quadrilha” do PT financiada pela Odebrecht. E repetia: “#lulanacadeia”, “#dilmanacadeia” .
José Casado
O clima é similar ao observado em Brasília. Com agravantes derivados da atenção pública aos ruídos de embates familiares, entre eles, os do patriarca Emílio, herdeiros e o filho Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba.
Repete-se no condomínio praiano de Interlagos, onde partilham a beira-mar o ex-diretor da Odebrecht em Brasília, Cláudio Melo Filho, o ex-ministro do governo Temer Geddel Vieira Lima e os publicitários das campanhas de Lula e Dilma, João Santana e Mônica Moura.
A relação Cláudio e Geddel, contou o executivo à Justiça, “era muito forte”, bem além da simples vizinhança: “Geddel recebia pagamentos qualificados, e fazia isso oferecendo contrapartidas claras.” Conversavam bastante — contaram-se 117 ligações num único ano. Geddel era “Babel” na planilha de pagamentos.
Vizinhos deles na praia, os publicitários João e Mônica também compartilhavam a folha Odebrecht. Receberam US$ 24 milhões nas campanhas de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), confessou Vinícius Borin, responsável pelos repasses no Meinl Bank, em Antígua.
O casal foi recompensado com outros US$ 5 milhões por Eike Batista, preso no Rio. Eike pagou-os pela conta panamenha da Golden Rock, que também usou para repassar US$ 16,5 milhões ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Nesse circuito sobressaem expoentes de uma elite republicana moldada em vícios típicos do Brasil colonial, descrito pelo poeta Boca do Inferno, o advogado Gregório de Matos, na Salvador onde tudo se permitia aos amigos do rei:
“Furte, coma, beba e tenha amiga,
Por que o nome d’El Rei dá para tudo
A todos que El-Rei trazem na barriga.”
Desde então, sob o manto do foro nobre, multiplicam-se histórias de impunidade. Nele pouparam-se, entre outros, fidalgos como Fernão Cabral, que lançou viva na fornalha de seu engenho uma escrava grávida do “gentio do Brasil”, conta o historiador Ronaldo Vainfas.
O resguardo em foro especial, atenuante na Justiça e na Igreja da Colônia, prossegue. Ano passado, Dilma aplicou-o a Lula, levando-o à Casa Civil, no lugar de Jaques Wagner.
Ex-governador da Bahia, Wagner seria “Polo” na folha da Odebrecht, com US$ 11 milhões recebidos. Do total, US$ 8 milhões sustentariam a eleição do sucessor, o governador Rui Costa, segundo Melo Filho. Em troca, “Polo” pagou à empresa uma fatura pendente de US$ 85 milhões, valor sete vezes maior.
Na sexta-feira 20 de janeiro, o governador Costa fez Wagner secretário de Desenvolvimento. No mesmo pacote nomeou o engenheiro Abal Magalhães para a Companhia de Desenvolvimento Urbano. Precisou demitir Magalhães 24 horas depois. Descobriu que ele militava em redes sociais qualificando Wagner como integrante de “quadrilha” do PT financiada pela Odebrecht. E repetia: “#lulanacadeia”, “#dilmanacadeia” .
José Casado
Cidades inteligentes
Neste início de mandato dos novos prefeitos brasileiros, a única unanimidade num conjunto tão diverso é a penúria das finanças, com raríssimas exceções. A queda de arrecadação foi a principal causa apontada para situações graves. Mas será que é apenas isto? Ou as atuais práticas administrativas são obsoletas e os administradores públicos incapazes de promover o desenvolvimento planejado dos municípios?
Como, de forma financeiramente equilibrada, garantir os serviços básicos e ampliar o acesso à educação, à saúde, à segurança, aos transportes e ao desenvolvimento econômico? Como usar, entre outros meios, a tecnologia disponível?
O desafio agora é reorganizar o espaço urbano e a integração das funções individuais e coletivas nas chamadas Cidades Inteligentes, resultantes do inevitável impacto das tecnologias digitais de informação e comunicação. O que importa, neste momento, é que todas as pessoas possam ter condições de se inserir no mundo do conhecimento, no mundo da igualdade virtual. Porque isso representa um efetivo caminho para conquista da cidadania.
Os especialistas identificam dez dimensões para definir o nível de inteligência de uma cidade: governança, administração pública, planejamento urbano, tecnologia, meio ambiente, conexões internacionais, coesão social, capital humano e a economia.
O maior objetivo de uma Cidade Inteligente é promover os vínculos sociais, democratizando o acesso à informação, produzindo dados para a gestão pública racional, interligando e promovendo as atividades políticas, culturais e econômicas, reforçando sempre a dimensão pública.
É hora de criar novas formas de comunicação, que incentivem a apropriação social das novas tecnologias, fortalecendo a democracia com novas experiências de governo eletrônico e propiciando, de fato, um processo de planejamento com a participação dos cidadãos.
Enfim, entre as mais importantes metas das novas administrações recém-empossadas, uma delas deveria ser a de construir, mesmo com recursos escassos, esta nova cidade, necessária para atender às demandas atuais e, principalmente, prepará-las para o futuro.
Cabe à sociedade um importante papel nestas formulações, participando colaborativamente. Todos podem cobrar dos novos administradores, como parte ativa e decisiva neste processo.
Benito Paret
Como, de forma financeiramente equilibrada, garantir os serviços básicos e ampliar o acesso à educação, à saúde, à segurança, aos transportes e ao desenvolvimento econômico? Como usar, entre outros meios, a tecnologia disponível?
Nossas cidades são muito complexas. Nasceram, cresceram e se desenvolveram com base em fatores sociais, culturais, políticos e tecnológicos muito distintos. Mesmo após a era industrial e com o advento da urbanização, as cidades se desenvolvem de forma desordenada. A partir deste século XXI, as novas tecnologias de comunicação e informação passam a interferir no contexto urbano. Surgem, ainda com pouco planejamento, as denominadas cidades digitais globalizadas, onde as redes telemáticas fazem parte da vida cotidiana e constituem infraestrutura básica, mas ainda desordenada.
