Vista geral da região afetada pela febre amarela no Espírito Santo, perto de Itaguaçu |
O primatologista Sérgio Lucena, que há três décadas estuda a região do Doce, diz que só no Espírito Santo 600 carcaças de macacos foram encontradas desde o início de janeiro. Esse número, segundo ele, representa apenas entre 10% a 20% do real. Em Minas, os macacos simplesmente desapareceram de algumas regiões. Começaram a morrer meses antes e ninguém sabe calcular ainda a perda. A única certeza é o silêncio da mata. Os ruidosos macacos, em sua maioria, morreram.
— Só é possível recuperar uma pequena parcela dos animais, aqueles que morreram no chão da floresta, mas muitos deles estão nas árvores. São milhares os macacos mortos. Esse é um desastre sem precedentes na história da Mata Atlântica. Estamos no olho do furacão — afirma o cientista, professor do Laboratório de Biologia de Conservação de Vertebrados da Universidade Federal do Espírito Santo.
As principais vítimas são os bugios ou barbados (Alouatta guariba), outrora muito comuns em toda a região. Mas nesta epidemia em animais — epizootia, no jargão da ciência — morrem também sauás ou guigós (Callicebus personatus), macacos-pregos (Supajus nigritus) e micos-de-cara-branca (Callithrix geoffrey).
A região é habitat de espécies ameaçadas de extinção. O mais precioso de todos, o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthu), o maior primata das Américas, por enquanto tem se mantido a salvo — a espécie parece ser mais resistente ao vírus da febre amarela. Mas o raro e ameaçado sagui-da-serra (Callithrix flaviceps) não escapou. Na semana passada, de um bando de 14 animais, 12 morreram de febre hemorrágica em Ipanema, município mineiro na divisa com o Espírito Santo.
— Os macacos são mais vulneráveis do que o ser humano. Para eles, não há a proteção da vacina. Nas florestas, a febre amarela silvestre ocorre em ciclos de cerca de sete anos. Mata macacos e depois desaparece para reemergir, quando a população se recupera. Mas nada com a dimensão que vemos agora aconteceu antes. É sem precedentes — salienta Lucena.
A febre amarela não é uma doença originária da floresta brasileira. É um flagelo que acompanhou a desgraça da escravidão. Os navios negreiros do século XVII trouxeram da África também o vírus e o mosquito Aedes aegypti. A febre era inicialmente urbana.
Mas o vírus se espalhou e nos anos 30 do século XX, a forma silvestre foi descrita no Vale do Canaã, no Espírito Santo, onde agora volta a assombrar. O vírus se tornou capaz de infectar os mosquitos silvestres e estes o transmitiram para suas vítimas preferenciais, os macacos. O principal reservatório é o mosquito. E o macaco se tornou hospedeiro. Não é o homem que morre da doença do macaco. É o macaco que morre da doença do homem.
A despeito disso, macacos que escapam do vírus têm sido atacados e mortos por gente com medo da febre. Na semana passada, um barbado foi morto a tiros em Realeza, em Minas.
— É uma barbaridade que só vai agravar as coisas. Pois o macaco é uma sentinela. Ele é tão vítima quanto nós — lamenta Sérgio Lucena.
Ele lidera uma força-tarefa de cerca de 20 pesquisadores que passam os dias nas matas para localizar carcaças e bandos sobreviventes e trabalha em colaboração com a vigilância sanitária. Buscam descobrir a causa e a origem da epidemia.
Na semana passada, numa encosta íngreme da Serra dos Pregos, em Santa Teresa, Lucena, o técnico ambiental Rogério Ribeiro dos Santos e a estudante de Biologia Bruna Pacheco Pena tentavam acompanhar sem sucesso um filhote de barbado, cuja mãe morrera.
— Ele não tem salvação. Se não adoecer, gaviões ou cobras o apanharão. Não é o primeiro filhote que vemos órfão. Por algum motivo, os adultos parecem estar morrendo primeiro — diz Santos.
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