Ao insistir numa agenda que confronta os movimentos identitários, o governo executa uma tática diversionista, para distrair a oposição e deslocar o eixo dos debates das verdadeiras prioridades do país. Essa política pode ser um tremendo tiro no pé, como foi a tentativa da esquerda de se refugiar nessa pauta para evitar a autocrítica de seus erros e o debate sobre sua própria crise ética, o que resultou na sua derrota eleitoral. A mais recente jogada para confrontar a pauta identitária foi a nomeação do novo presidente da Fundação Palmares, Sergio Nascimento de Camargo, adversário declarado do movimento negro e da política de cotas, que afrontou de tal forma as lideranças negras que foi chamado de “capitão do mato” pelo próprio irmão, o músico e produtor cultural Wadico Camargo.
O novo chefe da Fundação Palmares está alinhado ao secretário de Cultura do governo federal, o dramaturgo Roberto Alvim, que promove uma cruzada contra esquerda no movimento artístico e cultural, assim como há outras cruzadas, contra ambientalistas, feministas, índios, professores e a imprensa. A missão de Camargo é inglória, quando nada porque não será fácil reescrever a história do negro no Brasil, ainda mais depois do livro Escravidão, de Laurentino Gomes, cujo primeiro volume aborda o tema do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Foram 300 anos até a Abolição, período em que 5 milhões de negros e negras foram submetidos à exploração e à opressão brutais. Só um sujeito mal-intencionado pode afirmar que “a escravidão foi benéfica para os descendentes de escravos”.
Quando nada, a escravidão está na raiz das desigualdades sociais no Brasil, que se agravaram nos últimos anos, em consequência do colapso do governo Dilma Rousseff e da recessão que isso provocou: entre 2014 e 2017, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar Contínua do IBGE, 8,5 milhões de brasileiros se somaram aos 14 milhões que já viviam abaixo da linha da pobreza. No mesmo período, o contingente daqueles que sobreviviam em situação de pobreza extrema passou de 5,2 milhões para 11,8 milhões. Por mais que Bolsonaro tenha herdado esse passivo social, sua eleição surfou o descontentamento por ele provocado e, mais cedo ou mais tarde, seu governo terá que mostrar resultados positivos na área social. É aí que está o ponto mais fraco do governo.
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, até por causa da composição de sua equipe, domina a política para o mercado financeiro e as contas da União, isto é, a superestrutura da economia, mas a infraestrutura, ou seja, o mundo real da produção, não é a praia da atual equipe econômica ultraliberal. Muito menos as políticas sociais. A superestrutura vai muito bem, obrigado. O Banco Central tem reservas da ordem dos US$ 370 bilhões, para uma dívida externa de US$ 100 bilhões. Com isso, a economia suporta bem a alta do dólar, pois nossos ativos também aumentam quando o real se desvaloriza. Ainda bem que estamos livres de uma crise cambial, o que não é pouca coisa, principalmente se olharmos para os lados na América do Sul e para a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
Entretanto, com a inflação na casa dos 3% e a taxa de juros na faixa dos 4,5%, a economia não deslancha e o governo não sabe bem o que fazer. Vendeu-se um terreno na Lua para a opinião pública, com a reforma da Previdência, que era necessária e foi aprovada, mas não garantiu a retomada automática do crescimento, como se dizia. Depois, Guedes se perdeu ao apresentar, simultaneamente, três pacotes de reformas ao Congresso, de forma enviesada, pois a discussão começou pelo Senado e não pela Câmara, como seria mais natural. Resultado: o ano está acabando, sem que nenhum deles seja aprovado. Restou o diversionismo das políticas identitárias, que funciona como iscas para desviar a atenção da oposição. O problema é que o reacionarismo do governo nas áreas cultural e social acaba provocando a ojeriza dos setores moderados da sociedade, contrários à radicalização e à perseguição político-ideológica.
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