O desafio agora é reorganizar o espaço urbano e a integração das funções individuais e coletivas nas chamadas Cidades Inteligentes, resultantes do inevitável impacto das tecnologias digitais de informação e comunicação. O que importa, neste momento, é que todas as pessoas possam ter condições de se inserir no mundo do conhecimento, no mundo da igualdade virtual. Porque isso representa um efetivo caminho para conquista da cidadania.
Os especialistas identificam dez dimensões para definir o nível de inteligência de uma cidade: governança, administração pública, planejamento urbano, tecnologia, meio ambiente, conexões internacionais, coesão social, capital humano e a economia.
O maior objetivo de uma Cidade Inteligente é promover os vínculos sociais, democratizando o acesso à informação, produzindo dados para a gestão pública racional, interligando e promovendo as atividades políticas, culturais e econômicas, reforçando sempre a dimensão pública.
É hora de criar novas formas de comunicação, que incentivem a apropriação social das novas tecnologias, fortalecendo a democracia com novas experiências de governo eletrônico e propiciando, de fato, um processo de planejamento com a participação dos cidadãos.
Enfim, entre as mais importantes metas das novas administrações recém-empossadas, uma delas deveria ser a de construir, mesmo com recursos escassos, esta nova cidade, necessária para atender às demandas atuais e, principalmente, prepará-las para o futuro.
Cabe à sociedade um importante papel nestas formulações, participando colaborativamente. Todos podem cobrar dos novos administradores, como parte ativa e decisiva neste processo.
Benito Paret
Sobre corrupção
Concordo com os que pensam que vivemos hoje um momento específico na história da corrupção no Brasil, mas longe de mim pensar que a corrupção seja uma especificidade nossa.
A corrupção é tão antiga ou quase tão antiga quanto a humanidade – data, pelo menos, dos tempos em que a revolução agrícola diferenciou a sociedade em classes, com um grupo se mantendo no poder graças à força militar e econômica.
A história da corrupção, em qualquer país, começa com a constituição mesma desse mesmo país. O Brasil não foge à regra.
Outro dia, vi um historiador na televisão, com ar irônico e achando que fazia uma grande revelação sobre nosso caráter, dizendo que a corrupção no Brasil já aparece na Carta de Caminha. Ora, isso vale para qualquer nação. A corrupção marca desde a origem a história da Itália, dos EUA, etc. E é muitas vezes milenar no mundo asiático.
Leia-se a Bíblia, aliás. O Demônio, milênios depois de ter corrompido Eva, tenta corromper o próprio Cristo, como vemos no relato de São Mateus, oferecendo-lhe riquezas e poder – é quando Jesus diz a famosa frase “vade retro” ou “vade, Satana!”.
Ou seja: é uma imbecilidade pensar que se trata de uma especificidade brasileira, a menos que o sujeito ache que Babilônia e Pequim, por exemplo, ficavam no sertão de Pernambuco.
De outra parte, a história da corrupção, em cada povo e país, tem suas particularidades.
Quando digo que hoje atravessamos um momento específico da história da corrupção no Brasil, quero dizer o seguinte.
É claro que o poder sempre recorreu à corrupção. Mas o PT introduziu uma novidade terrível em nosso meio, ao privilegiar a corrupção não mais como uma das ferramentas para chegar e se manter no comando do país, e sim como o INSTRUMENTO CENTRAL da luta política e da permanência no poder.
Melhor: os governos do PT-PMDB, em parceria com a Odebrecht, que chegou a ter isso como coisa estrutural da empresa, num departamento de propinas.
Ou seja: passamos a ter um uso político não só sistemático – mas sistêmico – da corrupção. E a corrupção é grande inimiga até porque, quando for reduzida, mesmo os índices de violência irão despencar.
O que se desviou de dinheiro público no Brasil daria para colocar o país de pé, com serviços públicos de primeira qualidade para o conjunto da população. E a desgraça das nossas cidades é que a corrupção domina o jogo, envolvendo o poder econômico e o poder político.
Agora, o grande problema nacional brasileiro não é a corrupção. São as desigualdades sociais.
A corrupção é tão antiga ou quase tão antiga quanto a humanidade – data, pelo menos, dos tempos em que a revolução agrícola diferenciou a sociedade em classes, com um grupo se mantendo no poder graças à força militar e econômica.
A história da corrupção, em qualquer país, começa com a constituição mesma desse mesmo país. O Brasil não foge à regra.
Leia-se a Bíblia, aliás. O Demônio, milênios depois de ter corrompido Eva, tenta corromper o próprio Cristo, como vemos no relato de São Mateus, oferecendo-lhe riquezas e poder – é quando Jesus diz a famosa frase “vade retro” ou “vade, Satana!”.
Ou seja: é uma imbecilidade pensar que se trata de uma especificidade brasileira, a menos que o sujeito ache que Babilônia e Pequim, por exemplo, ficavam no sertão de Pernambuco.
De outra parte, a história da corrupção, em cada povo e país, tem suas particularidades.
Quando digo que hoje atravessamos um momento específico da história da corrupção no Brasil, quero dizer o seguinte.
É claro que o poder sempre recorreu à corrupção. Mas o PT introduziu uma novidade terrível em nosso meio, ao privilegiar a corrupção não mais como uma das ferramentas para chegar e se manter no comando do país, e sim como o INSTRUMENTO CENTRAL da luta política e da permanência no poder.
Melhor: os governos do PT-PMDB, em parceria com a Odebrecht, que chegou a ter isso como coisa estrutural da empresa, num departamento de propinas.
Ou seja: passamos a ter um uso político não só sistemático – mas sistêmico – da corrupção. E a corrupção é grande inimiga até porque, quando for reduzida, mesmo os índices de violência irão despencar.
O que se desviou de dinheiro público no Brasil daria para colocar o país de pé, com serviços públicos de primeira qualidade para o conjunto da população. E a desgraça das nossas cidades é que a corrupção domina o jogo, envolvendo o poder econômico e o poder político.
