quarta-feira, 31 de agosto de 2016
O velho e a política
‘É uma estupidez não ter esperança, pensou. Além disso, acho que é um pecado perder a esperança.”
Ernest Hemingway, no seu consagrado livro “O velho e o mar” ouve o velho Santiago — um pescador pobre e azarado, mas íntegro e inteiramente e orgulhoso do seu papel de caçador de peixes — refletir sobre a virtude apaziguadora chamada esperança.
Ao leitor que não passou pelo livro, lembro que Santiago estava “saloio” ou azarado. Na Amazônia brasileira, dir-se-ia “empanemado” porque abusou de pescar em demasia algum peixe ou porque exagerou na caça de algum animal, tirando do meio ambiente, do qual o predador faz parte, mais do que seria suficiente para a sua sobrevivência. Nos anos 60 (imagine!) publiquei um estudo desse princípio revelador de que, para além da oposição entre sociedade e natureza, há inúmeras e claras interdependências.
Azarado há dezenas de dias, Santiago sai em seu barco de uma só e solitária vela e, por obra do que chamamos de acaso, pesca um colossal espadarte ou marlim. Uma peixe imenso, forte, poderoso e belo na sua integridade animal, com a qual ele dialoga. Realmente, a todo momento, o velho Santiago questiona-se a si mesmo se ele realmente mereceria esse presente tão imenso quanto a mudança de sua sorte.
Hemingway perpetuou no “Velho e o mar” a sua mais pungente parábola. Um crítico abalizado poderia dizer que tudo o que escreveu foi mitologia, mas eu não preciso ir tão fundo ou insinuar um peixe tão grande. Apenas sugiro que, como um velho ainda mais velho que o velho Santiago, eu reitero o que seria para mim, que não me entendo como azarado (mas teria muitos motivos para fazê-lo), o que seria encontrar nos oceanos deste mundo um extraordinário marlim?
Seria como ganhar sozinho uma loteria e, aparentemente, desfrutar de uma forma de liberdade que até hoje não me foi facultada? Que sonhos pode um velho sonhar? Aliás, será que os velhos sonham com grandes espadartes ou somente — como o velho Santiago — com os leões que ele, um dia, admirou nas areias de uma praia africana?
O que sucede com um velho que pega um enorme peixe, o qual lhe apascente o seu respeitável sentimento de finitude? No caso do velho Santiago, há um enorme regalo inesperado; há a luta para dominá-lo e — em seguida — o inevitável: a presença dos tubarões que começam a devorar a suculenta e nobre carne do peixe pescado...
Ganha-se sozinho uma fortuna. Mas eis que é preciso dividi-la. No momento da distinção, surgem os predadores, e eles chegam de todos os lados, pois são da casa e da rua, do porão e do sótão, do jardim e do quintal. Cada qual abre um sulco na carne do peixe pescado e come furiosamente o seu pedaço. O velho Santiago, como todo velho que por sorte pegou um peixão, luta para defender o símbolo de sua ressurreição. Nesta luta contra o roubo do seu trabalho, ele fere as mãos, usa uma faca sem fio e sente o imenso cansaço dos velhos. Mas Santiago não desiste nem mesmo quando vê o sonho desabar e verifica que não há vida sem tubarões ladravazes, safados e façanhudos — de dentes afiados e, acima de tudo, famintos ao seu redor.
Inveja, ressentimento, feiura, doença, má-fé, burrice, incompetência, hipocrisia, tristeza, preguiça, agressividade, ódio, medo, ignorância, radicalismo, desonestidade — essas doenças todas são (e estão) nos tubarões, mas também não podem ser ignoradas no pescador nem no marlim. A vida tem suas quotas de maldade e bondade, de amor e ódio, de intenção e de acaso.
Quem sabe os velhos não mereçam suas velhices viris, alegres, repletas de saudade e prazer? Quem sabe a fábula do velho Hemingway não é sobre essa capacidade de lutar contra predadores com virilidade? Ou sobre a transitoriedade das riquezas sendo devoradas pelos vermes, como dizia o velho Machado de Assis?
Reli Hemingway obrigando-me a assistir aos capítulos finais desse bizarro impeachment de Dilma Rousseff. A pescaria do marlim, com sua quota de heroísmo e esperança, dá-me alento nesses tempos sombrios que eu jamais esperava viver na minha velhice.
Seria um despautério tentar forçar um drama no outro. Afora a minha identificação com a velhice do velho Santiago, eu, no drama do impeachment, apenas vi tubarões e tabaroas. Uma delas legitimando moralmente o seu clube. Vi igualmente tubarões esbravejantes, mas todos mordendo. Um tubarão graúdo perdeu o rumo, sugeriu maluquice. A ideologia, eis o que aprendo, substitui o instinto. De minha parte, eu faço como velho Santiago: não perco a esperança.
Roberto DaMatta
Ernest Hemingway, no seu consagrado livro “O velho e o mar” ouve o velho Santiago — um pescador pobre e azarado, mas íntegro e inteiramente e orgulhoso do seu papel de caçador de peixes — refletir sobre a virtude apaziguadora chamada esperança.
Ao leitor que não passou pelo livro, lembro que Santiago estava “saloio” ou azarado. Na Amazônia brasileira, dir-se-ia “empanemado” porque abusou de pescar em demasia algum peixe ou porque exagerou na caça de algum animal, tirando do meio ambiente, do qual o predador faz parte, mais do que seria suficiente para a sua sobrevivência. Nos anos 60 (imagine!) publiquei um estudo desse princípio revelador de que, para além da oposição entre sociedade e natureza, há inúmeras e claras interdependências.
Hemingway perpetuou no “Velho e o mar” a sua mais pungente parábola. Um crítico abalizado poderia dizer que tudo o que escreveu foi mitologia, mas eu não preciso ir tão fundo ou insinuar um peixe tão grande. Apenas sugiro que, como um velho ainda mais velho que o velho Santiago, eu reitero o que seria para mim, que não me entendo como azarado (mas teria muitos motivos para fazê-lo), o que seria encontrar nos oceanos deste mundo um extraordinário marlim?
Seria como ganhar sozinho uma loteria e, aparentemente, desfrutar de uma forma de liberdade que até hoje não me foi facultada? Que sonhos pode um velho sonhar? Aliás, será que os velhos sonham com grandes espadartes ou somente — como o velho Santiago — com os leões que ele, um dia, admirou nas areias de uma praia africana?
O que sucede com um velho que pega um enorme peixe, o qual lhe apascente o seu respeitável sentimento de finitude? No caso do velho Santiago, há um enorme regalo inesperado; há a luta para dominá-lo e — em seguida — o inevitável: a presença dos tubarões que começam a devorar a suculenta e nobre carne do peixe pescado...
Ganha-se sozinho uma fortuna. Mas eis que é preciso dividi-la. No momento da distinção, surgem os predadores, e eles chegam de todos os lados, pois são da casa e da rua, do porão e do sótão, do jardim e do quintal. Cada qual abre um sulco na carne do peixe pescado e come furiosamente o seu pedaço. O velho Santiago, como todo velho que por sorte pegou um peixão, luta para defender o símbolo de sua ressurreição. Nesta luta contra o roubo do seu trabalho, ele fere as mãos, usa uma faca sem fio e sente o imenso cansaço dos velhos. Mas Santiago não desiste nem mesmo quando vê o sonho desabar e verifica que não há vida sem tubarões ladravazes, safados e façanhudos — de dentes afiados e, acima de tudo, famintos ao seu redor.
Inveja, ressentimento, feiura, doença, má-fé, burrice, incompetência, hipocrisia, tristeza, preguiça, agressividade, ódio, medo, ignorância, radicalismo, desonestidade — essas doenças todas são (e estão) nos tubarões, mas também não podem ser ignoradas no pescador nem no marlim. A vida tem suas quotas de maldade e bondade, de amor e ódio, de intenção e de acaso.
Quem sabe os velhos não mereçam suas velhices viris, alegres, repletas de saudade e prazer? Quem sabe a fábula do velho Hemingway não é sobre essa capacidade de lutar contra predadores com virilidade? Ou sobre a transitoriedade das riquezas sendo devoradas pelos vermes, como dizia o velho Machado de Assis?
Reli Hemingway obrigando-me a assistir aos capítulos finais desse bizarro impeachment de Dilma Rousseff. A pescaria do marlim, com sua quota de heroísmo e esperança, dá-me alento nesses tempos sombrios que eu jamais esperava viver na minha velhice.
Seria um despautério tentar forçar um drama no outro. Afora a minha identificação com a velhice do velho Santiago, eu, no drama do impeachment, apenas vi tubarões e tabaroas. Uma delas legitimando moralmente o seu clube. Vi igualmente tubarões esbravejantes, mas todos mordendo. Um tubarão graúdo perdeu o rumo, sugeriu maluquice. A ideologia, eis o que aprendo, substitui o instinto. De minha parte, eu faço como velho Santiago: não perco a esperança.
Roberto DaMatta
Brasil x Brasil
De tempos em tempos, um Brasil enfrenta o outro – nas urnas, com armas ou nos meandros da lei. Às vezes, inclusive, com todas essas possibilidades juntas. Já tivemos, por exemplo, - e não faz tanto tempo assim – ditadura com eleições modelo indiretas, senadores formato biônico, laudos e julgamentos falseados, Justiça de faz de conta.
Foi um tempo em que um Brasil autoritário derrotou e matou muito o outro. Fora da lei, com mantra de combate à corrupção.
Demorou um pouco, mas o outro derrotou o um. Na lei, nas urnas.
Já nos finalmente do longo processo de impeachment da presidenta Dilma – o segundo da nossa história -, um Brasil vem ganhando de 7 a 1 do outro. No entender de uns, com gols de mão, acertos prévios entre cartolas, jabá, porrada em campo, juiz omisso, nada de cartão vermelho, esparsos amarelos. No entender de outros, com jogo limpo e ritos adequados e legais.
