sexta-feira, 15 de maio de 2020

Bolsonaro fala uma verdade

As Forças Armadas estão sim com ele. Os militares o apoiam. Não em bloco uníssono. E não em todas as barbaridades. Mas na essência. Os militares do Planalto estão inebriados com o poder e com a revisão histórica do golpe de 1964 e da ditadura. Só ingênuos insistirão na tese de que os generais podem puxar o tapete vermelho de um capitão inculto, indisciplinado e autoritário ao extremo. Eles se usam mutuamente. 

De autoridade os militares entendem. De alinhamento total, também. Detestam que os outros poderes não batam continência para eles. Isso ficou claro nos últimos sete dias. Enquanto o circo pegava fogo em Brasília, passávamos de 13 mil mortos pela covid-19. Estimativa atual é de um morto a cada dois minutos. É nosso o recorde mundial de vítimas entre profissionais da saúde. Triste. Não são soldados que tombam em guerra. Não são mortes inevitáveis. Não podem ser usados como bucha de canhão.


Houve uma escalada do apoio militar. O general Villas Boas elogiou a performance destrambelhada de Regina Duarte, por sua “inteligência, humildade e segurança”. A marcha ao STF com empresários foi acompanhada pelo general Braga Netto, o sorridente no comando das crises. O general Augusto Heleno afirmou que divulgar na íntegra o vídeo da reunião ministerial é “um ato antipatriótico”.

O clímax foi o artigo “Limites e responsabilidades”, assinado nesta quinta-feira pelo vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, no jornal O Estado de SP. Mourão é culto e inteligente, ao contrário de seu chefe. Seu artigo começa com uma verdade incontestável: “Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil”. Segue com um consenso mundial: a esta altura, está claro que a pandemia de covid-19 é uma questão de saúde, social, econômica e política.

Mas em nenhum momento Mourão atribui corretamente a culpa pelas “raias da insensatez”, pelo “caos” e o “estrago da imagem do Brasil no exterior”. Mourão culpa a imprensa. O Judiciário. Os governadores e prefeitos. O Legislativo. As medidas desordenadas de isolamento social. “Enquanto os países mais importantes se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes”, diz o vice-presidente, no Brasil estamos “entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo”. Por que será? Quem é o responsável?

Não, general Mourão, o Brasil não assiste à “usurpação das prerrogativas do Poder Executivo”. O que se ensaia, nas mais altas autoridades, é a usurpação dos valores democráticos e humanos. Faltam limites e responsabilidades a quem jurou obedecer à Constituição. O senhor se calou quando alguém chamou os ministros do Supremo de gângsteres ou coisa pior? 

Bolsonaro castra o Ministério da Saúde, faz lobby de remédios condenados por estudos internacionais, briga com governos locais, interfere na Polícia Federal para proteger filhos de investigações. Uma presepada atrás da outra. Ou alguém confia nessa novela de exames médicos de Artur, Rafael, 05 etc? Nem nos EUA de Trump usou-se pseudônimo. Qual brasileiro aprova um líder que, numa semana de recordes de vítimas e lutos, convoca churrasco, pelada, sai de jet-ski e vem falar de “ideologia de gênero”? 

Soubemos pela imprensa (sempre ela!) que 73.242 militares receberam indevidamente R$ 600 de auxílio emergencial, num total gasto pelo governo de quase R$ 44 milhões. Muito estranho. Terão de devolver. Mas, por que receberam?

O apoio explícito das Forças Armadas é uma das poucas verdades que ouvimos de Bolsonaro. E a verdade dói. É mais um prego no caixão verde-amarelo.

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