Agora, o grande problema nacional brasileiro não é a corrupção. São as desigualdades sociais.
Modernidade medieval
Odebrecht: o cólera da corrupção
Num mundo tão entretido e assombrado com o espetáculo que Donald Trump oferece no circo em que a Casa Branca se tornou, há dados estruturais sobre a América Latina que não foram suficientemente enfatizados. A empreiteira brasileira Odebrecht já se tornou uma verdadeira gripe espanhola para os Governos de direita e esquerda no continente, onde, diferentemente da pandemia que matou dezenas de milhões de pessoas no começo do século XX, sofreu uma mutação e se transformou num vírus que ameaça eliminar grande parte da classe política.
É assustador, mas ao mesmo tempo lógico, que as dinâmicas da impunidade e da corrupção tenham dado lugar a uma estrutura tão avançada em termos tecnológicos como a que a Odebrecht articulou, a ponto de criar uma espécie de comando especial, comprando seu próprio banco para atender exclusivamente ao negócio paralelo dos subornos e da corrupção sem limites.
Agora, os Estados Unidos, tão distraídos com sua guerra interna e com os “fatos alternativos” do seu novo presidente, têm uma nova arma para configurar o mapa político da América Latina nos próximos anos. Do Brasil melhor nem falarmos. Deixou de ser o subcontinente do século XXI para se tornar uma vergonha escondida, que tenta a cada dia adivinhar de quem é a mão que balança o berço e administrar as revelações que, como as camadas de uma cebola, mostram até onde chegou a corrupção.
No Peru, o presidente Pedro Pablo Kuczynski pediu à empresa brasileira, responsável por grandes obras de infraestrutura na América Latina, que deixe o país, além de exigir uma penalização selvagem não só pelos prejuízos econômicos como também pela erosão moral que gerou entre 2005 a 2014, durante pelo menos três mandatos presidenciais. Num deles, aliás – o de Alejandro Toledo –, Kuczynski era o primeiro-ministro.
A grande questão é: quem administra o conta-gotas informativo e como os escândalos irão evoluir em cada país? Porque hoje é a vez do Panamá, amanhã da Argentina, depois da Colômbia, depois da Venezuela, República Dominicana, Equador, e assim por diante, até o México e a Guatemala.
Como ultimamente o Departamento de Justiça dos EUA se comporta como uma agência descobridora de novos casos de corrupção no exterior, é preciso considerar que essa informação poderia ser uma arma devastadora para a região. Pois por nossa culpa, por nossa incapacidade, por falta de vontade e por acreditar que isto nunca iria nos acontecer estamos armando alguém que, pelo menos até hoje, não parece interessado em usar essa munição, mas amanhã, ou à medida que forem avançando as aventuras do presidente do império do Norte, poderia cinzelar a política da América Latina fincando o martelo e o formão na pedra lamacenta da corrupção, e não no mármore das instituições.
A Odebrecht marca um antes e um depois, embora a única coisa obrigatória de reconhecer seja a sua raiz profundamente democrática, porque todos participaram sem ter problema algum nem com os populistas, nem com os conservadores, nem com a esquerda, nem com a direita.
Em síntese, não houve dificuldades com nenhuma tendência política. Por isso, agora, quem está livre da Odebrecht que atire a primeira pedra.
É assustador, mas ao mesmo tempo lógico, que as dinâmicas da impunidade e da corrupção tenham dado lugar a uma estrutura tão avançada em termos tecnológicos como a que a Odebrecht articulou, a ponto de criar uma espécie de comando especial, comprando seu próprio banco para atender exclusivamente ao negócio paralelo dos subornos e da corrupção sem limites.
Agora, os Estados Unidos, tão distraídos com sua guerra interna e com os “fatos alternativos” do seu novo presidente, têm uma nova arma para configurar o mapa político da América Latina nos próximos anos. Do Brasil melhor nem falarmos. Deixou de ser o subcontinente do século XXI para se tornar uma vergonha escondida, que tenta a cada dia adivinhar de quem é a mão que balança o berço e administrar as revelações que, como as camadas de uma cebola, mostram até onde chegou a corrupção.
No Peru, o presidente Pedro Pablo Kuczynski pediu à empresa brasileira, responsável por grandes obras de infraestrutura na América Latina, que deixe o país, além de exigir uma penalização selvagem não só pelos prejuízos econômicos como também pela erosão moral que gerou entre 2005 a 2014, durante pelo menos três mandatos presidenciais. Num deles, aliás – o de Alejandro Toledo –, Kuczynski era o primeiro-ministro.
Manifestação contra a Odebrecht, na Cidade do Panamá |
Há que reconhecer a raiz profundamente democrática da Odebrecht, porque todos participaram sem ter problema algum nem com os populistas, nem com os conservadores, nem com a esquerda, nem com a direita
A grande questão é: quem administra o conta-gotas informativo e como os escândalos irão evoluir em cada país? Porque hoje é a vez do Panamá, amanhã da Argentina, depois da Colômbia, depois da Venezuela, República Dominicana, Equador, e assim por diante, até o México e a Guatemala.
Como ultimamente o Departamento de Justiça dos EUA se comporta como uma agência descobridora de novos casos de corrupção no exterior, é preciso considerar que essa informação poderia ser uma arma devastadora para a região. Pois por nossa culpa, por nossa incapacidade, por falta de vontade e por acreditar que isto nunca iria nos acontecer estamos armando alguém que, pelo menos até hoje, não parece interessado em usar essa munição, mas amanhã, ou à medida que forem avançando as aventuras do presidente do império do Norte, poderia cinzelar a política da América Latina fincando o martelo e o formão na pedra lamacenta da corrupção, e não no mármore das instituições.
A Odebrecht marca um antes e um depois, embora a única coisa obrigatória de reconhecer seja a sua raiz profundamente democrática, porque todos participaram sem ter problema algum nem com os populistas, nem com os conservadores, nem com a esquerda, nem com a direita.