Onde quer que ande a verdade – e ela sempre aparece -, o processo triste arrasta um mundo de indignidades, onde cabe de tudo - das chantagens e traições às agressões físicas de um Brasil contra o outro, contaminando os dois, como nunca antes na história desse país.
O tempo real exibindo o surreal. On-line.
Sem ordem, em progressão rápida, um Brasil trocou de mal com outro. Ambos soltaram suas feras. Sabe-se lá quando voltarão para a gaiola. E se voltarão. Quem sabe até, para sempre, abandonamos o mito do país cordial.
A atriz Sonia Braga, simplificou: É um momento estranho.
Tão estranho que até um filme volta a padecer de censura política. Aquarius, estrelado por Sônia, que na apresentação em Cannes fez protesto contra o processo de impeachment, ganhou classificação rara da censura: 18 anos. O que reduz a plateia. Toma, rebelde!
Coisas das guerras que, frias ou quentes, não são limpas, mas sempre feias, lotadas de crueldades, de pequenezas.
Com a presidenta Dilma exposta em postas, estão de novo em campo um Brasil contra o outro. Dessa vez, sem armas. Na lei. Por três decretos. E as dores de sempre.
“A democracia é um processo pelo qual as pessoas são livres para escolher quem levará a culpa”. A frase é do irreverente escritor canadense, Laurence J. Peter, professor e administrador, também autor de tese, que virou livro, sobre a inoperância da hierarquização nas empresas privadas e públicas.
Hoje, livre e sem cerimônia, um Brasil escolhe uma do outro Brasil para levar a culpa por ser o outro.
Sempre estranho, mas cíclico e recorrente.
O que vem a ser o golpe de 2016
Como no de 1840, o impedimento de Dilma Rousseff irá para a história coberto pela névoa das paixões do momento
Na manhã de ontem o senador Aloysio Nunes Ferreira reagiu a uma provocação de um deputado que ofendia a advogada que acusava a presidente Dilma Rousseff e ameaçou chamar a Polícia Legislativa para retirá-lo do plenário. Na véspera, como Nunes Ferreira, o senador José Anibal, também da bancada tucana de São Paulo, lembrou seus 50 anos de amizade com a presidente e, em seguida, defendeu seu impedimento.
Hoje, Dilma Rousseff perderá seu mandato. Assim, dos quatro brasileiros eleitos para a Presidência desde a redemocratização, dois terão sido defenestrados. Essa é uma taxa de mortalidade superior à do vírus ebola, um sinal de que algo vai mal em Pindorama. Afinal, Dilma será deposta, e o deputado Eduardo Cunha, espoleta do seu processo de impedimento, continua no exercício do mandato.
As sessões do julgamento de Dilma mostraram a beleza do ritual da Justiça. Ouvidos a ré, os advogados e os senadores, restarão uma sentença e a impressão de que houve muita corda para pouca forca. As pedaladas — o único elemento levado ao juízo — foram crime de responsabilidade, num caso de pouco crime para muita responsabilidade. Como não existe a figura de “pouco crime”, o resultado estará aí, irrecorrível, legal e legítimo.
Dilma será deposta pelo conjunto da obra, uma obra que foi dela, e não dos chineses. Seu longo depoimento, confirmou sua capacidade de viver numa realidade própria. Em 14 horas de depoimento e respostas aos senadores, a presidente, ao seu estilo, manteve-se numa atitude professoral, com um único momento que se poderia chamar de pessoal. Cansada, informou que estava prestes a perder a voz: “É inexorável”. Não era, aguentou até ao fim.
A palavra “golpe” tem uma essência pejorativa. O primeiro grande golpe da história nacional é costumeiramente conhecido como “Golpe da Maioridade” e entregou o trono do Brasil a Dom Pedro II, um garoto de 14 anos. Antecipando a conduta de Michel Temer, quando lhe perguntaram se ele queria a Coroa, teria respondido: “Quero já”. O tempo cobriu a violência do episódio. Argumente-se que quase dois séculos de distância fazem qualquer serviço.
Contudo, a posição dos senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Anibal mostra como as paixões alteram condutas e que não são necessários 200 anos. Em 1965, o jovem José Anibal, como Dilma Rousseff, era um militante da organização Política Operária, a Polop. Do grupo de 20 estudantes mineiros, sete foram presos, seis foram banidos, um foi assassinado, outro matou-se para não ser preso e quatro exilaram-se, inclusive José Aníbal, que a polícia procurava como “Clemente” ou “Manuel”. Aloysio Nunes Ferreira, o “Mateus” da Ação Libertadora Nacional de Carlos Marighella, participou de um assalto a um trem pagador e exilou-se em Paris. Em 1975, de seis participantes, só ele estava vivo.
Numa trapaça da história, Dilma Rousseff, a “Estela”, teve dois companheiros de armas dos anos 60 na bancada do seu impedimento. Na defesa de seu mandato, ficou só o protoguerrilheiro amazônico João Capiberibe, senador pelo PSB do Amapá.
Esses cacos de memória parecem não querer dizer nada, mas daqui a 50 anos dirão tudo ou, no mínimo, dirão mais. Hoje começará a avaliação de Michel Temer.
Elio Gaspari
Na manhã de ontem o senador Aloysio Nunes Ferreira reagiu a uma provocação de um deputado que ofendia a advogada que acusava a presidente Dilma Rousseff e ameaçou chamar a Polícia Legislativa para retirá-lo do plenário. Na véspera, como Nunes Ferreira, o senador José Anibal, também da bancada tucana de São Paulo, lembrou seus 50 anos de amizade com a presidente e, em seguida, defendeu seu impedimento.
Hoje, Dilma Rousseff perderá seu mandato. Assim, dos quatro brasileiros eleitos para a Presidência desde a redemocratização, dois terão sido defenestrados. Essa é uma taxa de mortalidade superior à do vírus ebola, um sinal de que algo vai mal em Pindorama. Afinal, Dilma será deposta, e o deputado Eduardo Cunha, espoleta do seu processo de impedimento, continua no exercício do mandato.
Dilma será deposta pelo conjunto da obra, uma obra que foi dela, e não dos chineses. Seu longo depoimento, confirmou sua capacidade de viver numa realidade própria. Em 14 horas de depoimento e respostas aos senadores, a presidente, ao seu estilo, manteve-se numa atitude professoral, com um único momento que se poderia chamar de pessoal. Cansada, informou que estava prestes a perder a voz: “É inexorável”. Não era, aguentou até ao fim.
A palavra “golpe” tem uma essência pejorativa. O primeiro grande golpe da história nacional é costumeiramente conhecido como “Golpe da Maioridade” e entregou o trono do Brasil a Dom Pedro II, um garoto de 14 anos. Antecipando a conduta de Michel Temer, quando lhe perguntaram se ele queria a Coroa, teria respondido: “Quero já”. O tempo cobriu a violência do episódio. Argumente-se que quase dois séculos de distância fazem qualquer serviço.
Contudo, a posição dos senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Anibal mostra como as paixões alteram condutas e que não são necessários 200 anos. Em 1965, o jovem José Anibal, como Dilma Rousseff, era um militante da organização Política Operária, a Polop. Do grupo de 20 estudantes mineiros, sete foram presos, seis foram banidos, um foi assassinado, outro matou-se para não ser preso e quatro exilaram-se, inclusive José Aníbal, que a polícia procurava como “Clemente” ou “Manuel”. Aloysio Nunes Ferreira, o “Mateus” da Ação Libertadora Nacional de Carlos Marighella, participou de um assalto a um trem pagador e exilou-se em Paris. Em 1975, de seis participantes, só ele estava vivo.
Numa trapaça da história, Dilma Rousseff, a “Estela”, teve dois companheiros de armas dos anos 60 na bancada do seu impedimento. Na defesa de seu mandato, ficou só o protoguerrilheiro amazônico João Capiberibe, senador pelo PSB do Amapá.
Esses cacos de memória parecem não querer dizer nada, mas daqui a 50 anos dirão tudo ou, no mínimo, dirão mais. Hoje começará a avaliação de Michel Temer.
Elio Gaspari
Santificação da cretinice
Cérebro, golpe e juiz natural
O cérebro é um órgão esquisito. Ele opera por contiguidade. Se eu o submeto a um estímulo negativo e, ao mesmo tempo, apresento-o a uma ideia ou objeto novos, ocorre uma espécie de contaminação e a nova representação fica marcada como algo ruim, ainda que nem saibamos explicar por quê.
Igor Morski |
Mas Dilma e os petistas estão certos ao chamar o impeachment de golpe? Eu diria que eles têm todo o direito de considerar o processo forçado, até o limite da farsa, mas me parece formalmente errado tachá-lo de golpe. É que, para fazê-lo, é preciso formar um juízo de valor sobre o mérito das acusações —o que é perfeitamente legítimo— e, simultaneamente, tirar do juiz natural a possibilidade de emitir um veredicto diferente deste –o que já não funciona tão bem.
O que caracteriza a democracia é justamente a utilização de processos formais para a solução de conflitos, e a regra do impeachment estabeleceu, já desde 1891, que cabe exclusivamente ao Senado julgar o presidente nesse tipo e acusação.
Hélio Scchwartsman
O fim do torpor
O impeachment da presidente Dilma Rousseff será visto como o ponto final de um período iniciado com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, em que a consciência crítica da Nação ficou anestesiada. A partir de agora, será preciso entender como foi possível que tantos tenham se deixado enganar por um político que jamais se preocupou senão consigo mesmo, com sua imagem e com seu projeto de poder; por um demagogo que explorou de forma inescrupulosa a imensa pobreza nacional para se colocar moralmente acima das instituições republicanas; por um líder cuja aversão à democracia implodiu seu próprio partido, transformando-o em sinônimo de corrupção e de inépcia. De alguém, enfim, cuja arrogância chegou a ponto de humilhar os brasileiros honestos, elegendo o que ele mesmo chamava de “postes” – nulidades políticas e administrativas que ele alçava aos mais altos cargos eletivos apenas para demonstrar o tamanho, e a estupidez, de seu carisma.
