Tenho lido sobre aqueles anos 20 por várias razões, mas a principal delas é traçar possíveis paralelos entre a ascensão das políticas econômicas de cunho nacionalista de então e o ressurgimento do nacionalismo que temos testemunhado mundo afora. Evidentemente, as origens são um pouco distintas. No século passado, o nacionalismo começou a renascer no período entre guerras e ganhou força total depois da crise de 1929.
Nos países avançados, ao menos, a motivação nacionalista teve origem na necessidade de buscar a autossuficiência econômica, sobretudo durante a Grande Depressão. No nacionalismo atual, não há tendência à autossuficiência como outrora. O que há é uma reação aos deslocamentos provocados pela automação, pela ascensão da China, pela perda de poder econômico e político das classes médias tradicionais dos países avançados. É claro que há guerras culturais de todo tipo no meio do caminho, além de uma tendência nefasta de se agarrar a ideias e pensamentos mal formulados ou francamente equivocados, falsos. Mas, apesar das origens diferentes marcadas por épocas muito distintas, o instinto nacionalista é, na essência, o mesmo: tratar de que seu país não só não perca status, mas, sobretudo, avance, ainda que isso possa prejudicar os demais. Esse modo de pensar — em si equivocado, pois o avanço em detrimento dos demais não é sustentável — esteve presente nos anos 1920 e está de volta entre nós em 2020.
Não é uma tendência fácil de reverter, pois a retórica política é poderosa: quem não quer se sobrepor aos demais? Quem não aceita com facilidade a noção de que, se há problemas em determinado país, as causas só podem ser externas? Afinal, culpar os outros por suas deficiências e problemas é algo profundamente humano.
Na área econômica não é necessário ser estatizante para ser nacionalista. Mussolini elegeu-se democraticamente em 1922, com a plataforma: “Nosso sonho é uma Itália romana!”. O saudosismo e a busca pelo renascimento de um passado de glórias é a característica mais forte do nacionalismo. No entanto, entre 1922 e 1925, Mussolini adotou políticas econômicas para liberal nenhum botar defeito. Ajustou as contas públicas, permaneceu comprometido com o livre-comércio, implantou reformas para reduzir o tamanho do Estado e o grau de intervencionismo econômico.
Durante esses três anos, quem quisesse dizer que a Itália era um sucesso apesar do fascismo poderia fazê-lo sem susto. A economia cresceu, o comércio se expandiu, durante algum tempo a inflação ficou sob controle. Mas, nacionalista que é nacionalista não apenas quer se manter no poder — Mussolini largou as pretensões democráticas em 1925 —, como também não resiste à tentação de controlar a economia para seus próprios fins, a Itália romana. A partir de 1926, o regime fascista começou a flertar com o dirigismo estatal, o que se acentuou profundamente após a crise de 1929. Em 1935, todas as esferas da vida econômica eram controladas pelo Estado, inclusive os salários. Para conter a escalada inflacionária, o regime implantou não uma, mas três compressões salariais. Em cada uma delas reduziu os salários nominais entre 10% e 30%.
Não estou dizendo que a Itália dos anos 1920 seja o Brasil dos anos 2020, até porque esse não é um artigo sobre o Brasil. O que quero ressaltar é que, em um mundo em reviravoltas, o impensável pode acontecer. Em um mundo em reviravoltas, até um liberal exemplar é capaz de cortar todas as suas liberdades, a começar pela de ter um salário que garanta sua sobrevivência. Bem-vindos aos anos 20.Monica de Bolle
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