No luto, é o mundo que fica pobre e vazio; na melancolia, é o próprio sujeito. O luto, aos poucos, termina, tudo volta ao normal. Mas na melancolia nunca se acaba a dor. No melancólico se apresenta uma coisa que não aparece no luto: a perda da autoestima, um enorme empobrecimento de si mesmo.
O Brasil é uma região interna de nós mesmos, o país está dentro de nossas cabeças.
E na história sempre perdemos algo, sempre estivemos aquém de nosso orgulho, de uma satisfação profunda com a nacionalidade, apesar dos discursos patrióticos dos donos do poder há cinco séculos.
O Brasil sempre foi um país melancólico, pois nunca alcançou o que cantam os hinos: “várzeas de flores”, “liberdade” e “pátria amada”.
Perdemos o Brasil há muito tempo. De certo modo, já nascemos perdidos. Os séculos de patrimonialismo que nos legou Portugal, tirando da sociedade a autonomia sobre si mesma, transformou-a em uma população de impotentes e criou uma massa amorfa e sem ânimo – melancólica.
Não falo do sentimento de tristeza de três raças, como no esquematismo de Paulo Prado em “Retrato do Brasil”, mas ele está certo quando afirma que esse era um ambiente perfeito para se desenvolver um mal degenerativo: o romantismo.
Surgiu a mãe-pátria. O país nascia sob a invocação de belas palavras apaixonadas e irracionais. O romantismo no Brasil “tudo avassalou: política, literatura, artes, viver cotidiano, modos de sentir, afeições”.
Das raízes do patrimonialismo, no qual o Estado é o “patrimônio” de poderes privados, vieram nossos vícios, nossa personalidade. Sempre houve um sentimento de falta na vida brasileira, sempre uma depressão básica no fundo da garrafa. Sempre houve uma luta surda entre atraso e modernização. E o atraso sempre venceu: a endêmica corrupção, o clientelismo permanente, a burocracia, o desprezo pela educação, o salvacionismo pelas ditaduras e pelas oligarquias, o aventureirismo em vez do trabalho, como coisa menor para negros.
Outro vício famoso é a “fracassomania”. Como uma compensação para a impotência, passamos a valorizar o fracasso como uma qualidade nobre. Os bons fracassam, e os maus vencem. O fracasso passou a ser nosso mantra, puxando lamentos como “a vaca foi para o brejo” ou “estamos à beira do abismo”. Sempre estivemos à beira do abismo. Sempre sofremos do complexo de vira-latas. Sempre. E nossa melancolia é secular. O país se voltou contra nossas cabeças, e viramos um povo de deprimidos e insatisfeitos. Nunca fomos o paraíso anunciado e nos enganamos com nossas palmeiras e nossos Carnavais – (apud C. Diegues).
E a modernização? O visgo do atraso puxou para baixo qualquer tentativa de avanços democráticos que ameaçam os privilégios dos donos do poder. Nosso atraso não foi um acidente – o atraso é um desejo. É muito mais fácil lidar com um Estado dominado do que com a sociedade autodeterminada.
O progresso sempre veio, ou por acaso, ou por causas externas.
Agora, com a globalização do capitalismo e a espantosa revolução digital, estamos sendo forçados a uma recalcitrante modernização. Tudo continua uma merda, mas somos agora “bárbaros tecnizados” (Oswald).
Contudo, estamos mais “alertas” e estamos vivendo um salto qualitativo em nossa mediocridade política e institucional. Mais do que crise, talvez seja uma “mutação”.
A depressão econômica criou a depressão interna. Vemos que uma perene alegria pode ser uma forma de paralisia. Estamos pela primeira vez tendo de lidar com nossa vil tristeza.
O Brasil evolui pelo que perde, e não pelo que ganha. Sempre houve no país uma desmontagem contínua de ilusões históricas. Este é nosso torto processo: com as ilusões perdidas, com a história em marcha à ré, estranhamente, andamos para a frente. O Brasil se descobre por subtração, não por soma.
Mas talvez esse passo atrás nos ajude a seguir em frente. A bruta desgraça está ficando visível, e talvez a melancolia esteja dando lugar a uma indignação, nova em nossa consciência.
Mas a indignação não pode ser genérica, abstrata, “contra tudo isso que está aí”.
A sociedade tem de agir concretamente, a sociedade tem de virar um grande partido político de todos, porque estamos muito mal representados pelos remanescentes da tradição medieval que nos criou.
Por exemplo, a carta da Procuradoria Geral da República (nosso único motivo de orgulho) quer colher um 1,5 milhão de assinaturas na sociedade, que é chamada a conclamar o Congresso a promover as alterações estruturais e sistêmicas necessárias para reprimir a corrupção fortemente. Isso é concreto, isso é lutar contra o totalitarismo da mentira e da incompetência programada pelos donos do poder. O atual lulo-bolivarianismo quer nos proibir a depressão, quer nos programar para uma alegria tosca, com benesses populistas que arrasaram o país. Está ficando impossível deter a marcha do óbvio. Principalmente agora, que a barra está pesando. Estamos vivendo uma “nova matriz psicológica”. Barbárie tecnizada.
Mas pode ser que a depressão tenha grande importância para a sabedoria; sem desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. Estamos bem menos “alienados”. E, por mais que se destruam as instituições, as conquistas da democracia não vão sumir, por conta da maior complexidade da economia e da política que a abertura permitiu. Estamos mais desiludidos, porém mais sábios.
A melancolia, mesmo sendo uma doença, é um convite auspicioso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. Com essa crise esclarecedora, talvez possamos sair da melancolia e finalmente fazer um luto. E o Brasil melhorar.
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