Num dia da semana passada, o telefone tocou na casa de um parente dele. Na ligação, pessoas não identificadas “sugeriram”: se ele apresentasse um pedido de desculpas por escrito, talvez desse para evitar as consequências legais do que publicara. Em sua coluna na “Folha de S.Paulo”, Rocha de Barros disse que os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) buscam tumultuar a CPI mentindo sobre medicina e cloroquina, formando um “consultório do crime” a favor de Bolsonaro.
Dias antes, foi o professor da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hübner Mendes, que se surpreendeu com a represália a um artigo seu, também publicado na “Folha”. O professor, que costuma se referir ao procurador-geral da República, Augusto Aras, como “poste-geral da República” em suas redes sociais, escreveu que o PGR, que tem como função fiscalizar e investigar as condutas do presidente, é omisso e trabalha o tempo todo para impedir que se apurem as condutas de Bolsonaro na pandemia. Aras não gostou e entrou com uma queixa-crime na Justiça e com uma representação na USP, pedindo que o conselho de ética julgasse o comportamento do professor Mendes.
São os casos mais recentes, mas não isolados. Desde 2019, a Lei de Segurança Nacional — criada pela ditadura para coibir atentados à segurança e à soberania nacional — já foi usada para justificar a abertura de 77 investigações, bem mais que as 44 dos quatro anos anteriores. Pelo menos 12 foram abertas a pedido do próprio Ministério da Justiça, contra políticos e jornalistas que manifestaram críticas a Bolsonaro.
O próprio Aras já processou criminalmente outro jornalista que o criticou por ser leniente com o governo de Bolsonaro. Até agora, não ganhou. E a vitória deve ficar ainda mais difícil depois que o próprio ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes mandou realizar uma operação de combate à corrupção no Ministério do Meio Ambiente sem comunicar a Aras. Por confiar na combatividade da PGR para investigar o governo é que não foi.
A Constituição brasileira tem dois artigos que garantem a liberdade de expressão, de imprensa, de crença e de convicção política, mas os senadores e o poste, ops, o procurador-geral da República, se julgam acima da lei. Evocam respeito a suas autoridades e às instituições que representam, mas esquecem que, quando se dispuseram a exercer funções públicas, sendo remunerados com dinheiro público, (supostamente) para servir ao público, colocaram-se voluntariamente sob o escrutínio… público.
A eles é dado, como a todo cidadão, o direito à reparação e à indenização por calúnia e difamação na esfera cível. Mas, pelo menos até agora, não lhes é dado impedir que outros cidadãos lhes façam críticas, mesmo que ácidas ou supostamente injustas.
Até onde se sabe, não voltamos (ainda) aos tempos da ditadura, quando professores universitários sofriam processos bizarros e eram afastados de seus cargos por razões políticas, e intelectuais recebiam ameaças veladas por suas opiniões e textos em telefonemas anônimos.
Por enquanto, ainda é possível que 88 professores da USP subscrevam as críticas do professor Hübner Mendes num manifesto intitulado “Poste, Servo, Omisso” sem sofrer maiores consequências. Ainda não aconteceu nada ao sociólogo Rocha de Barros, que se recusou a prestar depoimento numa investigação que a Polícia do Senado não tem poder para realizar. E está claro que ainda há, felizmente, muita gente disposta a batalhar pela saúde da democracia brasileira.
Mas é uma lástima que os mesmos que se dizem preocupados com a imagem de instituições tão importantes para a República como o Senado ou o Ministério Público não se mostrem igualmente empenhados em impedir a disseminação de mentiras sobre remédios sem eficácia para o tratamento da Covid-19. Que não se importem com a esculhambação patrocinada por um governante que promove aglomerações em meio a uma pandemia mortal. Ou que finjam não ver quando o presidente da República ameaça “dar porrada” em jornalistas ou adversários políticos. Para esses, só tem direitos quem tem poder. É gente que age como na ditadura, mas no Brasil de 2021.
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