Os meios de comunicação nomearam as delações dos 77 chefões do império multinacional da Odebrecht no processo da Lava Jato, como as do “fim do mundo”. E a sociedade se pergunta quem ficará a salvo após a hecatombe que ameaça políticos de ontem e de hoje e que ultrapassou as fronteiras do país.
A literatura ofereceu em todos os tempos mitos e simbolismos para interpretar a realidade do presente. No relato bíblico da Arca de Noé é narrado, por exemplo, que Deus “vendo que a maldade dos homens se espalhava pela terra”, decidiu destruí-la através de um dilúvio universal (Gênesis, 6ss).
Passado seu “fim do mundo”, o Brasil precisará encontrar com urgência novos Noés, sobreviventes da classe política que voltem a oferecer esperança ao país.
O admirado intelectual e antropólogo brasileiro, o falecido Darcy Ribeiro, se perguntava em sua obra clássica, O Povo Brasileiro (Cia. Das Letras), por que esse país “ainda não deu certo”. Dedicou, para responder, trinta anos de profundos estudos. Sua conclusão foi que o projeto Brasil, a chamada “brasilidade” é tão original e diferente de outros da América Latina pela mistura, nele, de tantas civilizações sobrepostas, que o fazem ser ao mesmo tempo, reconciliador e violento, justo e desigual, festivo e melancólico, sincero e malandro.
Um país que precisará de tempo, mas que acabará, na profecia de Darcy, ressurgindo como uma “nova Roma tropical”.
O desejo dos cidadãos de bem que continuam lutando para que o país não afunde ainda mais, é que o Brasil saia purificado do dilúvio que golpeia sua classe política.
Noé soube que as águas haviam baixado quando soltou uma pomba que voltou trazendo um ramo de oliveira em seu bico, símbolo de uma nova esperança para a Humanidade, levada a recomeçar mais uma vez de seus escombros. Não existe, de fato, pôr do sol, por mais longa que seja a noite, sem que venha a aurora.
Deus voltará, então, a ser novamente brasileiro ou continuará irritado, como em Sodoma e Gomorra ao não encontrar um punhado de governantes capazes de mais além de enriquecer e se perpetuar no poder, em projetar e dar vida a um país que, na profecia de Darcy, acabe encontrando sua verdadeira identidade?
Eu sou dos que, como o antropólogo, preferem continuar acreditando que o Brasil será capaz de se reconciliar com o melhor de si mesmo, após saber se livrar da escória que hoje o ofusca e machuca.
Porque, além disso, como escreveu o lúcido e crítico ecologista, Fernando Gabeira, “esse é o tempo em que nos coube viver”. Não podemos desprezá-lo.
E o do Brasil é um povo que, mesmo em meio às tormentas provocadas por seus governantes, continua apostando no abraço e na vontade de festejar. Seja o que for.
Meu colega, Antonio Jiménez, dias atrás foi embora de Salvador. De lá escreveu, antes de voltar a Madri, sua última reportagem sobre a festa de Iemanjá, a doce deusa das águas.
E na que um dia foi a capital do Brasil, Antonio compreendeu que a felicidade é a vocação desse povo, algo que, escreve, “não se ensina e se aprende”.
E por isso, também não pode ser exportado. Com todas as suas contradições, o Brasil precisa ser entendido aqui, lado a lado com ele.
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