segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Falsas singularidades

Desconfio da especificidade da maioria das coisas que damos como especificamente brasileiras. Não somos tão singulares assim.

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Na semana que passou, tive mais uma conversa sobre o tema, a partir de uma discussão no facebook (sim: o facebook é o reino da cracolândia mental, mas também existe alguma vida inteligente lá) sobre o “jeitinho”, que tantos estudiosos afirmam ser uma singularidade nossa.

Como nunca acreditei piamente nisso, levantei a dúvida. Será que não existiria jeitinho na África ou na Rússia, por exemplo?

Vieram informações preciosas. Entre outras coisas, a professora Marília Mattos citou um velho ditado espanhol: “hecha la lei, hecha la trampa”. Márcia Cris Effe relatou casos de jeitinho na Alemanha. E o antropólogo Mércio Gomes falou da universalidade da prática.

Outra “singularidade” em que muitos insistem: parece que o Brasil foi o único país do mundo em que houve escravidão. “Ah, somos assim ou assado por causa da escravidão”, repete-se ad nauseam. E ainda nos esquecemos de que, mesmo sociedades que não conheceram a escravidão, experimentaram processos igualmente cruéis.

Outro dia, dei uma entrevista a uma revista da USP em que repisei o assunto. Me perguntaram se, considerando a história de violência brasileira (colônia, escravidão, etc.), eu achava possível pensar o conceito de "espaço público" aqui tal e qual ele foi formulado na Europa?

Respondi que é claro que o processo brasileiro foi diverso do que o que aconteceu na Europa, embora não devamos passar ao largo de algo fundamental: a violência da Revolução Industrial, massacrando cruelmente adultos e crianças das classes trabalhadoras, não ficou nada a dever ao escravismo nas Américas, como demonstrado por Marx e Engels.

Lembrei que crianças de seis anos de idade eram mandadas à força para as fábricas de Manchester, onde trabalhavam praticamente o dia inteiro (somente em 1802, e na Inglaterra apenas, a legislação cortou o emprego de crianças à noite e reduziu a duração do trabalho infantil para 12 horas por dia!). Ou seja: a violência e a espoliação lá, não foram menores que aqui.

Além disso, nosso processo (colonialismo, escravidão, etc.) foi bem próximo do que se viu nos EUA e na Argentina, por exemplo. Daí que também possamos dizer, com Lyn Lofland, que é o espetáculo da diversidade das pessoas, no espaço público, que dá à cidade a sua “qualidade essencial”.

Enfim, isto é para sublinhar que não somos assim tão desgraçadamente singulares como se costuma supor.

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