Tenho escrito e falado muito sobre a doença, as medidas sanitárias, seus efeitos na economia e as políticas para atenuar esses efeitos. Em artigo para O Estado de São Paulo publicado em 18 de março, elenquei todas as medidas emergenciais que o governo precisa tomar para ontem. As medidas contemplam R$ 50 bilhões para o SUS, o aumento de 50% para o valor do benefício do Bolsa Família, além da ampliação do programa, a destinação de R$ 30 bilhões para as micro e pequenas empresas que não têm acesso aos bancos públicos, a criação de uma renda básica emergencial no valor de R$ 500 a ser dada por 12 meses para os 36 milhões de brasileiros vulneráveis desassistidos registrados no Cadastro Único. Também incluí medidas de médio prazo – a crise é de longa duração –, como o crédito do BNDES para permitir a reconversão industrial, isto é, que fábricas possam se voltar para a produção de equipamentos médicos, além da inversão da pirâmide tributária brasileira. Invertê-la significa tributar rendas altas e patrimônios progressivamente, desonerando o consumo e a produção.
Após ter discutido publicamente e veiculado essas ideias, um consenso se formou entre os economistas mais ponderados do país. Mas o presidente optou por bater cabeça no lugar de cumprir o seu dever. Na verdade, optou por contrapor saúde e economia. As medidas sanitárias têm um custo econômico, sim. Por isso o governo deve pensar em uma agenda como a que propus. Mas, o relaxamento das medidas sanitárias no momento em que a epidemia começa a chegar com força no Brasil é ainda mais devastador para as vidas que serão perdidas e, evidentemente, para a economia.
Não é difícil enxergar como isso acontece. O Brasil tem uma população de 209 milhões. Sem as medidas sanitárias, os modelos epidemiológicos sugerem que a população contaminada pode chegar a 50% ou 60%. Estamos falando, portanto, de mais de 100 milhões de pessoas ao longo de algumas semanas. Dessas mais de 100 milhões de pessoas, dados de estudos científicos mostram que cerca de 20% precisarão de hospitalização. Logo, estamos falando de mais de 20 milhões de pessoas hospitalizadas quase ao mesmo tempo, algumas com quadros gravíssimos de insuficiência respiratória. Ou seja, podemos ter 10% ou mais da população potencialmente internada em um espaço curtíssimo de tempo. Contudo, não estarão, realmente, internadas, não é mesmo? O sistema de saúde brasileiro não tem capacidade para tanto – nenhum sistema de saúde em qualquer parte do mundo tem.
O que ocorreria? De início, haveria pânico no país, com o sistema de saúde em colapso total. Desse quadro não é difícil extrapolar a desintegração social em meio a motins, saques e todo o tipo de desordem. O sistema político entraria em falência. A economia morreria de insuficiência respiratória aguda em meio ao caos instalado. Se alguém acha que isso é cenário de filme, boa hora é para lembrar que a arte imita a vida, e não o contrário.
Bolsonaro trata a doença como “uma gripezinha”. Para muita gente, ela já se manifesta ou haverá de se manifestar desse modo. Mas para muita, muita gente o quadro será mais grave e as mortes se amontoarão. Não se escolhe entre a saúde e a economia. Os estragos econômicos das medidas sanitárias, nós, economistas, sabemos resolver. Já reconstruímos economias após guerras e depressões econômicas. Já a derrocada de um país porque o presidente não aceita o que a natureza lhe impõe é desafio que não está à altura de ninguém.
Não há escolha a ser feita, pois a vida é soberana. Primeiro a vida, depois a economia.
Monica de Bolle
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