Em síntese, não houve dificuldades com nenhuma tendência política. Por isso, agora, quem está livre da Odebrecht que atire a primeira pedra.
Mais Médicos brasileiros
Aos poucos, o governo está modificando o perfil do programa Mais Médicos. Criado na gestão da presidente Dilma Rousseff, o programa serviu na ocasião como fachada para que o governo petista, enquanto fingia atender às reivindicações por melhores serviços públicos feitas nas grandes manifestações de 2013, ajudasse a financiar a ditadura castrista em Cuba, ao pagar pela vinda de médicos cubanos. Agora, está em andamento a substituição desses médicos cubanos por brasileiros, com o objetivo de reduzir o alcance do tal acordo de “cooperação” com Cuba, que existia apenas para atender aos propósitos políticos do PT.
Segundo o Ministério da Saúde, 62,6% das 18.240 vagas do Mais Médicos são atualmente ocupadas por profissionais cubanos. Os médicos brasileiros formados no Brasil respondem por 29%, enquanto os brasileiros formados no exterior e os estrangeiros não cubanos ocupam 8,4%. O governo pretende substituir 4 mil médicos cubanos por brasileiros nos próximos três anos, reduzindo de 11,4 mil para 7,4 mil médicos a participação cubana e elevando para 7,8 mil (40%) a participação brasileira. No mais recente edital, os brasileiros preencheram 99% dos 1.390 postos ofertados em 642 municípios.
É uma medida salutar. Não se trata de preconceito em relação aos cubanos, como alardeiam os petistas diante das críticas ao predomínio daqueles médicos no programa. Trata-se de retirar do Mais Médicos seu caráter ideológico, que transformou o programa em uma peça de propaganda não apenas da administração petista, mas das maravilhas da “solidariedade socialista” – de que Cuba é, para essa gente, o símbolo mais bem acabado.
Do modo como o programa foi criado, cheio de improvisos, os médicos brasileiros não demonstraram interesse em participar, restando ao governo petista, docemente constrangido, recorrer aos valiosos préstimos da ilha camarada. Estabeleceu-se então um acordo pelo qual o governo cubano envia os médicos para o Brasil e em troca fica com a maior parte do salário do profissional pago pelo governo brasileiro. Não se pode condenar quem veja nessa exótica prática um mero contrato de exportação, em que os médicos são tratados como commodities. Ademais, os médicos que para cá vieram têm de se submeter à vigilância de agentes cubanos para que não ousem dizer o que pensam nem tentem ir além do que lhes é permitido.
Nada disso, é claro, constrangeu Dilma e os marqueteiros petistas, que transformaram essa afronta em peça de propaganda eleitoral. Na campanha em que conseguiu a reeleição, em 2014, Dilma apresentou o Mais Médicos como “uma revolução na área da saúde pública” no País, como se a simples presença de médicos em locais remotos bastasse para considerar superados os profundos problemas desse setor.
O Sistema Único de Saúde (SUS), em crise há muitos anos, foi especialmente negligenciado pelo governo petista, com o fechamento de milhares de leitos e o aprofundamento da defasagem da tabela de procedimentos. Médicos, por melhores e mais numerosos que sejam, não são mágicos e pouco podem fazer se não tiverem equipamentos e hospitais ou postos de saúde adequados para tratar das doenças que diagnosticam. Não é por outro motivo que a área de saúde foi a única capaz de rivalizar com a corrupção entre aquelas que os brasileiros apontavam como as piores do governo de Dilma em seu segundo mandato.
Assim, se deve ser louvada a iniciativa do governo de Michel Temer de mudar o perfil do Mais Médicos, é preciso alertar também para o fato de que, mesmo que venha a ter participação de 100% de brasileiros, o programa continuará a ser o que sempre foi: um mero remendo emergencial. O governo não pode se dar por satisfeito com o envio de profissionais para áreas remotas do País e esperar que, com isso, o colapso da saúde pública seja revertido ou minorado. O Mais Médicos, por mais bem avaliado que seja por quem por ele é atendido, deve ter prazo para acabar, obrigando-se o poder público, em todas as esferas, a encontrar solução definitiva para essa vergonha nacional.
Segundo o Ministério da Saúde, 62,6% das 18.240 vagas do Mais Médicos são atualmente ocupadas por profissionais cubanos. Os médicos brasileiros formados no Brasil respondem por 29%, enquanto os brasileiros formados no exterior e os estrangeiros não cubanos ocupam 8,4%. O governo pretende substituir 4 mil médicos cubanos por brasileiros nos próximos três anos, reduzindo de 11,4 mil para 7,4 mil médicos a participação cubana e elevando para 7,8 mil (40%) a participação brasileira. No mais recente edital, os brasileiros preencheram 99% dos 1.390 postos ofertados em 642 municípios.
É uma medida salutar. Não se trata de preconceito em relação aos cubanos, como alardeiam os petistas diante das críticas ao predomínio daqueles médicos no programa. Trata-se de retirar do Mais Médicos seu caráter ideológico, que transformou o programa em uma peça de propaganda não apenas da administração petista, mas das maravilhas da “solidariedade socialista” – de que Cuba é, para essa gente, o símbolo mais bem acabado.
Do modo como o programa foi criado, cheio de improvisos, os médicos brasileiros não demonstraram interesse em participar, restando ao governo petista, docemente constrangido, recorrer aos valiosos préstimos da ilha camarada. Estabeleceu-se então um acordo pelo qual o governo cubano envia os médicos para o Brasil e em troca fica com a maior parte do salário do profissional pago pelo governo brasileiro. Não se pode condenar quem veja nessa exótica prática um mero contrato de exportação, em que os médicos são tratados como commodities. Ademais, os médicos que para cá vieram têm de se submeter à vigilância de agentes cubanos para que não ousem dizer o que pensam nem tentem ir além do que lhes é permitido.
Nada disso, é claro, constrangeu Dilma e os marqueteiros petistas, que transformaram essa afronta em peça de propaganda eleitoral. Na campanha em que conseguiu a reeleição, em 2014, Dilma apresentou o Mais Médicos como “uma revolução na área da saúde pública” no País, como se a simples presença de médicos em locais remotos bastasse para considerar superados os profundos problemas desse setor.
