Muda-se o nome, com marquetagem anglicista (fala-se digitéx ou digitáx?), mantém-se o conteúdo: não passa do velho e famigerado imposto do cheque.
O ministro Paulo Guedes sabe desde sempre e Bolsonaro também – que não existe espaço no orçamento para criar despesas. Mal, mal, será possível fechar os próximos anos com déficits administráveis. Os planos A, B e C para aumentar o número de beneficiados e o valor do Bolsa Família e com isso reduzir o impacto do fim do auxílio emergencial sempre foram o imposto sobre transações financeiras, agora com a pegada pseudo-moderninha de operações digitais.
Como as resistências a esse tipo de imposto são gigantescas, o que se fez foi enfiar chifrudíssimos bodes na sala, permitir que o presidente os afugentasse e, por fim, apresentar uma proposta que possa parecer mais amena.
Em meados de agosto, um estudo da equipe econômica dava conta de que o Renda Brasil poderia ser financiado com o fim do abono salarial, do salário-família, do seguro-defeso e da farmácia popular. Era previsível a grita contrária por se tratar de programas sociais de peso. Bolsonaro escolheu um evento em Minas, com as ensaiadas aglomerações, para defender os paupérrimos e suspender qualquer debate sobre o tema.
No dia 15 de setembro, novamente travestido de defensor dos pobres, voltou a rechaçar a área técnica do Ministério da Economia que, malvada, propunha congelar aposentadorias, benefícios de idosos e de deficientes. “Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra (sic) Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”, assegurou.
O apalavrado, como de resto tudo que Bolsonaro diz, não durou um único dia. Em menos de 24 horas seus fiéis no Congresso já trabalhavam em uma proposta “alternativa”, e Guedes aparecia com o Digitax. Difícil crer que tudo não passou de jogo combinado.
Como deputado, Bolsonaro sempre execrou a CPMF. Taxou-a de “proposta insana”, que só beneficiava o andar de cima da sociedade. “Com toda certeza a agiotagem passou a noite ‘bebemorando’ essa desgraça aprovada por esta Casa”, disse em 1999, diante da renovação da contribuição pelo Congresso.
Chegou a sugerir, em 2003, que fosse feita uma pesquisa para confirmar a impopularidade do imposto “no mínimo mostrará que 90% são favoráveis ao fim da CPMF”. E voltou a rechaçar a cobrança em 2015, quando o então ministro Joaquim Levy pensou em recriá-la.
Agora, suas críticas são só da boca para fora. Está claríssimo que é zero a sua disposição de abrir mão da aprovação popular conquistada velozmente com o auxílio emergencial, que já teve de ser diminuído pela metade neste mês e acaba em dezembro.
Costumeiro em se fazer de vítima – e com sucesso -, Bolsonaro não deve se tornar um defensor da Digitax. Dirá que não queria o imposto, que resistiu o quanto pode. Mas que era a única saída para auxiliar os desassistidos, desonerar a folha de pagamentos, gerar emprego, fazer o Brasil crescer e blá-blá-blá.
Por óbvio, esconderá que o imposto linear é uma alternativa preguiçosa e rentabilíssima. Cruel com os mais pobres, que entram na roda com a mesma alíquota dos que têm regalias bancárias, não raro, atrativos pacotes de isenção.
Sob a falácia de proteger os necessitados, incluirá na conta desempregados, informais, pobres e paupérrimos, estimulados pelo próprio governo a aderir à economia digital para receber benefícios, portanto, sujeitos à taxação.
“É um imposto regressivo, cumulativo, inflacionário e mais uma carga para os nossos equipamentos produtivos, para o bolso dos trabalhadores e do nosso povo”. Assim disse Bolsonaro, quando se opunha ao governo da vez. Argumentos 100% válidos.
Acertou lá para errar aqui. Pelos mesmos motivos: seus interesses eleitorais, seu umbigo.
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