A Lava Jato já está em sua 40ª fase. Começou em março de 2014 e continua a expor as vísceras de uma imensa organização criminosa de corrupção e propina no sistema político. Vende-se tudo, em especial a consciência. O cidadão comum aprende que, mesmo no Supremo Tribunal Federal, as decisões finais sobre o destino dos criminosos dependem da turma. Uns magistrados são mais iguais que outros. Mais vaidosos? “A verdade é que ninguém quer ser ‘backing vocal’ nesse caso”, disse o ministro da Transparência, Torquato Jardim.
A Segunda Turma tem uma trinca de juízes – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – a favor de deixar livres os acusados, com ou sem tornozeleira, até a condenação em segunda instância. Eles acham que as prisões preventivas têm se alongado demais, mesmo sem contrariar o Direito. Os outros dois juízes da Segunda Turma, o decano Celso de Mello e o relator Edson Fachin, preferem não conceder habeas corpus a políticos que, fora da prisão, podem prejudicar as investigações em Curitiba e no resto do país.
De todas as libertações mais recentes, a que mais sacudiu o Brasil foi a do “enfant terrible” José Dirceu, ex-ministro de Lula que já viveu na clandestinidade, condenado e anistiado no mensalão, condenado a 32 anos de prisão na Lava Jato e nunca propenso a se tornar delator. Dirceu está com tornozeleira, mas não em prisão domiciliar. Estava preso havia um ano e nove meses, à espera do julgamento de um recurso.
Guerreiro do povo brasileiro, assim se referem a Dirceu os petistas que colocam o partido acima de todas as acusações. No jornal O Estado de S. Paulo, uma carta de Dirceu compara seus delatores a “cachorros da ditadura”. Seu primeiro pedido de refeição, já solto, em casa, foi simbólico: uma pizza.
Esse é o maior temor do brasileiro honesto. Que tudo acabe em pizza. Que a Lava Jato não consiga moralizar a política, disciplinar o Congresso, mudar a cultura do toma lá dá cá, impedir que representantes do povo roubem da educação, da saúde, da segurança e das prioridades de um país carente. Segundo pesquisa do Datafolha, 44% dos brasileiros apostam que a corrupção continuará igual, 7% que vai crescer e 45% acreditam em redução do crime. Mais da metade é pessimista.
O procurador do Ministério Público Federal Carlos Fernando dos Santos Lima defende a manutenção das prisões preventivas como instrumento para dissuadir assaltantes ativos em plena Lava Jato: “Enquanto não houver respeito a uma investigação em andamento, é necessário que o Poder Judiciário demonstre firmeza com as prisões, porque somente assim nós poderemos deter essa organização criminosa”. Propinas eram pagas ainda em junho do ano passado, com a Lava Jato completando sua 30ª fase. É muita cara de pau e crença na impunidade.
Por lentidão da Justiça, por corporativismo dos Três Poderes – à revelia da presidente do STF, Cármen Lúcia – ou até por conluio de alguns juízes e réus, a Lava Jato corre o risco de ser torpedeada. Um a um, os réus podem ser libertados até a prescrição dos crimes. Sem confiscar bens para recuperar os bilhões roubados, sem multar as empreiteiras, sem manter presos os ladrões, o que esperar para o futuro do Brasil? Um populista de esquerda ou de direita manipulando a massa com palavras de ordem e negociando com um Congresso venal?
As libertações animaram o ex-ministro Antonio Palocci a pedir habeas corpus. Se Dirceu saiu, por que não ele, que nem julgado foi? Além de tudo, Palocci, preso há sete meses, se prontificou a delatar nomes, endereços, valores, dando a Moro “mais um ano de trabalho”. Talvez Palocci tenha se precipitado ao dispensar o advogado especialista em delação premiada. Confiou. Sua turma era a Segunda do STF, com Gilmar Mendes à frente. Mas sua liberdade foi temporariamente barrada por Fachin. O relator enviou o caso ao plenário do STF. Os 11 ministros do Supremo – e não apenas cinco – decidirão se Palocci encomendará pizza em casa.
O Supremo tem um papel decisivo no resgate moral do Brasil. Gilmar Mendes disse que seu voto para libertar Dirceu foi “histórico”. A História cobrará do STF ao menos coerência.
Ruth de Aquino
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