Muito antes de Dilma ser apeada da Presidência já estava claro o mal que o lulopetismo causou ao País. Com exceção dos que ou perderam a capacidade de pensar ou tinham alguma boquinha estatal, os cidadãos reservaram ao PT e a Lula o mais profundo desprezo e indignação. Mas o fato é que a maioria dos brasileiros passou uma década a acreditar nas lorotas que o ex-metalúrgico contou para os eleitores daqui. Fomos acompanhados por incautos no exterior.
Raros foram os que se deram conta de seus planos para sequestrar a democracia e desmoralizar o debate político, bem ao estilo do gangsterismo sindical que ele tão bem representa. Lula construiu meticulosamente a fraude segundo a qual seu partido tinha vindo à luz para moralizar os costumes políticos e liderar uma revolução social contra a miséria no País.
Quando o ex-retirante nordestino chegou ao poder, criou-se uma atmosfera de otimismo no País. Lá estava um autêntico representante da classe trabalhadora, um político capaz de falar e entender a linguagem popular e, portanto, de interpretar as verdadeiras aspirações da gente simples. Lula alimentava a fábula de que era a encarnação do próprio povo, e sua vontade seria a vontade das massas.
O mundo estendeu um tapete vermelho para Lula. Era o homem que garantia ter encontrado a fórmula mágica para acabar com a fome no Brasil e, por que não?, no mundo: bastava, como ele mesmo dizia, ter “vontade política”. Simples assim. Nem o fracasso de seu programa Fome Zero nem as óbvias limitações do Bolsa Família arranharam o mito. Em cada viagem ao exterior, o chefão petista foi recebido como grande líder do mundo emergente, mesmo que seus grandiosos projetos fossem apenas expressão de megalomania, mesmo que os sintomas da corrupção endêmica de seu governo já estivessem suficientemente claros, mesmo diante da retórica debochada que menosprezava qualquer manifestação de oposição. Embalados pela onda de simpatia internacional, seus acólitos chegaram a lançar seu nome para o Nobel da Paz e para a Secretaria-Geral da ONU.
Nunca antes na história deste país um charlatão foi tão longe. Quando tinha influência real e podia liderar a tão desejada mudança de paradigma na política e na administração pública, preferiu os truques populistas. Enquanto isso, seus comparsas tentavam reduzir o Congresso a um mero puxadinho do gabinete presidencial, por meio da cooptação de parlamentares, convidados a participar do assalto aos cofres de estatais. A intenção era óbvia: deixar o caminho livre para a perpetuação do PT no poder.
O processo de destruição da democracia foi interrompido por um erro de Lula: julgando-se umkingmaker, escolheu a desconhecida Dilma Rousseff para suceder-lhe na Presidência e esquentar o lugar para sua volta triunfal quatro anos depois. Pois Dilma não apenas contrariou seu criador, ao insistir em concorrer à reeleição, como o enterrou de vez, ao provar-se a maior incompetente que já passou pelo Palácio do Planalto.
Assim, embora a história já tenha reservado a Dilma um lugar de destaque por ser a responsável pela mais profunda crise econômica que este país já enfrentou, será justo lembrar dela no futuro porque, com seu fracasso retumbante, ajudou a desmascarar Lula e o PT. Eis seu grande legado, pelo qual todo brasileiro de bem será eternamente grato.
Raros foram os que se deram conta de seus planos para sequestrar a democracia e desmoralizar o debate político, bem ao estilo do gangsterismo sindical que ele tão bem representa. Lula construiu meticulosamente a fraude segundo a qual seu partido tinha vindo à luz para moralizar os costumes políticos e liderar uma revolução social contra a miséria no País.
Quando o ex-retirante nordestino chegou ao poder, criou-se uma atmosfera de otimismo no País. Lá estava um autêntico representante da classe trabalhadora, um político capaz de falar e entender a linguagem popular e, portanto, de interpretar as verdadeiras aspirações da gente simples. Lula alimentava a fábula de que era a encarnação do próprio povo, e sua vontade seria a vontade das massas.
O mundo estendeu um tapete vermelho para Lula. Era o homem que garantia ter encontrado a fórmula mágica para acabar com a fome no Brasil e, por que não?, no mundo: bastava, como ele mesmo dizia, ter “vontade política”. Simples assim. Nem o fracasso de seu programa Fome Zero nem as óbvias limitações do Bolsa Família arranharam o mito. Em cada viagem ao exterior, o chefão petista foi recebido como grande líder do mundo emergente, mesmo que seus grandiosos projetos fossem apenas expressão de megalomania, mesmo que os sintomas da corrupção endêmica de seu governo já estivessem suficientemente claros, mesmo diante da retórica debochada que menosprezava qualquer manifestação de oposição. Embalados pela onda de simpatia internacional, seus acólitos chegaram a lançar seu nome para o Nobel da Paz e para a Secretaria-Geral da ONU.
Nunca antes na história deste país um charlatão foi tão longe. Quando tinha influência real e podia liderar a tão desejada mudança de paradigma na política e na administração pública, preferiu os truques populistas. Enquanto isso, seus comparsas tentavam reduzir o Congresso a um mero puxadinho do gabinete presidencial, por meio da cooptação de parlamentares, convidados a participar do assalto aos cofres de estatais. A intenção era óbvia: deixar o caminho livre para a perpetuação do PT no poder.
O processo de destruição da democracia foi interrompido por um erro de Lula: julgando-se umkingmaker, escolheu a desconhecida Dilma Rousseff para suceder-lhe na Presidência e esquentar o lugar para sua volta triunfal quatro anos depois. Pois Dilma não apenas contrariou seu criador, ao insistir em concorrer à reeleição, como o enterrou de vez, ao provar-se a maior incompetente que já passou pelo Palácio do Planalto.
Assim, embora a história já tenha reservado a Dilma um lugar de destaque por ser a responsável pela mais profunda crise econômica que este país já enfrentou, será justo lembrar dela no futuro porque, com seu fracasso retumbante, ajudou a desmascarar Lula e o PT. Eis seu grande legado, pelo qual todo brasileiro de bem será eternamente grato.
Principal inimigo que detonou Dilma foi o pecado da soberba
Dilma diz que foi derrubada por um golpe do Congresso. Se tivesse o bom hábito de ler os doutores da Igreja saberia que o pecado foi dela: a soberba. Sem ouvir ninguém, sem ler ninguém, sem conversar com ninguém, ela empurrou a economia do país para o abismo. E ainda queria ficar mais dois anos brincando de casinha de boneca no Palácio do Planalto.
Encontro aqui em Salvador um mestre guardião da pátria: o doutor em economia, baiano, três vezes deputado federal pelo MDB e PMDB do Paraná, Hélio Duque, que com sua sabedoria, me mostra que Dilma não foi empurrada. Ela pulou.
1 – A pobreza do debate público no Brasil não fica limitada à sociedade. Penetra na política. A proposta do Governo de emenda constitucional para limitar o crescimento do gasto público vem sendo combatida pelos que não entendem a importância de uma gestão fiscal responsável. Sem forte ajuste nas contas públicas, impedindo que as despesas cresçam mais do que as receitas, torna-se impossível retomar o crescimento econômico. A brutal recessão que mergulhou a vida nacional na crise tem no descontrole das despesas sua origem.
2 – O Estado não é gerador de riqueza, mas arrecadador de tributos para devolver em benefício da sociedade, com investimentos em áreas essenciais para o desenvolvimento humano e econômico. Responsabilidade fiscal é um valor que deve ser cultivado pela sociedade, acima de preferências pessoais ou ideológicas. O governante deve em primeiro lugar estruturar uma boa administração econômica. Sem ela o fracasso é garantido. Governos populistas e corporativistas geram a disfuncionalidade do Estado.
3 – Grupos organizados no Congresso ensaiam, através de emendas incabíveis, torpedear o programa de ajuste e limitação das contas públicas. Desejam a perpetuação da tragédia econômica e social que pode ser vista na recessão econômica dos últimos anos: desemprego de 11 milhões de trabalhadores e um déficit fiscal de mais de 10% do PIB (Produto Interno Bruto), aumento da relação dívida bruta/PIB de 53% para 70% e déficit acumulado de mais de 400 bilhões de dólares. E uma taxa de inflação atingindo o poder aquisitivo dos assalariados, com imensa redução na inclusão social e distribuição de renda.
4 – A situação real da economia brasileira foi escondida da população por largo tempo, com a conivência dos partidos políticos que apoiavam o governo. Lamentavelmente, para muitos homens públicos política econômica e política social são coisas diferentes. Os populistas e os seus agregados infantilizados acreditam que a primeira é defensora dos ricos, poderosos e privilegiados, enquanto a segunda é uma conquista dos pobres e deve integrar o seu universo existencial. Nada mais falso. Elas estão integradas. São ligadas umbilicalmente. Os recursos gerados pela política econômica é que garantem o dinheiro para o investimento em educação, saúde, segurança, nos programas assistenciais e nos programas sociais. Não existe política social sem dinheiro, desde tempos imemoriais. Quando faltam recursos, a desigualdade social aumenta.
5 – Até 2014, a melhoria do padrão de vida de milhões de brasileiros permitiu que muitos ascendessem à baixa classe média, comprovando que sem crescimento da economia que gera emprego e salários melhores, é impossível garantir a ascensão social. A perversa e cruel realidade foi responsabilidade de um governo que acreditava que os recursos públicos são infinitos, não aceitando disciplina e responsabilidade na administração do dinheiro público.
