Antigamente as pessoas honestas gozavam de certas regalias relativamente aos grandes bandidos. Por exemplo, aquilo a que a minha avó chamava “o sono dos justos”. O sono dos justos era um privilégio reservado exclusivamente às pessoas honestas. Um tremendo privilégio, convenhamos. Supostamente, os bandidos sofreriam todos de terríveis insônias e as pessoas honestas dormiriam felizes. Não é mais assim. Hoje em dia os bandidos já nascem sem consciência. Os poucos que ainda vêm equipados com esse arcaico mecanismo espiritual tomam medicamentos para dormir. Assim, deixou de ser possível distinguir os bandidos das pessoas honestas através das olheiras.
O Houaiss define cleptocracia como aquele “regime político-social em que práticas corruptas com o dinheiro público são implicitamente admitidas ou mesmo consagradas”. Estas são as cleptocracias ordinárias. Existem várias pelo mundo. O Brasil — desiludam-se os mais nacionalistas — não é caso único.
Imaginemos agora a cleptocracia perfeita. Numa cleptocracia ideal, aquela com que todos os grandes bandidos sonham, eles conseguiriam não apenas tomar o controle do aparelho de estado, incluindo do sistema judicial, como alcançar o respeito e a admiração do povo. Nessa cleptocracia perfeita nada distinguiria um grande bandido de uma pessoa honesta a não ser a riqueza e a origem desta.
Na cleptocracia ideal os cidadãos honestos suficientemente corajosos a ponto de erguerem a voz contra os grandes bandidos que tomaram o poder, arriscam-se a ser julgados e presos por calúnia ou por traição à pátria. Na cleptocracia ideal, os cidadãos honestos invejam secretamente os grandes bandidos. Na cleptocracia ideal, os cidadãos honestos ambicionam tornar-se grandes bandidos. Na cleptocracia perfeita os grandes bandidos ajustam as leis à medida das respectivas ilicitudes, prevenindo eventuais perseguições judiciais, e precavendo-se contra a emergência de improváveis juízes honestos. No apogeu da cleptocracia perfeita, todas as leis estarão já ao serviço dos grandes bandidos. A corrupção seria então global, endêmica, entranhada e irreversível.
Isso não significa, contudo, que a idade de ouro deste sistema seja o enriquecimento de toda a sociedade — ilícito, naturalmente. Muito pelo contrário. A cleptocracia ideal, no pico da sua glória, seria uma sociedade composta por uma ínfima minoria de grandes ladrões, extremamente ricos, e por uma vasta maioria de pequenos ladrões, imensamente pobres.
Pequenos ladrões, afinal, como aqueles que, em Luanda, sequestraram um pastor protestante para chamar a atenção de Deus e obterem o seu perdão.
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