Só pode ser algum outro vírus, ainda sem nome, mas alguma coisa da ordem muito sanitária acontece no corredor dos bacanas que vai do Leblon até o Gero, no Jardim Paulista. Os ricos brasileiros estão dando um show de vergonha alheia. Perderam a noção. Meia dúzia deles tirou o fim de semana – nem aí se morrem 800 pessoas por dia no país do coronavírus - e foi às esquinas grifadas armar barraco. Dessa vez, não esculacharam os mais humildes. Estão brigando com eles mesmos.
Na primeira cena desse festival de despropósitos, com todos os endinheirados vestidos pela arrogância da deseducação, aparece um carro conversível de luxo trafegando pela noite da Rua Dias Ferreira. Em seu banco traseiro vão duas mulheres aplicadas em mostrar os atributos que sensualmente escapam de seus minúsculos biquínis.
Parece filmagem para alguma atualização da “Doce Vida”, o filme de Fellini sobre a liberalidade de costumes entre os grã-finos romanos na década de 1950, e o cenário é a mais do que apropriada passarela da juventude rica e moderna da Zona Sul do Rio. Vale tudo e tudo custa muito caro. As duas mulheres cariocas no cocuruto do conversível beijam-se, abraçam-se, parecem vibrar a chegada da liberdade pós-pandemia. Ninguém é de ninguém. Registradas pelas câmeras dos celulares ao redor, elas performam o sonho maior da civilização Instagram – “causam”.
Sentada na mesa de calçada de um restaurante japonês, uma arquiteta acompanhada de duas crianças não gosta da cena e, como um hater da internet, faz ali mesmo, ao vivo, o cancelamento do que viu. Ao invés do block, ou do dedinho apontado para baixo, a arquiteta, que no dia seguinte explicaria tudo em sua conta no Instagram (“parecia um pornô”), faz sua lacração jogando garrafas de água (“para apagar o fogo”) nas moças.
A partir daí, o falso Fellini vira uma verdadeira chanchada da Atlântida. A moça atingida, uma empresária de cosméticos, desce do carro, dá um soco na arquiteta e, desfilando na frente de todo o calçadão do Leblon a firmeza de seu corpo musculosamente espetacular, volta para o carro. Um outro “hater” arranca-lhe a parte de cima do biquíni, e aí o conversível sai em disparada cinematográfica. Ao fundo, vindo de sushis e sashimis, sobem os gritos de “piranha!”.
Em São Paulo, o escarcéu que exibiu como vai mal, como rima pobre a elite nacional, teve no lugar do biquíni uma peça de roupa que é a mais completa tradução dos patrões locais – o pulôver de cashmere amarrado no pescoço.
Um médico, ao ter o atendimento recusado no restaurante Gero (a cozinha estava fechada), gritou palavrões, disse que ia ligar para “o meu delegado” e que tinha “educação europeia”. Chamou para a porrada seus pares grã-finos, todos tentando acalmá-lo com argumentos classistas (“o meu delegado é da federal”, disse um, “eu também tenho berço”, obtemperou outro).
As mulheres no salão deixaram de lado o estilo fino de milhares de dólares investidos nos saltos altos, nos decotes abissais e penteados para a noite que se pretendia chique. Em uníssono, descontroladas, gritaram “no-jen-to! no-jen-to!”. Registre-se que, mesmo em meio a todo esse bafafá, o cidadão manteve, impávido e colosso, o icônico pulôver dos ricos paulistas ao redor do pescoço. Se fosse um filme - “Como é tosca a elite brasileira” seria bom título - a produção ficaria a cargo da gloriosamente paulista e pornochanchadeira Boca do Lixo.
Desnecessário dizer, por fim, que todos os personagens acima estavam sem máscara. Nossos ricos não distribuem dinheiro – vírus, sim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário