Erra a Conib (Confederação Israelita do Brasil) ao atribuir ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) a banalização do Holocausto judeu quando o relator da CPI associou o comportamento de homicidas da Covid-19 ao de alguns réus no tribunal de Nuremberg.
Basta voltar à fala de Renan para constatar que ele se referia àqueles que, no julgamento histórico, ou alegavam ignorância ou exibiam uma descarada indiferença. Tenho caros amigos na Conib. Reconheço, como eles sabem e como é público, a importância de sua luta e de entidades congêneres mundo afora.
Pouco importa o que eu pense sobre o atual governo de Israel —e não penso coisas muito boas—, resta a evidência de que o antissemitismo ainda é um "botão quente" em política, frequentemente acionado pelas mais variadas expressões do neofascismo —incluindo o de matriz islâmica. Não é de hoje que participo desse debate.
Mas é preciso saber quando a evocação do tribunal de Nuremberg —ou mesmo do Holocausto judeu— serve para rotinizar o genocídio e o morticínio em massa e quando esse chamamento à memória tem o propósito de encarecer agressões de lesa-humanidade que estão sendo rotinizadas. O zelo não pode correr o risco de, involuntariamente, tomar o lugar da impiedade.
Qual foi o propósito do senador? As perspectivas algo otimistas falam em 700 mil mortos de Covid-19 no país até o fim do ano, quem sabe antes. As mais pessimistas, em perto de 1 milhão. Haveria milhares de vítimas ainda que tivéssemos um governo realmente ocupado em fazer a coisa certa, afinado com a ciência, com a melhor técnica e com o conjunto de dados empíricos colhidos por especialistas.
Mas, como resta evidente e como a CPI tem demonstrado à farta, fez-se o contrário. Eu realmente não creio que a evocação do "tribunal de Nuremberg", apelando ao simbolismo extremo, quando se está na rota da morte de 500 mil "pretos de tão pobres e pobres de tão pretos", degrade a memória do horror.
Atualiza-se a constatação de que ações de Estado podem fazer do morticínio um ativo político.
Hannah Arendt vela, todos os dias, o programa "O É da Coisa", com sua imagem ao fundo. É meu trilho principal. O livro "Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal" está longe de ser uma unanimidade entre judeus e não judeus que escreveram sobre a política de extermínio de um povo. Acima e além das dissensões, creio que reste um consenso: o Holocausto concerne a todos os homens.
Ninguém tem licença especial, pouco importa a origem, para cometer erros sobre a história do Holocausto ou para ignorar os mecanismos que levam a políticas de extermínio. O genocídio foi capítulo do nazismo, não o contrário. E o nazismo compreende um modo de entender o mundo, de entender o outro, de lidar com a divergência.
Em palestra conferida na Hebraica do Rio, em 2017, Bolsonaro atacou as reservas indígenas e quilombolas —a propósito: está em curso hoje, no Brasil, o genocídio do povo yanomami— e afirmou sobre uma comunidade negra, de egressos da escravidão: "Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles". Foi aplaudido. O aplauso foi indigno. As reações de repúdio ficaram bem abaixo da gravidade da ofensa.
Aprendi com um amigo que os judeus "são iguais sendo diferentes e são diferentes sendo iguais". Pareceu-me, de início, mero jogo de palavras. Mas depois compreendi o que há de profundo aí. Que nos emprestem não apenas a sua dor, mas também a indignação que alimenta a luta.
Os que, por ação e omissão, mataram e matam os brasileiros têm de pagar por isso. A metáfora extrema serve para lembrar que, para certos crimes, não pode haver perdão.
Ninguém tem licença especial, pouco importa a origem, para cometer erros sobre a história do Holocausto ou para ignorar os mecanismos que levam a políticas de extermínio. O genocídio foi capítulo do nazismo, não o contrário. E o nazismo compreende um modo de entender o mundo, de entender o outro, de lidar com a divergência.
Em palestra conferida na Hebraica do Rio, em 2017, Bolsonaro atacou as reservas indígenas e quilombolas —a propósito: está em curso hoje, no Brasil, o genocídio do povo yanomami— e afirmou sobre uma comunidade negra, de egressos da escravidão: "Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles". Foi aplaudido. O aplauso foi indigno. As reações de repúdio ficaram bem abaixo da gravidade da ofensa.
Aprendi com um amigo que os judeus "são iguais sendo diferentes e são diferentes sendo iguais". Pareceu-me, de início, mero jogo de palavras. Mas depois compreendi o que há de profundo aí. Que nos emprestem não apenas a sua dor, mas também a indignação que alimenta a luta.
Os que, por ação e omissão, mataram e matam os brasileiros têm de pagar por isso. A metáfora extrema serve para lembrar que, para certos crimes, não pode haver perdão.
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