Desconfio da especificidade da maioria das coisas que damos como especificamente brasileiras. Não somos tão singulares assim.
Como nunca acreditei piamente nisso, levantei a dúvida. Será que não existiria jeitinho na África ou na Rússia, por exemplo?
Vieram informações preciosas. Entre outras coisas, a professora Marília Mattos citou um velho ditado espanhol: “hecha la lei, hecha la trampa”. Márcia Cris Effe relatou casos de jeitinho na Alemanha. E o antropólogo Mércio Gomes falou da universalidade da prática.
Outra “singularidade” em que muitos insistem: parece que o Brasil foi o único país do mundo em que houve escravidão. “Ah, somos assim ou assado por causa da escravidão”, repete-se ad nauseam. E ainda nos esquecemos de que, mesmo sociedades que não conheceram a escravidão, experimentaram processos igualmente cruéis.
Outro dia, dei uma entrevista a uma revista da USP em que repisei o assunto. Me perguntaram se, considerando a história de violência brasileira (colônia, escravidão, etc.), eu achava possível pensar o conceito de "espaço público" aqui tal e qual ele foi formulado na Europa?
Respondi que é claro que o processo brasileiro foi diverso do que o que aconteceu na Europa, embora não devamos passar ao largo de algo fundamental: a violência da Revolução Industrial, massacrando cruelmente adultos e crianças das classes trabalhadoras, não ficou nada a dever ao escravismo nas Américas, como demonstrado por Marx e Engels.
Lembrei que crianças de seis anos de idade eram mandadas à força para as fábricas de Manchester, onde trabalhavam praticamente o dia inteiro (somente em 1802, e na Inglaterra apenas, a legislação cortou o emprego de crianças à noite e reduziu a duração do trabalho infantil para 12 horas por dia!). Ou seja: a violência e a espoliação lá, não foram menores que aqui.
Além disso, nosso processo (colonialismo, escravidão, etc.) foi bem próximo do que se viu nos EUA e na Argentina, por exemplo. Daí que também possamos dizer, com Lyn Lofland, que é o espetáculo da diversidade das pessoas, no espaço público, que dá à cidade a sua “qualidade essencial”.
Enfim, isto é para sublinhar que não somos assim tão desgraçadamente singulares como se costuma supor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário