Como o Estado revelou, o governo permitiu que, no Orçamento do ano passado, parlamentares de sua base interferissem diretamente na gestão de R$ 3 bilhões, alocados ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Esse dinheiro se origina das chamadas emendas do relator-geral do Orçamento, conhecidas pela sigla RP9.
Por lei, a RP9 se presta somente a remanejar recursos no Orçamento, com o objetivo de fazer correções na elaboração final, em geral para reparar algum erro técnico. Em nenhum momento essa emenda especifica em quais projetos o dinheiro deve ser empenhado, pois se trata de atribuição do Ministério para o qual a verba foi distribuída.
O Congresso tentou impor a destinação das emendas de relator, mas o presidente Bolsonaro vetou o dispositivo, alegando, com razão, que o texto “investe contra o princípio da impessoalidade que orienta a administração pública ao fomentar cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas, ampliando as dificuldades operacionais para a garantia da execução da despesa pública”. Obviamente, não foi Bolsonaro quem escreveu essa justificativa, e sim algum funcionário com noção mínima do manejo da coisa pública, que o presidente nunca teve.
O veto continua em vigor, mas a natureza bolsonarista também: para driblar sua própria determinação e assim agraciar aliados no Congresso com verbas, o presidente permitiu que se elaborasse um mecanismo pelo qual os governistas pudessem direcionar o dinheiro da RP9 para obras eleitoreiras.
Depois que o esquema veio à luz, gerando justificada e geral estupefação, o governo tentou desmentir o que os documentos atestavam. Sem sucesso, agora baixa uma portaria para regularizar a prática – ou para “legalizar a bandalha”, como bem qualificou o economista Gil Castelo Branco, da Associação Contas Abertas.
O malabarismo normativo do governo não anula a essência do escândalo: o governo entregou dedos e anéis ao Congresso, em particular ao Centrão, hoje senhor do destino de Bolsonaro.
O presidente abriu mão de vez de qualquer papel na administração, assumindo tão somente a função de animador de reacionários e vivandeiras. Como disse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Pandemia, o que Bolsonaro vocifera é apenas “coisa de internet”, que não se traduz em ordens ou diretrizes dentro do governo. Quem manda é o Centrão.
Isso ficou claro também no modo como o governo foi apenas coadjuvante, sentado no fundo da sala, nos debates que resultaram no projeto de privatização do sistema Eletrobrás. Permitiu que os parlamentares contrabandeassem “jabutis” que, na prática, determinam como o governo deve gastar parte dos recursos oriundos do negócio. E não é por acaso que uma gorda fatia desse dinheiro ficará sob administração da Codevasf – a estatal do São Francisco que, sob administração do Centrão e com as bênçãos de Bolsonaro, incluiu cidades a centenas de quilômetros do rio e recebeu também boa parte do dinheiro das manobras orçamentárias.
Caracteriza-se assim uma nova etapa na degradação do chamado presidencialismo de coalizão, que marca a política brasileira desde a redemocratização. Depois de ter sido rebaixado a presidencialismo de cooptação com o lulopetismo, agora se transformou em presidencialismo de submissão – em que o presidente se torna vassalo do Congresso.
O modelo bolsonarista nada tem a ver, por exemplo, com a Presidência de Michel Temer, que trabalhou com o Congresso para, de fato, promover reformas requeridas pela nação. Então, a relação era de compartilhamento de poder, reduzindo muito o custo da governabilidade.
Já no caso de Bolsonaro, o presidente decidiu ser mero despachante do Centrão, na expectativa de que o Congresso não o amole enquanto ele brinca de mandão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário