sexta-feira, 15 de maio de 2020

Cai ou vira pato manco?

Jair Bolsonaro parece estar chegando àquele ponto de não retorno da trajetória em que alguns presidentes ou caem e ou viram patos-mancos. Claro, há governantes — ainda bem — que não passam por isso. Mas o presidencialismo à brasileira vive hoje uma espécie de maldição depois de ter expelido do cargo, sob o pretexto da prática de “pedaladas fiscais”, uma presidente da República porque o establishment queria vê-la pelas costas. De lá para cá, mudou a altura do sarrafo no Planalto — e os que foram beneficiários do processo também correm o risco de queda.

Há dúvidas em torno do que fará o procurador geral da República, Augusto Aras, em relação às acusações de Sergio Moro contra Bolsonaro de interferência na Polícia Federal. O vazamento de trechos do vídeo da reunião ministerial em que o presidente fala da proteção aos filhos fez subir a temperatura de tal forma que Aras terá que encontrar uma boa desculpa para arquivar o inquérito. Mas, segundo observadores, pode sair pela tangente, talvez alegando não ter encontrado elementos concretos de crime comum, mas apenas de crimes de responsabilidade, uma questão do Congresso.

Se incluído no conjunto da obra de Bolsonaro, que contempla investigações por envolvimento na disseminação de fakenews e participação em manifestações antidemocráticas, esse caso é mais do que suficiente para deflagrar um julgamento político no Legislativo. Assim como a hipotética denúncia de Aras por crime comum, o processo por crime de responsabilidade teria que ser autorizado por dois terços da Câmara — só que, em vez de ter lugar no STF, o julgamento seria feito pelo Senado, como ocorreu com Fernando Collor e com Dilma Rousseff.



Dilma caiu porque não teve 172 votos na Câmara para barrar o impeachment, diferentemente de Michel Temer, que derrotou duas denúncias por corrução apresentadas pela então PGR, Raquel Dodge. É o que Bolsonaro quer repetir — única razão pela qual se dobrou ao Centrão e passou a distribuir cargos. Pode ser que sim, pode ser que não, dada a volubilidade do grupo nessas horas, quando costuma dar preferência ao poder futuro em relação ao passado. Vai depender da negociação com Hamilton Mourão.

Mas é fato que, a partir de agora, em meio ao drama da pandemia que mata milhares e arrasta o país para a recessão, o sistema político entrou definitivamente no “modo crise”. As acusações ao presidente, e cada passo das investigações, terão centralidade, indicando que Bolsonaro dedicará o resto de seus dias no governo a se defender e articular votos no Congresso — não para aprovar projetos, mas para escapar do impeachment.

Ninguém consegue governar assim. Michel Temer, por exemplo, não caiu mas virou pato-manco, incapaz de governar efetivamente, depois de gastar todas as energias políticas na sobrevivência. É cedo para saber se Bolsonaro cairá ou virará pato manco, mas dificilmente escapará dessas opções. É altamente improvável que, acuado como está, consiga marcar o item “nenhuma das alternativas anteriores” nessa prova, recompondo-se politicamente ou obtendo apoio militar a medidas autoritárias para se manter no poder.

Helena Chagas

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