O Sistema Único de Saúde (SUS), em crise há muitos anos, foi especialmente negligenciado pelo governo petista, com o fechamento de milhares de leitos e o aprofundamento da defasagem da tabela de procedimentos. Médicos, por melhores e mais numerosos que sejam, não são mágicos e pouco podem fazer se não tiverem equipamentos e hospitais ou postos de saúde adequados para tratar das doenças que diagnosticam. Não é por outro motivo que a área de saúde foi a única capaz de rivalizar com a corrupção entre aquelas que os brasileiros apontavam como as piores do governo de Dilma em seu segundo mandato.
Assim, se deve ser louvada a iniciativa do governo de Michel Temer de mudar o perfil do Mais Médicos, é preciso alertar também para o fato de que, mesmo que venha a ter participação de 100% de brasileiros, o programa continuará a ser o que sempre foi: um mero remendo emergencial. O governo não pode se dar por satisfeito com o envio de profissionais para áreas remotas do País e esperar que, com isso, o colapso da saúde pública seja revertido ou minorado. O Mais Médicos, por mais bem avaliado que seja por quem por ele é atendido, deve ter prazo para acabar, obrigando-se o poder público, em todas as esferas, a encontrar solução definitiva para essa vergonha nacional.
O adeus aos fatos e o totalitarismo
Com seus disparates absurdos, Donald Trump virou um símbolo mundial da mentira na política, do desprezo pelos fatos, da infâmia contra jornalistas. Ele não inventou nada disso – a mentira na política é tão antiga quanto a própria política. Mas ele levou mais longe o descompromisso com a verdade e subiu o tom da agressividade contra a imprensa.
Numa escalada ensandecida, resolveu declarar guerra aberta contra a imprensa. Em visita à sede da CIA, logo depois de tomar posse, o presidente da maior potência militar do planeta lançou uma ofensa inaceitável: “Estou 1.000% com vocês. E a razão de vocês serem minha primeira opção é que, como vocês sabem, eu tenho uma guerra em curso com a mídia. Eles estão entre as pessoas mais desonestas da Terra”. Ao usar a palavra “mídia”, Trump se refere à imprensa, às redações independentes e às publicações que investigam os fatos e criticam o poder.
Trump dá todos os sinais de não suportar que alguém verifique se o que ele está dizendo é verdade ou mentira. Ele não lida bem com os princípios mais elementares da instituição da imprensa. Diante da simples ideia de que alguém conteste suas afirmações peremptórias, explode numa ira sem limites. Com a mesma virulência com que segrega os estranhos (e manda erguer um muro na fronteira com o México) e defende a tortura de prisioneiros, ele fustiga em voz alta repórteres e editores. Para Trump, os americanos patriotas são aqueles que acreditam nele, somente nele, e não fazem perguntas. Em sua indústria da mistificação, conta com o auxílio cego de assessores inacreditáveis, dedicados a torcer os fatos em favor do chefe.
Um exemplo disso acaba de acontecer. Como diversas reportagens mostraram que o número de apoiadores presentes à posse de Trump não foi assim tão grande como ele pretendia, sua conselheira Kellyanne Conway declarou (no programa Meet the press, da rede NBC) que a Casa Branca se baseava em “fatos alternativos” para contestar o que a imprensa publicou. Quer dizer: se os fatos não correspondem aos desejos da vaidade presidencial, que se mudem os fatos. Oficialmente. Se os fatos desmentem o poder, que se declarem existentes os “fatos alternativos”.
Diante do despautério, muita gente nas redes sociais se lembra do livro 1984, do escritor e jornalista inglês George Orwell (1903-1950). Em sua obra-prima, Orwell apresenta um regime tirânico que reescreve o passado, altera as fotografias e falsifica os arquivos históricos apenas para dar coerência ao discurso oficial. Para alguns, não poucos, o nível das mistificações promovidas por Donald Trump e sua corte faz lembrar a distopia de George Orwell.
Ninguém mais nega que o quadro político nos Estados Unidos inspira preocupação. Se Trump odeia os jornalistas como diz que odeia, se está em guerra contra a imprensa como diz que está, o “bullying estatal” contra as redações independentes pode se acentuar. Nesse caso, algumas das bases mais essenciais da democracia americana estariam sob ameaça. Uma palavra pronunciada pelo presidente americano é um fato político da mais alta relevância em si mesmo. Se ele diz que a imprensa abriga “as pessoas mais desonestas da Terra”, isso é um fato que trará consequências políticas.
Além de George Orwell, outra personalidade que vem sendo lembrada neste momento grave da democracia americana e das relações internacionais é a filósofa política alemã Hannah
Arendt (1906-1995), que escreveu sobre o totalitarismo. De origem judia, Hannah Arendt refletiu com uma clareza cortante sobre o nazismo e mostrou que os regimes totalitários são aqueles em que cada cidadão se converte num agente a serviço da segurança do Estado. O totalitarismo, portanto, é um autoritarismo elevado a uma potência superior. Arendt também mostrou, como ninguém, que tanto no autoritarismo como no totalitarismo a mentira política é peça indispensável para as técnicas de dominação. Se um líder mente de maneira contumaz e abre fogo contra quem verifica os fatos, está flertando com fantasias totalitárias.
Arendt conheceu bem a cultura política americana. Ao fugir do nazismo, ela se mudou para os Estados Unidos, obteve a cidadania americana em 1951 e morou em Nova York até morrer, em 1975. Num de seus ensaios, Verdade e política, ela demonstra que a política precisa ter base nos fatos. “Fatos e eventos”, diz Hannah Arendt, “constituem a verdadeira textura do domínio político.” Ela não fala das verdades metafísicas ou espirituais, mas apenas da verdade dos fatos, a simples verdade factual. Essa deve ser a base da política. Quando se desvincula dos fatos, a política vira outra coisa: fanatismo. Aí, as pessoas já não ligam para os fatos. Guiam-se apenas pelas convicções e pelas crenças impostas pelo tirano de plantão. E do fanatismo para o totalitarismo, a distância é muito curta.
Hannah Arendt não supõe que os políticos sejam seres angelicais. Os governantes mentem, às vezes até com boas intenções. Já na Grécia Antiga, Platão, um filósofo que abominava os mentirosos, não deixou de admitir que a mentira faz parte da política: “Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da própria cidade”. Mas nem Platão, nem Hannah Arendt, nem ninguém com um mínimo de juízo imagina que, na democracia, a atividade política possa abrir mão dos fatos. Qual o tamanho da dívida pública? Quantos trabalhadores não têm emprego? Quantos leitos hospitalares faltam no país? Essas perguntas só podem ser respondidas por fatos. Se os fatos são desprezados, toda a racionalidade do sistema democrático se perde.
É por isso que a imprensa é indispensável. Uma de suas funções precípuas é a verificação diária dos fatos. Sem imprensa livre, como a sociedade vai ter parâmetros para saber se o poder está mentindo ou dizendo a verdade? O que sabemos até agora é que Trump não gosta de imprensa. Não gosta porque não quer que ninguém conteste suas verdades prontas e absolutas. Ele xinga jornalistas e se declara em guerra contra a imprensa. Esse negócio não vai dar certo.
Numa escalada ensandecida, resolveu declarar guerra aberta contra a imprensa. Em visita à sede da CIA, logo depois de tomar posse, o presidente da maior potência militar do planeta lançou uma ofensa inaceitável: “Estou 1.000% com vocês. E a razão de vocês serem minha primeira opção é que, como vocês sabem, eu tenho uma guerra em curso com a mídia. Eles estão entre as pessoas mais desonestas da Terra”. Ao usar a palavra “mídia”, Trump se refere à imprensa, às redações independentes e às publicações que investigam os fatos e criticam o poder.
Um exemplo disso acaba de acontecer. Como diversas reportagens mostraram que o número de apoiadores presentes à posse de Trump não foi assim tão grande como ele pretendia, sua conselheira Kellyanne Conway declarou (no programa Meet the press, da rede NBC) que a Casa Branca se baseava em “fatos alternativos” para contestar o que a imprensa publicou. Quer dizer: se os fatos não correspondem aos desejos da vaidade presidencial, que se mudem os fatos. Oficialmente. Se os fatos desmentem o poder, que se declarem existentes os “fatos alternativos”.
Diante do despautério, muita gente nas redes sociais se lembra do livro 1984, do escritor e jornalista inglês George Orwell (1903-1950). Em sua obra-prima, Orwell apresenta um regime tirânico que reescreve o passado, altera as fotografias e falsifica os arquivos históricos apenas para dar coerência ao discurso oficial. Para alguns, não poucos, o nível das mistificações promovidas por Donald Trump e sua corte faz lembrar a distopia de George Orwell.
Ninguém mais nega que o quadro político nos Estados Unidos inspira preocupação. Se Trump odeia os jornalistas como diz que odeia, se está em guerra contra a imprensa como diz que está, o “bullying estatal” contra as redações independentes pode se acentuar. Nesse caso, algumas das bases mais essenciais da democracia americana estariam sob ameaça. Uma palavra pronunciada pelo presidente americano é um fato político da mais alta relevância em si mesmo. Se ele diz que a imprensa abriga “as pessoas mais desonestas da Terra”, isso é um fato que trará consequências políticas.
Além de George Orwell, outra personalidade que vem sendo lembrada neste momento grave da democracia americana e das relações internacionais é a filósofa política alemã Hannah
Arendt (1906-1995), que escreveu sobre o totalitarismo. De origem judia, Hannah Arendt refletiu com uma clareza cortante sobre o nazismo e mostrou que os regimes totalitários são aqueles em que cada cidadão se converte num agente a serviço da segurança do Estado. O totalitarismo, portanto, é um autoritarismo elevado a uma potência superior. Arendt também mostrou, como ninguém, que tanto no autoritarismo como no totalitarismo a mentira política é peça indispensável para as técnicas de dominação. Se um líder mente de maneira contumaz e abre fogo contra quem verifica os fatos, está flertando com fantasias totalitárias.
Arendt conheceu bem a cultura política americana. Ao fugir do nazismo, ela se mudou para os Estados Unidos, obteve a cidadania americana em 1951 e morou em Nova York até morrer, em 1975. Num de seus ensaios, Verdade e política, ela demonstra que a política precisa ter base nos fatos. “Fatos e eventos”, diz Hannah Arendt, “constituem a verdadeira textura do domínio político.” Ela não fala das verdades metafísicas ou espirituais, mas apenas da verdade dos fatos, a simples verdade factual. Essa deve ser a base da política. Quando se desvincula dos fatos, a política vira outra coisa: fanatismo. Aí, as pessoas já não ligam para os fatos. Guiam-se apenas pelas convicções e pelas crenças impostas pelo tirano de plantão. E do fanatismo para o totalitarismo, a distância é muito curta.
Hannah Arendt não supõe que os políticos sejam seres angelicais. Os governantes mentem, às vezes até com boas intenções. Já na Grécia Antiga, Platão, um filósofo que abominava os mentirosos, não deixou de admitir que a mentira faz parte da política: “Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da própria cidade”. Mas nem Platão, nem Hannah Arendt, nem ninguém com um mínimo de juízo imagina que, na democracia, a atividade política possa abrir mão dos fatos. Qual o tamanho da dívida pública? Quantos trabalhadores não têm emprego? Quantos leitos hospitalares faltam no país? Essas perguntas só podem ser respondidas por fatos. Se os fatos são desprezados, toda a racionalidade do sistema democrático se perde.
É por isso que a imprensa é indispensável. Uma de suas funções precípuas é a verificação diária dos fatos. Sem imprensa livre, como a sociedade vai ter parâmetros para saber se o poder está mentindo ou dizendo a verdade? O que sabemos até agora é que Trump não gosta de imprensa. Não gosta porque não quer que ninguém conteste suas verdades prontas e absolutas. Ele xinga jornalistas e se declara em guerra contra a imprensa. Esse negócio não vai dar certo.