6 – Os parlamentares brasileiros deveriam meditar sobre essa realidade, empenhando-se na aprovação das reformas sem as quais a crise econômica se agravará.O economista Mansueto Almeida, do Ministério da Fazenda sintetizou: “Se o Congresso não quiser aprovar a PEC contra o crescimento do gasto nem reforma da Previdência, não haverá ajuste fiscal.”
E sem ajuste fiscal, o governo terá de se financiar com juros crescentes, levando à explosão da dívida pública. Seria o descontrole da inflação e um tiro fatal na retomada do crescimento econômico.
O país está de olho no Congresso.
Não sabia de nada?
Dilma Rousseff está vivenciando provavelmente suas últimas horas como presidente do Brasil: tudo indica que ela será destituída do cargo. É o culminar de uma luta pelo poder sem precedentes.
Oficialmente, Dilma deve ser destituída da presidência por causa de manobras orçamentárias. Presidentes antes dela fizeram o mesmo, embora não em tão grande escala. O paradoxo é que muitos que impelem o impeachment de Dilma Rousseff estão afundados em escândalos. Dilma não enriqueceu no escândalo da Petrobras – provavelmente uma das poucas pessoas. Mas pode alguém que foi presidente do Conselho Administrativo da Petrobras realmente não ter sabido de nada?
Der Spiegel, A última luta de Dilma
Comunistas e a implosão do 'Estado Burguês'
O comunista Antonio Gramsci, “Il Gobbo”, ao perceber que a revolução bolchevique não passava de um inútil banho de sangue, levantou as principais coordenadas: “Primeiro” – disse ele – “você destrói a economia, depois destrói o Estado e, em seguida, acaba com a oposição. Aí, toma conta da sociedade. E a melhor maneira de destruir a sociedade capitalista é depravar sua economia”.
Mas como chegar a isso? Bem, o caminho prático para se chegar ao paraíso comunista seria o de “sobrecarregar” o Estado burguês capitalista. A ideia diabólica seria levar todo mundo a depender, dentro do sistema, das benesses do Estado e passar a mamar nas tetas do governo. Com o tempo, o peso do amparo à pobreza se tornaria insuportável e a sociedade capitalista ruiria, pois, como se sabe, a humanidade sempre viveu em regime de escassez.
Não há prática sem teoria. Assim, inspirado nas teses (doentias) de Gramsci e nas “regras radicais” de Saul Alinsky, agente da KGB infiltrado nas organizações sindicais da Chicago dos anos 30, especialista em fomentar “conquistas sociais”, Richard Cloword e Frances Fox Piven, um casal de fabianos, prescreveu a bula para destruir a democracia capitalista. Nas páginas da “Estratégia Cloword-Piven”, a dupla pontifica: “A economia burguesa será levada ao colapso por meio da crescente implementação da conquista de direitos patrocinados pelo Estado do bem-estar social”. E mais:
- Ao lado da distribuição das benesses sociais, será necessário ainda expandir o poder de atuação da burocracia visando a criação de leis e pacotes assistenciais e, fundamentado nelas, na expansão do eleitorado dependente do amparo do governo. “Com o aumento da lista de assistidos e a sobrecarga dos direitos sociais será inevitável a deflagração do caos na economia burguesa”.
Mas como chegar a isso? Bem, o caminho prático para se chegar ao paraíso comunista seria o de “sobrecarregar” o Estado burguês capitalista. A ideia diabólica seria levar todo mundo a depender, dentro do sistema, das benesses do Estado e passar a mamar nas tetas do governo. Com o tempo, o peso do amparo à pobreza se tornaria insuportável e a sociedade capitalista ruiria, pois, como se sabe, a humanidade sempre viveu em regime de escassez.
Não há prática sem teoria. Assim, inspirado nas teses (doentias) de Gramsci e nas “regras radicais” de Saul Alinsky, agente da KGB infiltrado nas organizações sindicais da Chicago dos anos 30, especialista em fomentar “conquistas sociais”, Richard Cloword e Frances Fox Piven, um casal de fabianos, prescreveu a bula para destruir a democracia capitalista. Nas páginas da “Estratégia Cloword-Piven”, a dupla pontifica: “A economia burguesa será levada ao colapso por meio da crescente implementação da conquista de direitos patrocinados pelo Estado do bem-estar social”. E mais:
- Ao lado da distribuição das benesses sociais, será necessário ainda expandir o poder de atuação da burocracia visando a criação de leis e pacotes assistenciais e, fundamentado nelas, na expansão do eleitorado dependente do amparo do governo. “Com o aumento da lista de assistidos e a sobrecarga dos direitos sociais será inevitável a deflagração do caos na economia burguesa”.
De fato, em vinte anos, para implodir o “sistema burguês” e se manter no poder fáustico, a canalha esquerdista criou cerca de 84 estatais e 39 ministérios prodigalizando regalias tipo “auxílio exclusão”, “seguro-defeso” e “bolsa família”, institucionalizando, assim, a malandragem pátria. Por exemplo: visando manter ativo um inusitado “Beneficio de Prestação Continuada” (BPC), para remunerar dependentes que nunca contribuíram com INSS, e que muitas vezes nem existem, o governo babá queima anualmente R$ 45 bilhões.
Outro exemplo claro da ação preconcebida para implodir a economia burguesa identifica-se na criação da Empresa de Planejamento e Logística destinada à construção do trem-bala, cujo projeto, abandonado, redunda no desperdício anual de milhões no custeio da folha de pagamento de funcionários ociosos.
Neste banquete de horror socialista, 300 mil ativistas terceirizados e 100 mil “boquinhas” comissionadas em ministérios e estatais se refestelam na grana pública.
Some-se a tudo isto, as despesas colossais com os salários nababescos das burocracias do executivo, legislativo e judiciário, incorporando aumentos crescentes e isonomias em cascata, bem como mordomias, viagens oficiais aos borbotões, para não falar nos bilhões dos fundos de pensões, nas fortunas para produções de filmes pornográficos e políticos, em shows permissivos de artistas engajados e mais o desperdício sem controle de verbas das universidades e de obras públicas fraudulentas que oficializam o sumidouro de propinas e roubos partidários e então... e então teremos a justificativa do porquê a economia burguesa dançou e o socialismo dos neomarxistas se impôs à nação perplexa, humilhada e ofendida.
PS – A julgar pelo que vocifera o sinuoso ministro Meirelles, mão de ferro do governo social-democrata da era Temer, caberá ao contribuinte (a descarnada classe média, por assim dizer) pagar o ônus da ruinosa “estratégia”. Ele sustenta, com dose de cinismo, que se não houver aumento da arrecadação pelo crescimento da produção, só restará ao governo o aumento da carga tributária, “pontual e temporário”, para se chegar ao inatingível “ajuste fiscal”. Como diria o carniceiro Lenin - o que fazer?
A estrela some
A ser coerente com a narrativa do seu discurso de defesa no Senado, Dilma Rousseff deveria percorrer o país de ponta a ponta, logo após a consumação do impeachment, e usar o palanque eleitoral do seu partido como trincheira de denúncia e resistência ao que ela e sua trupe chamam de golpe.
Isto tem possibilidade zero de acontecer.
Predomina no Partido dos Trabalhadores um clima de salve-se quem puder, ou de, em tempos de Murici, cada um cuida de si. Diferentemente de 2012, quando Lula e Dilma foram os carros-chefes da propaganda petista, a atual leva de candidatos a prefeito não quer os dois nos seus palanques, principalmente uma soberana escorraçada do trono, com imagem tão ou mais desgastada do que a da própria legenda.
Daqui para a frente a relação Dilma-PT tende a ser como aquele verso de uma música imortalizada por Caetano e Maysa: “podemos ser amigos simplesmente, coisas de amor nunca mais”.
Se é que houve amor entre os dois alguns dia; se é que não ficaram profundos ressentimentos, como revelou o ex-marido de Dilma, Carlos Araújo, normalmente uma pessoa discreta e reservada, ao blog Socialista morena:
“O PT está tentando fugir de sua responsabilidade, é vergonhoso isso. Quer atribuir a Dilma todos os problemas dele. Tudo que houve com ele, parece que não houve, é só por causa da Dilma que está mal. Quando a questão é inversa: o PT está mal pelos atos que cometeu, não puniu ninguém, não tomou atitudes, providências em relação aos bandidos que tinha dentro do partido, na direção do partido. Uma bandidagem. Tem que fazer um mea culpa e levar às últimas consequências, explicar para a sociedade, deve explicações para a sociedade. E, diante disso, trataram a Dilma muito mal, desde que começou esse rolo aí, sempre trataram mal”.
O desamor é mútuo. Em seu discurso no Senado, Dilma não citou o Partido dos Trabalhadores. Fez autoelogio, endeusou Lula, mas ao PT, nada. Quando fez referência, foi para dizer que “meu partido errou ao não apoiar a Lei da Responsabilidade Fiscal”. No mais, o Partido dos Trabalhadores foi o grande ausente na sua peça de oratória.
A estrela, símbolo do partido, sumiu nos programas televisivos dos principais candidatos petistas. Ou apareceu de forma tão minúscula, tão acanhada, como na propaganda do candidato a reeleição em São Paulo, Fernando Haddad, que para enxergá-la é necessária uma lupa. Aquela estrela vermelha imensa da logomarca de Haddad de 2012 escafedeu-se em 2016, virou um pontinho na tela de TV. Na logomarca de Raul Pont, candidato a prefeito de Porto Alegre e da ala esquerda do PT, a estrelinha também tomou chá de sumiço
O vermelho desbotou, sumiu do mapa. Em alguns casos “azulou”, como nas peças publicitárias do ex-deputado e atual prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida, que aderiu ao azul e amarelo, mais parecendo um tucano. Aquele mar vermelho não aparece nas bandeiras, deu lugar a uma proliferação de cores nas campanhas petistas.
