sábado, 28 de março de 2020

O meu avô é um criminoso

Bem, o meu não, o dos meus netos… não é que já tenha netos, mas acho que daqui a uns 30 anos talvez, quem sabe?

Então, por causa desta crise do vírus, que estou certo será um daqueles episódios transformais da sociedade global, assim como o foi o 11 de Setembro de 2001, tenho estado a imaginar o que essa hipotética neta escreveria numa composição sobre o potencial avô, que sentiu essa transformação já em meia idade adiantada.


Ainda não sei como as coisas se vão transformar, mas de certo que há hábitos que vão mudar. Continuaremos a nos cumprimentar com um aperto de mão? Continuaremos a juntar-nos massivamente para presenciar eventos de desporto, teatro ou música?

Suponho, por absurdo, que por ventura essa futura neta pensaria algo assim:

O meu avô é um criminoso

Eu gosto muito do meu avô (sou um otimista), mas tem coisas nele que são muito estranhas.

O meu avô quando vem tomar conta de nós tem a mania de nos levar à rua. O estranho é que não precisamos de lá ir fazer nada, ele chama-lhe passear, mas eu achava que isso era algo que só se fazia com os cães. Os meus pais não gostam nada disso. E estão sempre a brigar com ele, e dizem que é muito perigoso. Por causa das doenças que se apanham em todo o lado.

O meu avô não usa protetores de olhos, boca e nariz quando sai à rua, e a minha mãe diz que é um irresponsável. Vá lá que pelo menos apanha as vacinas todas, todos os anos, mas o meu pai tem que o avisar sempre.

O mais estranho do meu avô é que sempre que chega lá a casa agarra o meu pai e aperta-o com os braços e o coitado do meu pai fica todo esmagado. Além disso tem a mania de apertar as mãos às pessoas, o que deixa toda a gente nervosa. Não sei por que faz isso, mas o meu pai diz que temos que ter paciência, porque ele é velho e isso eram coisas que as pessoas faziam antigamente. Lavamos logo todos as mãos.

Mas o mais estranho de tudo, e acho que um dia vai ser preso pela Polícia de Saúde Pública, é que o meu avô a nós, põe a boca na nossa cabeça e faz um som tipo “chuac” com os lábios. Primeiro pensava que isso era algo que os adultos só faziam em privado, mas o meu pai disse que antigamente, e quando ele era pequeno, podia fazer-se a toda a hora mesmo em público. Mas eu sempre ouvi dizer que era proibido, o que faz dele um criminoso.

Uma vez o meu avô contou–me que às vezes junta-se com muitos amigos para verem jogos de futebol todos juntos enquanto bebem cerveja – não percebo porque precisam de se juntar tantos, se cada um pode ver no seu ecrã pessoal, além disso pediu-me para guardar segredo para não serem apanhados.

Espero que não o ponham na cadeia, porque apesar de tudo é um velhinho simpático.”

O futuro é o que coletivamente fizermos dele, espero que se mantenha uma saudável dose de bom senso.

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