Nos livramos dos heróis, não precisamos mais deles. Mas tampouco percebemos como nos tornamos comandados, orientados pelo que nos dizem aquelas mídias, a transformar em pensamento próprio aquilo que elas nos revelam, como se nós mesmos tivéssemos criado todas aquelas noticias, ideias e conclusões, tudo aquilo. Nos tornamos um oráculo de nós mesmos a repetir, sem perceber, o que as redes sociais nos enfiam na cabeça.
Não sei se um dia conseguiremos pensar por conta própria, sem um ou mais desses poderes a nos conduzir por aí. Mas pelo menos já não precisamos mais de heróis, os seres onipotentes que não nos deixam pensar.
Se os heróis estão no fim, os bandidos ainda proliferam. Não temos mais apenas o líder do partido adversário a temer. O inimigo nem sempre é aquele que conhecemos e sabemos não estar de acordo conosco, mas o ser maligno de cuja maldade nem desconfiávamos. O bandido pode ser aquele cara simplório, capaz de devolver a propina ao juiz faltando R$ 35 mil que, pressionado, acaba por entregar na maior cara de pau.
Eles querem pagar multas menores. Mas que tamanho de multa pode compensar o fim (duvidoso) de nosso prazer em sermos brasileiros? A destruição (temporária) de nossos sonhos de construir um país menos escroto, menos desigual, com tanta gente dormindo nas ruas e assassinada nos campos? Um país livre do estigma secular da escravidão, que ainda persegue nossos pretos, pardos e pobres?
Outro dia, li Rodrigo Janot dizendo: “O país se cansou do engodo, da hipocrisia, dos voos de galinha da economia (...), de seguir para logo retroceder”.
Gostei dessa frase porque ela afirma que não estamos desistindo. Pelo contrário, estamos enfrentando aquilo que não gostamos de ser e não queremos ser. Reafirma aquilo pelo que estamos lutando, mesmo que meio tontos, na esperança das tais manhãs que cantam. No mundo inteiro, depois do choque inicial, já começa a se espalhar a desconfiança de que o Brasil está fazendo o que tantos países, como os próprios Estados Unidos, gostariam de fazer. Uma batalha radical contra a corrupção pública e pela criação de uma alternativa, um novo regime de reformas e representação que seja capaz de impedi-la. Até o popular programa americano “60 minutes”, da CBS, fez referência a isso recentemente.
No meio dessa podridão toda, estamos prestando um serviço pioneiro à humanidade, além de a nós mesmos. Estamos dando um exemplo de que como é possível desejar reconstruir um país a fundo, preservando a democracia.
Cacá Diegues
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