Quem entrou na clandestinidade mesmo foi a sigla PT, banida da TV e das peças publicitárias. Qual é o partido de Haddad, de Raul Pont, de Reginaldo Lopes, candidato em BH, dos candidatos Carlinhos, Donizete Braga, de Mauá, e de Edinho Silva, candidato em Araraquara? Ninguém sabe!
Suas propagandas só informam que o número deles é 13. Um dos homens forte do governo Dilma, Edinho Silva omitiu até que foi seu ministro, na descrição de sua trajetória política.
É vexatório e emblemático do oceano de dificuldades no qual está submerso o Partido dos Trabalhadores. Vai disputar as eleições municipais com menor número de candidatos a prefeito, praticamente sem alianças ao centro, e tendo como grande parceiro o PC do B, seu seguidista desde sempre. Mais grave: sem um discurso efetivo, capaz de calar fundo no coração dos eleitores e de resgatar o brilho de uma estrela opaca.
A direção do PT gostaria imensamente de virar a página, marchar no rumo da refundação de um partido que perdeu o seu charme e está envolvido em suas próprias contradições, ou no mar de lama que criou. Nem mesmo Lula é mais unanimidade. Sua presença só é bem-vinda em palanques dos grotões do país. Em São Paulo e em outros grandes centros eleitorais virou uma mala sem alça, um andor difícil de carregar.
Imaginem então a Dilma. O discurso do “contra o golpe” não dá votos, razão pela qual só foi assumido por Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, ou por Raul Pont, que enfrenta em Porto Alegre uma dura concorrência pela esquerda, a da candidatura de Luciana Genro, do PSOL.
Nesse emaranhado de dificuldades, os candidatos petistas apelam para o mandraquismo, como se os eleitores fossem bobos e caíssem em truques de mágica.
Somem com a estrela. Correm o risco de sumirem das urnas.
Isto tem possibilidade zero de acontecer.
Predomina no Partido dos Trabalhadores um clima de salve-se quem puder, ou de, em tempos de Murici, cada um cuida de si. Diferentemente de 2012, quando Lula e Dilma foram os carros-chefes da propaganda petista, a atual leva de candidatos a prefeito não quer os dois nos seus palanques, principalmente uma soberana escorraçada do trono, com imagem tão ou mais desgastada do que a da própria legenda.
Daqui para a frente a relação Dilma-PT tende a ser como aquele verso de uma música imortalizada por Caetano e Maysa: “podemos ser amigos simplesmente, coisas de amor nunca mais”.
Se é que houve amor entre os dois alguns dia; se é que não ficaram profundos ressentimentos, como revelou o ex-marido de Dilma, Carlos Araújo, normalmente uma pessoa discreta e reservada, ao blog Socialista morena:
“O PT está tentando fugir de sua responsabilidade, é vergonhoso isso. Quer atribuir a Dilma todos os problemas dele. Tudo que houve com ele, parece que não houve, é só por causa da Dilma que está mal. Quando a questão é inversa: o PT está mal pelos atos que cometeu, não puniu ninguém, não tomou atitudes, providências em relação aos bandidos que tinha dentro do partido, na direção do partido. Uma bandidagem. Tem que fazer um mea culpa e levar às últimas consequências, explicar para a sociedade, deve explicações para a sociedade. E, diante disso, trataram a Dilma muito mal, desde que começou esse rolo aí, sempre trataram mal”.
O desamor é mútuo. Em seu discurso no Senado, Dilma não citou o Partido dos Trabalhadores. Fez autoelogio, endeusou Lula, mas ao PT, nada. Quando fez referência, foi para dizer que “meu partido errou ao não apoiar a Lei da Responsabilidade Fiscal”. No mais, o Partido dos Trabalhadores foi o grande ausente na sua peça de oratória.
A estrela, símbolo do partido, sumiu nos programas televisivos dos principais candidatos petistas. Ou apareceu de forma tão minúscula, tão acanhada, como na propaganda do candidato a reeleição em São Paulo, Fernando Haddad, que para enxergá-la é necessária uma lupa. Aquela estrela vermelha imensa da logomarca de Haddad de 2012 escafedeu-se em 2016, virou um pontinho na tela de TV. Na logomarca de Raul Pont, candidato a prefeito de Porto Alegre e da ala esquerda do PT, a estrelinha também tomou chá de sumiço
O vermelho desbotou, sumiu do mapa. Em alguns casos “azulou”, como nas peças publicitárias do ex-deputado e atual prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida, que aderiu ao azul e amarelo, mais parecendo um tucano. Aquele mar vermelho não aparece nas bandeiras, deu lugar a uma proliferação de cores nas campanhas petistas.
Quem entrou na clandestinidade mesmo foi a sigla PT, banida da TV e das peças publicitárias. Qual é o partido de Haddad, de Raul Pont, de Reginaldo Lopes, candidato em BH, dos candidatos Carlinhos, Donizete Braga, de Mauá, e de Edinho Silva, candidato em Araraquara? Ninguém sabe!
Suas propagandas só informam que o número deles é 13. Um dos homens forte do governo Dilma, Edinho Silva omitiu até que foi seu ministro, na descrição de sua trajetória política.
É vexatório e emblemático do oceano de dificuldades no qual está submerso o Partido dos Trabalhadores. Vai disputar as eleições municipais com menor número de candidatos a prefeito, praticamente sem alianças ao centro, e tendo como grande parceiro o PC do B, seu seguidista desde sempre. Mais grave: sem um discurso efetivo, capaz de calar fundo no coração dos eleitores e de resgatar o brilho de uma estrela opaca.
A direção do PT gostaria imensamente de virar a página, marchar no rumo da refundação de um partido que perdeu o seu charme e está envolvido em suas próprias contradições, ou no mar de lama que criou. Nem mesmo Lula é mais unanimidade. Sua presença só é bem-vinda em palanques dos grotões do país. Em São Paulo e em outros grandes centros eleitorais virou uma mala sem alça, um andor difícil de carregar.
Imaginem então a Dilma. O discurso do “contra o golpe” não dá votos, razão pela qual só foi assumido por Jandira Feghali, do PC do B do Rio de Janeiro, ou por Raul Pont, que enfrenta em Porto Alegre uma dura concorrência pela esquerda, a da candidatura de Luciana Genro, do PSOL.
Nesse emaranhado de dificuldades, os candidatos petistas apelam para o mandraquismo, como se os eleitores fossem bobos e caíssem em truques de mágica.
Somem com a estrela. Correm o risco de sumirem das urnas.
terça-feira, 30 de agosto de 2016
O dia D de Dilma
Eu vos escrevo do passado. Hoje é o dia D de Dilma. Como terá sido o discurso de Dilma no Senado? Bem, fazer mea-culpa nem pensar. Eu a entendo. Ninguém sai na rua ou vai ao Senado para bater no peito e dizer: “Eu sou um (a) incompetente, eu sou responsável pela quebra do país!” Tudo bem, mas a autocrítica era um hábito recorrente durante aquele ex-socialismo que ainda viceja nas cabeças petistas. Lembro-me da hilariante autocrítica de um alto dirigente chinês durante a Revolução Cultural: “Eu sou um cão imperialista, eu sou o verme dos arrozais...”
E, como estou no domingo passado, me pergunto: como terá sido o discurso? Sem dúvida, Dilma falou com sinceridade total (não é ironia), falou de sua alma revolucionária.
O discurso de Dilma é para ela mesma. Para se convencer fundamente de que não cometeu erro algum. Vocês já viram. Eu imagino:
“Começo dizendo que minha consciência está em paz. Quando entrei em 2010, o Brasil estava ameaçado por ideologias reacionárias: a social-democracia, o neoliberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra essa sociedade de empresários irresponsáveis e também contra o lucro. Fiz o fundamental: coloquei o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ignorantes, essa classe média reacionária, como bem acusou nossa filósofa. O Brasil é tão frágil que só um grande Estado provedor pode proteger as massas nas lutas sociais que elas nem sabem que estão travando; mas eu sei, porque nós somos a consciência do povo.
“Sou acusada de ter dilapidado as contas do país, rompendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rompi, sim. Pois eu tive orgulho de usar o Estado e seu tesouro acumulado para estimular o consumo tão ansiado pelos pobres-diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham ficado vazios para investir. Populismo? Eu chamo de ‘catequese’, conquista de adeptos para o grande futuro que virá! Gasto público é vida! Eu não podia ficar aprisionada naquela leizinha de responsabilidade neoliberal que o FHC inventou. Fiz isso, sim, porque meus fins justificavam esse meio; o fim era garantir apoio para as próximas eleições do nosso PT, para ficarmos no poder desse país alienado até a chegada do futuro socialista.
“Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, dei verbas gordas para seus currais, nobres senadores. Fiz isso porque sei que, às vezes, é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?
Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, confesso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Por isso, fiz vista grossa, sim, quando aquele Cerveró me entregou uma página solta, com uma piscadinha do olhinho vesgo.
“Tenho orgulho de tudo que fiz. Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit público. Mas foram mentiras que chamo de ‘corrupção revolucionária’. Ah, esse meu povo, tão ignorante, desvalido. A miséria me fazia feliz. Explico: denunciar a miséria era um alívio para minha consciência. Desculpem a emoção (chora), mas há uma pureza doce na miséria que me comove muito (lágrimas). Mas nós, do PT, somos os sujeitos da história e, apesar de vossa injustiça contra nós, vamos construir o paraíso social.