Estado de calamidade
I
Quebrou-se a banca de Tota,
Mulher de João Ventania.
Mesmo esticando a jornada,
Nem um terço ela vendia
Do que fornecia antes
Por falta de freguesia.
II
Mestre João de Alvelino
Também fechou sua bodega.
Fez um ano que não via
Um caminhão de entrega.
Com o caderno do fiado,
Não aguentou a refrega.
III
João Tranguelo se mandou,
Valdeci pediu clemência,
Zé Galego enlouqueceu
Na Feira da Providência;
Meu tio Zé da Cocada
Logo decretou falência.
IV
Raminho de Seu Jobilino
Correu pra se aposentar
Depois que viu Michel Temer
Uma reforma enviar:
- Daqui que eu faça 100 anos
O mundo vai se acabar!
V
Compadre Zé de Vigó
Anda meio jururu
Com o salário atrasado.
Na Serra do Mulungu,
Sugeriu que o prefeito
Pagasse o soldo em Pitu.
VI
Mané Gato trabalhava
Fazendo a transposição,
Não recebe há mais de ano
E nem paga prestação,
Anda nu com uma colher
De pedreiro pela mão.
VII
Chimba marcou um encontro
Com seu irmão Pão Com Ovo,
Bem no Beco de Luizim,
Perto do Bar de Zé de Novo,
Para fazer um levante
E subverter o povo.
VIII
- Se a prefeitura não paga
E a crise está danada -
Disse Zezito Pustema,
Coçando a perna estragada -
Declaramos moratória,
Nós não vamos pagar nada!
IX
Sete Couros sugeriu
Matar um capitalista,
Porque o filho de Gino
Não quis ser seu avalista -
Disse, brandindo uma ficha
Do Partido Comunista.
X
E foi assim que morreu
O sonho de uma cidade:
Ordas de desesperados,
Com tanta infelicidade,
E o decreto do roubo
Se chama CALAMIDADE!
Quebrou-se a banca de Tota,
Mulher de João Ventania.
Mesmo esticando a jornada,
Nem um terço ela vendia
Do que fornecia antes
Por falta de freguesia.
II
Mestre João de Alvelino
Também fechou sua bodega.
Fez um ano que não via
Um caminhão de entrega.
Com o caderno do fiado,
Não aguentou a refrega.
III
João Tranguelo se mandou,
Valdeci pediu clemência,
Zé Galego enlouqueceu
Na Feira da Providência;
Meu tio Zé da Cocada
Logo decretou falência.
IV
Raminho de Seu Jobilino
Correu pra se aposentar
Depois que viu Michel Temer
Uma reforma enviar:
- Daqui que eu faça 100 anos
O mundo vai se acabar!
V
Compadre Zé de Vigó
Anda meio jururu
Com o salário atrasado.
Na Serra do Mulungu,
Sugeriu que o prefeito
Pagasse o soldo em Pitu.
VI
Mané Gato trabalhava
Fazendo a transposição,
Não recebe há mais de ano
E nem paga prestação,
Anda nu com uma colher
De pedreiro pela mão.
VII
Chimba marcou um encontro
Com seu irmão Pão Com Ovo,
Bem no Beco de Luizim,
Perto do Bar de Zé de Novo,
Para fazer um levante
E subverter o povo.
VIII
- Se a prefeitura não paga
E a crise está danada -
Disse Zezito Pustema,
Coçando a perna estragada -
Declaramos moratória,
Nós não vamos pagar nada!
IX
Sete Couros sugeriu
Matar um capitalista,
Porque o filho de Gino
Não quis ser seu avalista -
Disse, brandindo uma ficha
Do Partido Comunista.
X
E foi assim que morreu
O sonho de uma cidade:
Ordas de desesperados,
Com tanta infelicidade,
E o decreto do roubo
Se chama CALAMIDADE!
A noite em que escapei de pagar a cont do jantar com Eike
Em 30 de agosto de 2010, durante a entrevista de Eike Batista ao Roda Viva, a apresentadora Marília Gabriela quis saber onde o entrevistado guardava a montanha de dinheiro que há dois anos lhe vinha garantindo uma vaga no ranking da revista Forbes que agrupa os mais ricos do planeta. “Todos os meus recursos estão todos aplicados”, enfatizou o magnata que nunca tinha no bolso alguns trocados para o garçom ou para o flanelinha. “Você tem alguma coisa guardada?”, entrei na conversa. “Nãããooo”, enfatizou o entrevistado. “Meus recursos estão todos aplicados em meus projetos…”
Subitamente confuso, estacionou nas reticências, procurou em vão o fio da meada e soltou a frase sem nexo: “Por acaso, eu durmo bem”. Feita a ressalva amalucada, retomou o palavrório: “Mas esses meus projetos… quer dizer… projetos bem ‘engenheirados’ pagam todas as contas.” Aproveitei a pausa para dirimir a dúvida que me assaltara desde que conheci Eike Batista: “Quer dizer que se a gente sair para jantar eu pago a conta?”. Ele fugiu da resposta com um convite: “Vem comigo”. Ainda bem que não fui, disse-me no dia seguinte um amigo que sabe das coisas e conhecia muito bem o personagem: “Você não só pagaria a conta como, antes da sobremesa, compraria um lote de títulos de empresas que nunca existirão”.
Naqueles tempos delirantes, com o país anestesiado pelos farsantes no poder, Eike festejava fortunas imaginárias, Lula comemorava o colosso de petróleo que nunca saiu do fundo do Atlântico, Sérgio Cabral erradicara a violência nos morros e cuidava dos últimos retoques num Rio que lembrava Pasárgada com praia e teleférico de favela. Hoje está claro que o maior dos governantes desde Tomé de Souza, o megaempresário de matar de inveja banqueiro alemão de antigamente e o reinventor do Rio Maravilha eram apenas três vigaristas. Três corruptos sem vestígios de vergonha na cara. Três incapazes capazes de tudo.
