domingo, 22 de outubro de 2017

Aécio vira farinata

Eles são Aécio amanhã. Livres, leves e soltos. Há tempos não se via tamanho assanhamento em Brasília. Senadores, deputados e ex-presidentes, investigados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, deram um suspiro de alívio. Tucanos, peemedebistas, petistas. Todos acima da lei.

Companheiro nosso a gente salva. Mesmo que o deixemos falando sozinho. Assim os senadores fizeram com Aécio Neves. O mineiro mais carioca do Brasil, o segundo nome mais votado à Presidência, que posava de bastião da moralidade e da ética, não teve coragem de subir à tribuna em seu retorno. Só falou dois minutos, junto à cadeira. Os colegas nem olharam. Não aplaudiram nem vaiaram. Mas vários adiaram cirurgias para votar a favor dele.

Aécio reagiu como à retomada de seu mandato? “Com serenidade.” E ainda se disse dono do “voto de mais de 7 milhões de mineiros”, que devem se sentir para lá de ludibriados. Abandonou a calma para esbravejar contra “os bandidos” Batista, aqueles mesmos empresários amigos a quem ele havia pedido “um empréstimo” de R$ 2 milhões para pagar seus advogados de defesa. Contra essa versão, qualquer outra tem mais credibilidade.

Tucano depenado, Aécio foi pressionado a deixar a presidência do PSDB. Seu ex-amigo Tasso Jereissati tenta a todo custo evitar a septicemia generalizada no ninho. Resistiu, dizendo a jornalistas que “não discute questões partidárias pela imprensa”. E se colocou como vítima de “ardilosa armação”.

Os senadores e deputados estancaram a sangria, como previa o então ministro do Planejamento Romero Jucá, em março do ano passado. Estancaram a sangria com a ajuda do Supremo Tribunal Federal, que deixou às raposas a tarefa de julgar a si mesmas. O Congresso passou a ser mestre de seu destino, sem ingerência dos ministros de toga.

É sintomático que todos os políticos indiciados na Lava Jato digam “confiar na Justiça”. Estão certos. Confiam na impunidade. Não podem ser presos, não podem ser recolhidos a suas casas, não podem ser punidos com medidas cautelares diferentes da prisão... a não ser que seus pares consintam. Quase 30 senadores podem se beneficiar da mesma condescendência. Na Câmara, um quarto dos deputados está sob investigação. A Lava Jato não tira mais o sono deles. Câmara e Senado viraram casas de tolerância.

Armação. Conspiração. Complô. Perseguição. Traição. Temos visto, da plateia, um desfile de senadores, deputados, governadores, prefeitos, empresários se dizendo vítimas de delatores, da Polícia Federal, do Ministério Público e do juiz Sergio Moro. Nós nos tornamos uma plateia bem-comportada, só enraivecida nas redes sociais. Malas de dinheiro. Cavernas de dinheiro. Propinodutos.

A semana que passou contribuiu muito para a sensação de nocaute na sociedade. É Temer ajudando Aécio que ajuda Temer a se livrar da segunda denúncia – e todos recebendo visitas e ligações de solidariedade do supremíssimo Gilmar Mendes em dias decisivos. E Rodrigo Maia fazendo a dança do passinho entre uns e outros, contorcendo não só o pescoço, mas a palavra e o olhar. Todos mirando 2018. Até Eduardo Cunha pergunta, em artigo no jornal Folha de S.Paulo: “Quem me quer como troféu?”.

Já se rediscute até uma medida saneadora e tão celebrada pela sociedade: a prisão após condenação em segunda instância, que havia sido decidida pelo STF. Uma discussão patrocinada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes. A turma dele não descansará enquanto não revogar esse julgamento do próprio Supremo. Parece incrível, mas é possível.

O senador tucano, neto de Tancredo, é apenas o símbolo do momento da desmoralização da classe política. Não pode culpar a ninguém senão a ele próprio e a suas brincadeiras funestas e gravadas, como a sugestão de “matar antes da delação”. Se existe uma ardilosa armação, não é contra ele, mas contra seus eleitores.

Aécio virou uma espécie de farinata. Um composto feito à base de produtos prestes a perder a validade. Proibido para menores, vetado em escolas. Um senador que seu partido não deseja mais como líder – só como álibi. E como ração humana, destinada à sobrevivência política.

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