“Meus fins uniram o país. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei. Não me arrependo de nada. Houve corrupção? Sim, mas adstrita a alguns elementos desonestos que traíram nossa missão. Dizem que roubamos; não, a palavra não é essa – é apenas a ‘desapropriação’ de um tesouro comprometido com metas neoliberais... Isso é o que fizemos.
“É muito difícil desenvolver este país de merda, desculpem o termo. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é mais revolucionária – seria uma espécie de ‘esculhambação criativa’ para arrasar administrações de direita.
“Foi isso que fez nosso líder Chávez, assassinado pelos imperialistas que lhe injetaram câncer no corpo e, depois que ele virou passarinho, passaram a roubar até os alimentos do povo, botando a culpa em nossos irmãos bolivarianos.
“Nosso povo também não sabe se governar. Por isso, digo, democracia clássica como? Para nós, ‘democracia’ sempre foi uma estratégia para tomada do poder. E não era hipocrisia; era dialética histórica. Tínhamos de apoiar a democracia burguesa para depois fazer o centralismo democrático que tanto usou nosso grande irmão Stálin, injustiçado por aqueles dois fascistas Kruschev e Gorbachev.
“Eu sou inocente, pura, não tenho dinheiro na Suíça, e toda minha paixão lancinante pelo povo brasileiro foi confundida com desonestidade e incompetência. As massas ainda vão sentir a minha falta, debaixo de um governo neoliberal que só pensa em contabilidade.
“Vocês hoje me baniram, mas vão se arrepender no futuro, pois o Brasil nasceu torto e nunca será consertado, nem por Temer, nem por ninguém.
“Arrependei-vos, fariseus do templo, pois, como disse a querida Gleisi Hoffmann: esse Senado não tem moral para me julgar.
“Estou sofrendo um golpe. Sim, não adiantam rituais, votações; repito, sim, que é golpe tramado por essas instituições de direita, como o STF, o Congresso, o Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal.
“Estou orgulhosa de mim. Como Getúlio, saio da Presidência para entrar na história. E, para terminar, cito o líder maoista João Pedro Stédile quando disse aos camponeses: ‘ Tenham filhos – eles conhecerão o socialismo!’ E eu acrescento: seus filhos vão respeitar minha imagem no futuro. Adeus!”.
Estou no passado, amigos leitores, mas deve ter sido algo mais ou menos assim. O que acham?
E, como estou no domingo passado, me pergunto: como terá sido o discurso? Sem dúvida, Dilma falou com sinceridade total (não é ironia), falou de sua alma revolucionária.
O discurso de Dilma é para ela mesma. Para se convencer fundamente de que não cometeu erro algum. Vocês já viram. Eu imagino:
“Começo dizendo que minha consciência está em paz. Quando entrei em 2010, o Brasil estava ameaçado por ideologias reacionárias: a social-democracia, o neoliberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra essa sociedade de empresários irresponsáveis e também contra o lucro. Fiz o fundamental: coloquei o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ignorantes, essa classe média reacionária, como bem acusou nossa filósofa. O Brasil é tão frágil que só um grande Estado provedor pode proteger as massas nas lutas sociais que elas nem sabem que estão travando; mas eu sei, porque nós somos a consciência do povo.
“Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, dei verbas gordas para seus currais, nobres senadores. Fiz isso porque sei que, às vezes, é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?
Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, confesso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Por isso, fiz vista grossa, sim, quando aquele Cerveró me entregou uma página solta, com uma piscadinha do olhinho vesgo.
“Tenho orgulho de tudo que fiz. Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit público. Mas foram mentiras que chamo de ‘corrupção revolucionária’. Ah, esse meu povo, tão ignorante, desvalido. A miséria me fazia feliz. Explico: denunciar a miséria era um alívio para minha consciência. Desculpem a emoção (chora), mas há uma pureza doce na miséria que me comove muito (lágrimas). Mas nós, do PT, somos os sujeitos da história e, apesar de vossa injustiça contra nós, vamos construir o paraíso social.
“Meus fins uniram o país. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei. Não me arrependo de nada. Houve corrupção? Sim, mas adstrita a alguns elementos desonestos que traíram nossa missão. Dizem que roubamos; não, a palavra não é essa – é apenas a ‘desapropriação’ de um tesouro comprometido com metas neoliberais... Isso é o que fizemos.
“É muito difícil desenvolver este país de merda, desculpem o termo. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é mais revolucionária – seria uma espécie de ‘esculhambação criativa’ para arrasar administrações de direita.
“Foi isso que fez nosso líder Chávez, assassinado pelos imperialistas que lhe injetaram câncer no corpo e, depois que ele virou passarinho, passaram a roubar até os alimentos do povo, botando a culpa em nossos irmãos bolivarianos.
“Nosso povo também não sabe se governar. Por isso, digo, democracia clássica como? Para nós, ‘democracia’ sempre foi uma estratégia para tomada do poder. E não era hipocrisia; era dialética histórica. Tínhamos de apoiar a democracia burguesa para depois fazer o centralismo democrático que tanto usou nosso grande irmão Stálin, injustiçado por aqueles dois fascistas Kruschev e Gorbachev.
“Eu sou inocente, pura, não tenho dinheiro na Suíça, e toda minha paixão lancinante pelo povo brasileiro foi confundida com desonestidade e incompetência. As massas ainda vão sentir a minha falta, debaixo de um governo neoliberal que só pensa em contabilidade.
“Vocês hoje me baniram, mas vão se arrepender no futuro, pois o Brasil nasceu torto e nunca será consertado, nem por Temer, nem por ninguém.
“Arrependei-vos, fariseus do templo, pois, como disse a querida Gleisi Hoffmann: esse Senado não tem moral para me julgar.
“Estou sofrendo um golpe. Sim, não adiantam rituais, votações; repito, sim, que é golpe tramado por essas instituições de direita, como o STF, o Congresso, o Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal.
“Estou orgulhosa de mim. Como Getúlio, saio da Presidência para entrar na história. E, para terminar, cito o líder maoista João Pedro Stédile quando disse aos camponeses: ‘ Tenham filhos – eles conhecerão o socialismo!’ E eu acrescento: seus filhos vão respeitar minha imagem no futuro. Adeus!”.
Estou no passado, amigos leitores, mas deve ter sido algo mais ou menos assim. O que acham?
Os dias seguintes
Banksy |
Alguns protagonistas da política estarão em novas posições depois de amanhã, quando setembro chegar, se confirmadas as previsões sobre o julgamento político de hoje no Senado.
Destituída da Presidência, Dilma Rousseff fica inelegível pelos próximos oito anos, até os 76 de idade. Volta à planície dos cidadãos, agora sem foro privilegiado e sob investigação criminal. Terá a companhia do antecessor Lula, que em outubro completa 70 anos.
Ambos são personagens de inquérito conduzido pelo juiz Teori Zavascki, do Supremo, por suspeita de obstrução à Justiça na apuração de crimes de corrupção na Petrobras.
Michel Temer deixa a presidência interina para virar sucessor definitivo. Será, no entanto, um presidente “sub judice”, dependente de uma decisão da Justiça sobre o seu mandato.
Isso porque o impeachment não afeta o processo em curso para impugnação da chapa Dilma-Temer. Eles foram acusados por abuso de poder, uso da máquina estatal e financiamento ilícito na campanha de 2014.
Deposta da Presidência, Dilma sai desses autos. Temer passa a ser o único réu. Por ironia, a iniciativa judicial foi do PSDB, hoje principal avalista do governo Temer no Congresso.
O vice se defendeu, em abril, cinco semanas antes de a Câmara afastar a presidente. Pediu julgamento separado das contas de campanha. Sendo individuais, argumentou, ele não poderia responder por eventuais crimes de Dilma.
Juízes do TSE identificam problemas. Um deles é a jurisprudência estabelecida, contrária a julgamentos separados de contas de candidatos da mesma chapa. Outro está na defesa em conjunto apresentada por Temer e Dilma ao tribunal, em 2015, com a mesma argumentação.
Assim, acrescentam, existiriam em tese poucas chances de Temer não ser condenado.
Pelo rigor da lei, ele precisaria demonstrar que não foi beneficiário direto de ilegalidades provadas. E atestar uma suposta “irrelevância” na contribuição do vice à eleição do presidente — ou seja, mostrar que o PMDB não influenciou na votação dos seus candidatos em 2014.
A decisão do tribunal eleitoral está prevista para o início do ano que vem. Será um marco na gestão do juiz-presidente do TSE, Gilmar Mendes, tanto pelo caráter inédito quanto pelas consequências.
Definirá se Temer cumpre o restante do mandato, até dezembro de 2018. Ou, então, se perde a presidência e se aposenta da política, por estar inelegível até completar 83 anos. Como resultado, abriria caminho para o Congresso escolher um dos seus para mandato-tampão até à eleição seguinte.
Essa seria outra amarga ironia: a cassação da presidente e do vice eleitos pelo voto direto conduziria à eleição indireta num Legislativo atropelado por múltiplos inquéritos sobre corrupção e pela desconfiança dos eleitores — apenas dois em cada dez dizem confiar na instituição, informa o Ibope.
Visto de hoje, o futuro parece mais favorável a Temer do que a Dilma. Tendo êxito na recuperação da economia, possivelmente contará com a indulgência característica das cortes onde juízes são políticos vestidos de toga.
É o cenário da República para quando setembro vier, depois de amanhã — descontado o imponderável, aquilo que se convencionou chamar de Lava-Jato.
José Casado
A merda é o ouro dos espertos
A inversão é fascinante. A Olimpíada foi idealizada, em 2009, para colocar no pódio o Brasil grande. A apoteose do eterno país do futuro que finalmente chegava a um presente grandioso. Em 2016, o “sucesso” da festa busca recolocar o Brasil não apenas como o país que – ainda – tem futuro, mas como o país da “superação”. Não se trata mais, como era em 2009, de lançar a Olimpíada como a imagem que expressa “a verdade final” sobre o país. Em 2016, a Olimpíada é disputada, pelos vários atores, como a imagem capaz de tapar os buracos de um país. E devolver uma unidade, qualquer uma, ou um consenso, qualquer um, a um Brasil partido não em dois, mas em vários pedaços.