Cabral e Eike já mofam na cadeia. O que a dupla tem a dizer vai apressar a remontagem da trinca que deve ser qualificada pelo que sempre foi: um repulsivo caso de polícia.
Naqueles tempos delirantes, com o país anestesiado pelos farsantes no poder, Eike festejava fortunas imaginárias, Lula comemorava o colosso de petróleo que nunca saiu do fundo do Atlântico, Sérgio Cabral erradicara a violência nos morros e cuidava dos últimos retoques num Rio que lembrava Pasárgada com praia e teleférico de favela. Hoje está claro que o maior dos governantes desde Tomé de Souza, o megaempresário de matar de inveja banqueiro alemão de antigamente e o reinventor do Rio Maravilha eram apenas três vigaristas. Três corruptos sem vestígios de vergonha na cara. Três incapazes capazes de tudo.
Cabral e Eike já mofam na cadeia. O que a dupla tem a dizer vai apressar a remontagem da trinca que deve ser qualificada pelo que sempre foi: um repulsivo caso de polícia.
'Arrecua os arfe para evitar a catastre'
Neném Prancha sabia tudo do mundo do futebol e foi autor de frases memoráveis, mas algumas ele nunca as pronunciou. Elas se tornaram lendárias depois que lhe foram atribuídas por João Saldanha e Armando Nogueira.
Eis amostra grátis. “Pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube”. “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia uma partida”. “Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem defende”. “Se macumba resolvesse, o campeonato baiano terminava sempre empatado”. “O importante é o principal, o resto é secundário”.
Talvez a frase de Neném Prancha de que mais precisemos atualmente seja esta: “ Arrecua os arfe para evitar a catastre”. E por quê? Por que no Brasil dos últimos anos esquecemos o óbvio, ainda que ele uive e grite como o “óbvio ululante” de Nelson Rodrigues.
Reza a lenda que “O importante é o principal, o resto é secundário” e “Arrecua os arfe para evitar a catastre” foram pronunciadas num jogo em que Neném Prancha, dirigindo um time de presidiários, já perdia de três a zero aos dez minutos. Reconhecendo a superioridade do adversário, a estratégia do técnico deu certo e ele evitou uma goleada maior. O importante, diante daquele time, era perder de pouco.
Na Copa de 2014, quase quarenta anos depois da morte do famoso frasista, o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, ignorando o conselho de Neném Prancha, dirigia a seleção brasileira na famosa derrota de sete a um para a Alemanha. Os alemães fizeram quatro gols em seis minutos e no final do primeiro tempo o Brasil já perdia de cinco a zero. Laterais e zagueiros não foram recuados e a catástrofe não foi evitada.
Na política, o nome dos que ignoram os conselhos de Neném Prancha é Legião, um dos codinomes do Diabo. Eles são uma multidão ainda maior do que as milícias do Outro, como reconheceu o poeta parnasiano Olavo Bilac numa de suas conferências: “As milícias de Belzebu compõem-se, segundo os mais rigorosos demonologistas, de 6 666 legiões, cada uma formada de 6 666 demônios”.
Por que são tantos? Um empresário de circo, o americano Phineas Taylor Barnum, deu ainda no século XIX duas respostas certeiras: “Nasce um otário por minuto” e “Nada atrai mais a multidão do que outra multidão”.
O presidente Michel Temer poderia pensar um pouco sobre o que disseram o filósofo Neném Prancha e o empresário Taylor Barnum.
Eis amostra grátis. “Pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube”. “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia uma partida”. “Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca; quem não tem defende”. “Se macumba resolvesse, o campeonato baiano terminava sempre empatado”. “O importante é o principal, o resto é secundário”.
Talvez a frase de Neném Prancha de que mais precisemos atualmente seja esta: “ Arrecua os arfe para evitar a catastre”. E por quê? Por que no Brasil dos últimos anos esquecemos o óbvio, ainda que ele uive e grite como o “óbvio ululante” de Nelson Rodrigues.
Seu nome era Antonio Franco de Oliveira. Aos onze anos, o menino da cidade fluminense de Resende trocou a cidade natal pelo Rio, onde morreu em 1976, aos 70 anos. Seu apelido era Neném Prancha por ter, ainda em criança, pés e mãos enormes. Como vivia quase sempre de chinelos e falava gesticulando muito, o apelido veio a calhar: plantado sobre duas pranchas, falava abanando mais duas.
Reza a lenda que “O importante é o principal, o resto é secundário” e “Arrecua os arfe para evitar a catastre” foram pronunciadas num jogo em que Neném Prancha, dirigindo um time de presidiários, já perdia de três a zero aos dez minutos. Reconhecendo a superioridade do adversário, a estratégia do técnico deu certo e ele evitou uma goleada maior. O importante, diante daquele time, era perder de pouco.
Na Copa de 2014, quase quarenta anos depois da morte do famoso frasista, o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, ignorando o conselho de Neném Prancha, dirigia a seleção brasileira na famosa derrota de sete a um para a Alemanha. Os alemães fizeram quatro gols em seis minutos e no final do primeiro tempo o Brasil já perdia de cinco a zero. Laterais e zagueiros não foram recuados e a catástrofe não foi evitada.
Na política, o nome dos que ignoram os conselhos de Neném Prancha é Legião, um dos codinomes do Diabo. Eles são uma multidão ainda maior do que as milícias do Outro, como reconheceu o poeta parnasiano Olavo Bilac numa de suas conferências: “As milícias de Belzebu compõem-se, segundo os mais rigorosos demonologistas, de 6 666 legiões, cada uma formada de 6 666 demônios”.
Por que são tantos? Um empresário de circo, o americano Phineas Taylor Barnum, deu ainda no século XIX duas respostas certeiras: “Nasce um otário por minuto” e “Nada atrai mais a multidão do que outra multidão”.
O presidente Michel Temer poderia pensar um pouco sobre o que disseram o filósofo Neném Prancha e o empresário Taylor Barnum.
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