Perguntam-me hoje o que senti há 41 anos ao pisar naquele lugar de tragédia e morte onde mais de um milhão de pessoas perderam a vida. Se for verdade que um jornalista, assim como um cirurgião, deve deixar seus sentimentos pessoais em casa na hora de recolher os fatos da vida para contar aos outros, também é verdade que às vezes isso é impossível. Assim foi para mim aquela visita a Auschwitz, que convulsionou meus sentimentos e ainda não foi apagada da memória.
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Naquele dia tive a intuição de ir antes do resto dos jornalistas ao campo para ter uma experiência pessoal da visita. Ainda me lembro do calafrio que senti percorrendo aquele lugar de morte. Só não me atrevi a entrar nos fornos crematórios onde crianças e mulheres foram queimadas.
O Papa estava acompanhado, entre as autoridades do Vaticano, do substituto da Secretaria de Estado, o monsenhor espanhol Eduardo Martínez Somalo, um progressista que me conhecia e me acenou para que eu pudesse entrar com as quatro ou cinco pessoas que acompanhavam o Papa. Contaram-nos que quando colocaram naquela câmara da morte o prisioneiro Maximiliano Kolbe, que havia se oferecido para morrer no lugar de seu companheiro de campo que tinha família e vários filhos, todos iam morrendo, exceto ele, que continuava vivo e rezando. Como precisavam de espaço para colocar outros condenados à morte, acabaram lhe dando uma injeção letal.
De Auschwitz, o Papa foi visitar o campo de Brzezinka, a três quilômetros de distância, onde havia túmulos escritos em todas as línguas. O que mais impressionou foi a visita do Papa ao túmulo escrito em hebraico e ao escrito em russo. Diante daquele escrito em hebraico, lembrando a tragédia do Holocausto sofrido pelo povo judeu, o Papa disse que estava “diante de um novo Gólgota” e que ninguém podia passar indiferente por aquele túmulo. Diante do túmulo escrito em russo, improvisando algumas palavras que não estavam no discurso oficial, faz uma apologia do que a Rússia havia feito para libertar a Europa da tragédia da Segunda Guerra Mundial.
As boas relações entre o Papa polonês e o povo judeu eram conhecidas, a ponto de que se chegou a escrever que Wojtyla era viúvo quando decidiu se tornar sacerdote. Parece que tinha como noiva uma jovem judia com quem, antes de ter sido levada para um campo de concentração para morrer, havia feito um casamento de consciência.
O que surpreendeu em suas palavras a favor do papel da Rússia foi a ênfase em defender o papel de libertadora, uma vez que era conhecida a oposição radical que o Papa tinha com os comunistas na Polônia. Lá, porém, João Paulo II esqueceu sua ideologia para fazer um apelo ao mundo sobre a defesa dos valores da liberdade.
De Auschwitz, permiti-me levar naquele dia uma flor minúscula, uma espécie de cíclame que brotara entre duas pedras ao lado da cerca do campo. Aquela flor ficou na minha carteira durante muito tempo, junto da minha carteira de identidade. Um dia, caiu nas mãos de alguns policiais. Tinham me parado em uma estrada na Itália. Aparentemente, um dos faróis do meu carro não estava funcionando. Pediram-me a carteira de identidade e com ela veio a pequena flor já seca. Um dos policiais a viu e, muito à italiana, me disse que não me multaria porque eu “era muito romântico”. Nunca imaginou que aquela flor era qualquer coisa menos romântica. Carregava todo o peso da memória do inferno do Holocausto.
Teólogos da Igreja luterana escreveram que depois de Auschwitz “não seria mais possível acreditar em Deus”. O que se pode perguntar, 75 anos depois daquela loucura de morte, é se ainda é possível continuar acreditando no homem e nos valores da civilização. E se o mundo não está dando motivos hoje, com suas tentações de retorno à barbárie, para desconfiar que tenha aprendido e para sempre com aquela que foi uma das experiências mais trágicas perpetradas pelo Homo sapiens.
Juan Arias
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