Em 2009, a questão era: veja como somos capazes de construir um país. Em 2016, a questão tornou-se: veja como somos capazes de fazer uma festa.
Não dá para tratar essa mudança de paradigma, como tantos têm tratado, como se fosse a mesma coisa. O foco, aqui, são as interpretações simbólicas dessa Olimpíada num momento tão agudo do Brasil. E o papel que exercem sobre a construção da realidade.
Quando dizem orgulhosos que a Baía da Guanabara estava maravilhosa e que o Rio continua lindo, trata-se da festa. A pergunta que trata de um país é: mas a Baía da Guanabara foi despoluída? E a resposta é não. A resposta é: a Baía da Guanabara continua cheia de merda.
Quando dizem eufóricos que nenhum atleta pegou Zika vírus, a pergunta é: mas e a população do Rio? Está salva do Zika e, mais do que do Zika, da dengue? E as mulheres que tiveram e ainda terão crianças com sérios danos cerebrais, têm e terão acesso à proteção e à saúde? Estas são as perguntas que tratam do país – e não da festa.
Quando dizem esfuziantes que o Rio nunca foi tão seguro como nos 17 dias de Olimpíada e que os mais de 80.000 policiais e soldados deveriam continuar nas ruas para defender os cidadãos “de bem”, a pergunta é: e nas comunidades? Morreu gente nas favelas, e não apenas o soldado da Força Nacional Hélio Andrade. Em geral, ele é considerado a única baixa no período dos jogos, já que os demais mortos são aqueles que o país se acostumou a considerar “matáveis”.Pelo menos 31 pessoas morreram e outras 51 ficaram feridas em 95 tiroteios no Rio Olímpico, segundo a Anistia Internacional. Não interessa para a festa? Deveria interessar para o país.
Qual foi o custo financeiro dessa festa (gastos ainda à espera de transparência), para um estado que decretou situação de “calamidade pública” menos de dois meses antes do megaevento, para uma cidade falida e para um país em crise? Quem mede o sucesso ou quem diz o que é sucesso? Ou sucesso para quem? Certamente não para os milhares de “removidos” para a realização das obras.
A frase no Facebook é cristalina: “Somos um país de pés-rapados, mas arrasamos numa festa”. Diante do país sem rosto, cola-se a cara gasta de sempre, a de que somos muito bons em festa. E na festa somos cordiais, alegres e hospitaleiros. Assim, tenta-se tapar buracos que já não podem ser tapados. Conflitos que já não podem ser encobertos pela “festa da miscigenação”. Mitos em decomposição.E, importante, sucesso aos olhos de quem? Quando alguém exalta que a Baía da Guanabara estava límpida, o que se entende é que a pessoa comemora o feito de conseguir esconder por duas semanas a merda dos olhos dos “gringos”, a quem interessa mostrar que seguimos bonitos por natureza. E alegres, muito alegres.
Este é um país em que as cenas de pessoas se espancando por usarem camisetas de cores diferentes se tornaram corriqueiras. Era de se prever que qualquer unidade, onde não há nenhuma, qualquer consenso, onde não há nenhum, seria agarrado por quem disputa a narrativa. É bastante fascinante que a unidade forjada, que o brasileiro único, “O” brasileiro, seja, de novo e mais uma vez, essa pessoa muito boa em festa. É bastante fascinante que os brasileiros, que – ainda bem – já não podem dizer quem são ou o que são, possam ter o conforto de uma identidade fugaz. Ainda que essa identidade seja a de “arrasar na festa”.
É também assim que se invoca, de novo e mais uma vez, o Complexo de Vira-Lata, conceito do cronista Nelson Rodrigues, grande intérprete do futebol e do Brasil do século 20. Obviamente o vira-lata é sempre o outro. A suspeita de que a Olimpíada não iria funcionar – ou “dar certo” – seria fruto da falta de autoestima dos brasileiros, que se sentiriam inferiorizados diante dos gringos. Cogita-se também a possibilidade de que o verdadeiro vira-lata seja aquele que tem como única medida o olhar dos gringos e que necessita da sua aprovação para saber se tem valor. O curioso é que, na tese da viralatização, usa-se a festa como categoria totalizante. Se em alguns casos isso pode ser só um problema cognitivo, em outros soa como má fé.O mais fascinante, porém, é que essa narrativa tem se imposto com muito pouca crítica. A Olimpíada se deu com o processo de impeachment em curso. Acabaram os jogos e começou o julgamento da presidente Dilma Rousseff no Senado. Em vez de interpretar os sentidos, disputa-se a autoria do “sucesso”. E, assim, em nome da agenda de ocasião, ou da eleição de 2018, ocultam-se – ou mesmo apagam-se – as contradições. Apresentada – e consensuada pelos vários atores políticos – como um legado de “sucesso”, a quem pertence a Olimpíada é tudo o que passa a interessar. Em vez de disputar o país, disputa-se a festa. É nesse nível o rebaixamento do debate.
É aí que entra um conceito essencial para compreender o momento: “superação”. A Olimpíada de 2009 foi sonhada como o coroamento de um país que já se superou. Ou que já se tornou sua própria promessa, com a melhoria da qualidade de vida de dezenas de milhões e a redução das desigualdades. Uma nação que já havia pavimentado seu lugar entre as grandes economias do mundo, um Brasil de “cidadania plena”, um “país de primeira classe”. Na Olimpíada de 2016, é a superação que passa a ser a qualidade de todo um país. A qualidade em si, o moto-contínuo. O looping eterno. O pé-rapado, que continua pé-rapado, mas que arrasa na festa.
É assim que nossos atletas tornam-se sempre “histórias de superação” a serem enaltecidas. Gente como Rafaela Silva e Isaquias Queiroz. Se eles superaram todas as desigualdades e assimetrias do Brasil e tornaram-se atletas capazes de ganhar medalhas no pódio, é um orgulho para eles. Mas é imperativo lembrar que venceram apesar do Brasil. E esse fato deveria ser motivo de vergonha para o país.
Consumido pela máquina de fazer dinheiro que envolve mídia e megaeventos, o que é exceção – vencer contra tudo e contra todos – é convertido em qualidade totalizante. Assim, é o Brasil inteiro que se torna o país “da superação”. É a Olimpíada “da superação”. O que deveria ser vergonha, o fato de o país não garantir a base mínima para suas crianças e jovens desenvolverem suas potencialidades no esporte – e também na matemática e na literatura –, é convertido em orgulho nacional.
Em 2009, a questão era: veja como somos capazes de construir um país. Em 2016, a questão tornou-se: veja como somos capazes de fazer uma festa.
Não dá para tratar essa mudança de paradigma, como tantos têm tratado, como se fosse a mesma coisa. O foco, aqui, são as interpretações simbólicas dessa Olimpíada num momento tão agudo do Brasil. E o papel que exercem sobre a construção da realidade.
Quando dizem orgulhosos que a Baía da Guanabara estava maravilhosa e que o Rio continua lindo, trata-se da festa. A pergunta que trata de um país é: mas a Baía da Guanabara foi despoluída? E a resposta é não. A resposta é: a Baía da Guanabara continua cheia de merda.
Quando dizem eufóricos que nenhum atleta pegou Zika vírus, a pergunta é: mas e a população do Rio? Está salva do Zika e, mais do que do Zika, da dengue? E as mulheres que tiveram e ainda terão crianças com sérios danos cerebrais, têm e terão acesso à proteção e à saúde? Estas são as perguntas que tratam do país – e não da festa.
Qual foi o custo financeiro dessa festa (gastos ainda à espera de transparência), para um estado que decretou situação de “calamidade pública” menos de dois meses antes do megaevento, para uma cidade falida e para um país em crise? Quem mede o sucesso ou quem diz o que é sucesso? Ou sucesso para quem? Certamente não para os milhares de “removidos” para a realização das obras.
A frase no Facebook é cristalina: “Somos um país de pés-rapados, mas arrasamos numa festa”. Diante do país sem rosto, cola-se a cara gasta de sempre, a de que somos muito bons em festa. E na festa somos cordiais, alegres e hospitaleiros. Assim, tenta-se tapar buracos que já não podem ser tapados. Conflitos que já não podem ser encobertos pela “festa da miscigenação”. Mitos em decomposição.E, importante, sucesso aos olhos de quem? Quando alguém exalta que a Baía da Guanabara estava límpida, o que se entende é que a pessoa comemora o feito de conseguir esconder por duas semanas a merda dos olhos dos “gringos”, a quem interessa mostrar que seguimos bonitos por natureza. E alegres, muito alegres.
Este é um país em que as cenas de pessoas se espancando por usarem camisetas de cores diferentes se tornaram corriqueiras. Era de se prever que qualquer unidade, onde não há nenhuma, qualquer consenso, onde não há nenhum, seria agarrado por quem disputa a narrativa. É bastante fascinante que a unidade forjada, que o brasileiro único, “O” brasileiro, seja, de novo e mais uma vez, essa pessoa muito boa em festa. É bastante fascinante que os brasileiros, que – ainda bem – já não podem dizer quem são ou o que são, possam ter o conforto de uma identidade fugaz. Ainda que essa identidade seja a de “arrasar na festa”.
