terça-feira, 22 de setembro de 2020

Bilhões de euros sem ambiente

O ministro Ricardo Salles trabalhou bem nestes primeiros tempos de governo Bolsonaro. Sua missão era desmontar o sistema oficial de proteção ao meio ambiente, franquear o acesso à floresta úmida a garimpeiros, posseiros e para o pessoal que derruba árvore para fazer pasto.

Ele conseguiu. Mas ação ganhou vida própria, aumentou muito seu tamanho e saiu de controle. Os europeus começaram a gritar, os americanos entraram na história e instituições internacionais passaram a ameaçar com retaliações na área comercial. Ou seja, boicote a produtos brasileiros.

O governo reagiu tarde. Criou o Conselho da Amazônia e colocou o vice-presidente Hamilton Mourão na sua presidência no momento que incêndios começaram a pipocar na Amazônia e no Pantanal, onde rapidamente se transformaram em tragédia. Nunca na história do país, o fogo foi tão violento como neste setembro de 2020. Até agora já foram verificados 5.603 focos de calor, apenas neste mês.


No ano passado, ao longo de todo setembro, foram 5.498 incêndios. Este ano de tantas desgraças, a natureza contribuiu com esta falseta. Fogo para ninguém botar defeito.

A Austrália também está pegando fogo. A Califórnia arde. Mas são áreas situadas entre as mais desenvolvidas do mundo. Europeus não se envolvem com assuntos californianos. E a Austrália é uma extensão da Inglaterra com praia e sol forte. Resta o Brasil como parceiro maior do Mercosul, para receber as críticas do mundo anglo-saxão.

O acordo negociado por mais de dez anos entre os quatro países do cone sul da América e os 27 da União Europeia entrou no estágio de alerta. Os incêndios contribuem para colocar nos quatro cantos do mundo imagens de animais sofrendo com as chamas.

Na realidade pouco pode ser feito a curto prazo. Esta é a época das queimadas. Todos os anos acontecem enormes círculos de fogo. Este ano foi mais intenso, é verdade. Daqui a pouco a chuva chega e a natureza se renova.

O presidente Bolsonaro chegou a Sinop com cara de quem levou susto. E levou mesmo. Seu avião foi obrigado a arremeter no procedimento de pouso por causa da fumaça dos incêndios, que prejudica a visibilidade.

A cidade chamada Sinop é símbolo do avanço do homem branco sobre a Amazônia. Seu nome deriva de Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, empresa que comprou terras e realizou, dentro dos parâmetros legais, a transferência de colonos do sul do país para o norte de Mato Grosso.

A cidade, que ainda não tem 50 anos de vida, possui cerca de 150 mil habitantes, se situa na rodovia Cuiabá-Santarém, é organizada, limpa, cheia de universidades e grande produtora de grãos.

Os dois lados estão diante de um dilema mexicano. Aparentemente sem solução. Exige diplomacia, cautela e inteligência. A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia estuda desmembrar o acordo com o Mercosul. Ele é baseado em três pilares em seus 49 artigos. Um estabelece parâmetros para questões políticas e de segurança, outro cria termos de cooperação econômica e institucional.

O terceiro pilar trata apenas do acordo comercial, ou seja, facilitar o trânsito de mercadorias nos dois lados do Atlântico. Significa tarifas menores e facilidades para exportação e importação. O Mercosul é mercado aberto para mais de 60 mil empresas europeias, que podem economizar mais de 4 bilhões de euros em impostos que deixarão de ser pagos. Há um precedente. Os europeus já assinaram com Vietnã e Cingapura acordos estritamente comerciais. É um caminho.

A estratégia bolsonarista não funcionou. Abrir a floresta para garimpeiros, posseiros e incendiários provocou a ira internacional E reacendeu a questão da convivência entre brancos e indígenas. O vice-presidente Mourão sabe disso. Sabe também que a França é o único país europeu que mantém uma colônia na América do Sul, a Guiana Francesa, onde há garimpeiros ilegais e queimadas, além de ter sido uma colônia penal em estilo medieval.

Hoje a colônia se explica pela base de lançamentos espaciais de Kouru – os satélites europeus são lançados daquela colônia francesa.

Não é momento de discutir ações do colonizador francês. O objetivo atual é negociar. Apagar os incêndios no Pantanal, na Amazônia e nas relações diplomáticas. Contar os feridos, enterrar os mortos e deixar a natureza trabalhar. Importante é virar esta página. Ninguém tem a verdade, nem a possui a narrativa vencedora.

O verdadeiro problema são os bilhões de euros que estão voando por cima dos devaneios de um lado e de outro sem destino certo.

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