sábado, 28 de março de 2020

Crime de irresponsabilidade

Reportagem de Catia Seabra e Júlia Barbon mostrou que, no Rio de Janeiro, organizações criminosas estão impondo toque de recolher em favelas para restringir a disseminação da Covid-19. Quando até traficantes atuam com mais responsabilidade do que o presidente da República, é sinal de que já passa da hora de nos livrarmos do inquilino do Alvorada. A questão é como.

O remédio constitucional para a nossa patologia é o impeachment. Seria complicado, porém, utilizá-lo agora. O processo de afastamento de um presidente demanda tempo e drenaria as energias de um Congresso que, no momento, tem assuntos mais urgentes para tratar, notadamente a aprovação de medidas econômicas de emergência para atenuar os efeitos da crise, que serão dramáticos.


A alternativa pragmática é isolar politicamente o presidente. Ele continuaria proferindo desatinos, enquanto prefeitos, governadores e até ministros da ala racional fariam o que precisa ser feito. No plano jurídico, mesmo que esteja disposto ao enfrentamento, Bolsonaro não tem autoridade para revogar determinações de autoridades municipais e estaduais relativas ao funcionamento de comércio, escolas, transporte local etc.

Não vejo muito como sair dessa tentativa de fazer o "by-pass" da Presidência, mas é preciso deixar claro que o arranjo é subótimo. Para começar, ainda há muitas pessoas que confiam em Bolsonaro, e elas podem ser levadas a agir irresponsavelmente devido às declarações estapafúrdias do titular do Planalto.

Ainda mais crucialmente, o momento exige muita coordenação, para que as cadeias de produção e distribuição de suprimentos essenciais não sejam interrompidas. Seria muito menos difícil acertar os ponteiros se pudéssemos contar com uma autoridade central comprometida com um plano de enfrentamento da crise coerente e informado pela ciência. Infelizmente, nós não temos nada remotamente parecido com isso.

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