É também assim que se invoca, de novo e mais uma vez, o Complexo de Vira-Lata, conceito do cronista Nelson Rodrigues, grande intérprete do futebol e do Brasil do século 20. Obviamente o vira-lata é sempre o outro. A suspeita de que a Olimpíada não iria funcionar – ou “dar certo” – seria fruto da falta de autoestima dos brasileiros, que se sentiriam inferiorizados diante dos gringos. Cogita-se também a possibilidade de que o verdadeiro vira-lata seja aquele que tem como única medida o olhar dos gringos e que necessita da sua aprovação para saber se tem valor. O curioso é que, na tese da viralatização, usa-se a festa como categoria totalizante. Se em alguns casos isso pode ser só um problema cognitivo, em outros soa como má fé.O mais fascinante, porém, é que essa narrativa tem se imposto com muito pouca crítica. A Olimpíada se deu com o processo de impeachment em curso. Acabaram os jogos e começou o julgamento da presidente Dilma Rousseff no Senado. Em vez de interpretar os sentidos, disputa-se a autoria do “sucesso”. E, assim, em nome da agenda de ocasião, ou da eleição de 2018, ocultam-se – ou mesmo apagam-se – as contradições. Apresentada – e consensuada pelos vários atores políticos – como um legado de “sucesso”, a quem pertence a Olimpíada é tudo o que passa a interessar. Em vez de disputar o país, disputa-se a festa. É nesse nível o rebaixamento do debate.
É aí que entra um conceito essencial para compreender o momento: “superação”. A Olimpíada de 2009 foi sonhada como o coroamento de um país que já se superou. Ou que já se tornou sua própria promessa, com a melhoria da qualidade de vida de dezenas de milhões e a redução das desigualdades. Uma nação que já havia pavimentado seu lugar entre as grandes economias do mundo, um Brasil de “cidadania plena”, um “país de primeira classe”. Na Olimpíada de 2016, é a superação que passa a ser a qualidade de todo um país. A qualidade em si, o moto-contínuo. O looping eterno. O pé-rapado, que continua pé-rapado, mas que arrasa na festa.
É assim que nossos atletas tornam-se sempre “histórias de superação” a serem enaltecidas. Gente como Rafaela Silva e Isaquias Queiroz. Se eles superaram todas as desigualdades e assimetrias do Brasil e tornaram-se atletas capazes de ganhar medalhas no pódio, é um orgulho para eles. Mas é imperativo lembrar que venceram apesar do Brasil. E esse fato deveria ser motivo de vergonha para o país.
Consumido pela máquina de fazer dinheiro que envolve mídia e megaeventos, o que é exceção – vencer contra tudo e contra todos – é convertido em qualidade totalizante. Assim, é o Brasil inteiro que se torna o país “da superação”. É a Olimpíada “da superação”. O que deveria ser vergonha, o fato de o país não garantir a base mínima para suas crianças e jovens desenvolverem suas potencialidades no esporte – e também na matemática e na literatura –, é convertido em orgulho nacional.
Visão delirante
O pronunciamento de defesa da presidente afastada Dilma Rousseff serve para resumir a visão parcial que têm ela e companheiros do processo de deterioração da economia e do quadro social do país, de que são responsáveis.
Na visão de Dilma, a crise surge do nada em 2015, com a consequente queda da arrecadação. Na sua versão dos fatos não existe o estelionato eleitoral praticado por ela e aliados, na campanha de 2014, jogando para debaixo do tapete a gravidade da situação fiscal e mantendo a inflação artificialmente baixa, por meio do condenável represamento de tarifas.
Como esperado, Dilma recusa a acusação de que atropelou o Congresso na edição de decretos de gastos,sem a aprovação do Legislativo, e argumenta, como fez sua defesa durante todo o processo, que seu governo cumpriu a meta estabelecida para 2015. Esquece-se, como sua defesa, que a meta teve de ser alterada no final do ano. Ou seja, alterou-se o tamanho do gol para a bola entrar, depois do jogo iniciado e prestes a acabar.
Dilma também não consegue se defender da acusação das “pedaladas”, o artifício de transferir rombos do Tesouro para bancos oficiais, ao não ressarci-los pelos subsídios distribuídos, uma operação mascarada de crédito à União, vetada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Um ato, bem como os créditos abertos sem aprovação do Congresso, considerado crime de responsabilidade, punido por impeachment.
A presidente afastada desafia a prudência ao misturar momentos históricos muito diversos, ao se comparar a Getúlio Vargas, a Juscelino Kubitschek e a João Goulart. Mas vale tudo para insistir na farsa do “golpe”. Também é insensata a tentativa da presidente afastada em comparar o julgamento pelo qual passou na Justiça Militar, na ditadura, com o atual, tramitando dentro de todas as normas estabelecidas em leis e na Constituição.
Dilma sequer enrubesceu ao insistir na farsa, mesmo na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.
O pronunciamento da presidente afastada visa também a reforçar uma “narrativa” pela qual, aprovado, o impeachment terá sido uma conspiração das “elites” feita sob o “silêncio cúmplice da mídia”. Trata-se de um delírio conveniente, para encobrir o desrespeito, comprovado de forma sólida, da Constituição e da Lei de Responsabilidade.
Ora, tudo transcorre dentro do estado democrático de direito, substituindo-se, pelo Congresso, e garantido todo o direito de defesa, uma presidente que cometeu crimes de responsabilidade pelo seu vice, eleito em chapa única pelos mesmo 54 milhões de votos. Simples assim.
Editorial - O Globo
Na visão de Dilma, a crise surge do nada em 2015, com a consequente queda da arrecadação. Na sua versão dos fatos não existe o estelionato eleitoral praticado por ela e aliados, na campanha de 2014, jogando para debaixo do tapete a gravidade da situação fiscal e mantendo a inflação artificialmente baixa, por meio do condenável represamento de tarifas.
Dilma também não consegue se defender da acusação das “pedaladas”, o artifício de transferir rombos do Tesouro para bancos oficiais, ao não ressarci-los pelos subsídios distribuídos, uma operação mascarada de crédito à União, vetada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Um ato, bem como os créditos abertos sem aprovação do Congresso, considerado crime de responsabilidade, punido por impeachment.
A presidente afastada desafia a prudência ao misturar momentos históricos muito diversos, ao se comparar a Getúlio Vargas, a Juscelino Kubitschek e a João Goulart. Mas vale tudo para insistir na farsa do “golpe”. Também é insensata a tentativa da presidente afastada em comparar o julgamento pelo qual passou na Justiça Militar, na ditadura, com o atual, tramitando dentro de todas as normas estabelecidas em leis e na Constituição.
Dilma sequer enrubesceu ao insistir na farsa, mesmo na presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.
O pronunciamento da presidente afastada visa também a reforçar uma “narrativa” pela qual, aprovado, o impeachment terá sido uma conspiração das “elites” feita sob o “silêncio cúmplice da mídia”. Trata-se de um delírio conveniente, para encobrir o desrespeito, comprovado de forma sólida, da Constituição e da Lei de Responsabilidade.
Ora, tudo transcorre dentro do estado democrático de direito, substituindo-se, pelo Congresso, e garantido todo o direito de defesa, uma presidente que cometeu crimes de responsabilidade pelo seu vice, eleito em chapa única pelos mesmo 54 milhões de votos. Simples assim.
Editorial - O Globo
Deposição de Dilma aumentará sangria de Lula
A história vive atrás de algo capaz de resumir uma época, seja a delação da Odebrecht ou a fatura do cartão de crédito internacional da mulher de Eduardo Cunha. Os brasileiros do futuro talvez escolham como um desses momentos marcantes a presença de Lula nas galerias do Senado como espectador do discurso de autodefesa de Dilma Rousseff no processo de impeachment.
Dirão que foi um momento histórico porque, assim como seu governo já tinha cronologicamente acabado em dezembro de 2010, só então, cinco anos e meio depois de Lula ter usado sua superpopularidade para içar um poste à poltrona de presidente da República, o mito foi mesmo enterrado.
Depois de passar à história como primeiro presidente a fazer a sucessora duas vezes, Lula se reposiciona diante da posteridade como um criador que foi desfeito pela criatura. Hoje, o impeachment é visto como um pesadelo do qual Dilma tenta acordar. No futuro, dirão que a deposição de Dilma foi uma trama de Lula contra si mesmo.
Seu estilo de governar manipulando opostos e firmando alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões se revelaria uma rendição à oligarquia empresarial. A pseudo-esperteza de vender uma incapaz como supergerente produziu um conto do vigário no qual a maioria do eleitorado caiu.
Restou a imagem de um Lula que —convertido em réu por um juiz da primeira instância de Brasília e em indiciado pela Polícia Federal em Curitiba— vai às galerias do Senado na condição de detrito. Destituído de seus superpoderes, apenas observa o derretimento de sua criatura, na luxuosa companhia de Chico Buarque, autoconvertido em inocente inútil. O ex-mito virou um personagem hemorrágico.
Dirão que foi um momento histórico porque, assim como seu governo já tinha cronologicamente acabado em dezembro de 2010, só então, cinco anos e meio depois de Lula ter usado sua superpopularidade para içar um poste à poltrona de presidente da República, o mito foi mesmo enterrado.
Seu estilo de governar manipulando opostos e firmando alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões se revelaria uma rendição à oligarquia empresarial. A pseudo-esperteza de vender uma incapaz como supergerente produziu um conto do vigário no qual a maioria do eleitorado caiu.
Restou a imagem de um Lula que —convertido em réu por um juiz da primeira instância de Brasília e em indiciado pela Polícia Federal em Curitiba— vai às galerias do Senado na condição de detrito. Destituído de seus superpoderes, apenas observa o derretimento de sua criatura, na luxuosa companhia de Chico Buarque, autoconvertido em inocente inútil. O ex-mito virou um personagem hemorrágico.
Incompetência também prejudica
Uma presidente no banco dos réus
A senhora que ocupa o banco dos réus no Senado Federal enquanto desabafo nestas linhas o meu aborrecimento cívico foi mais um sinistro na longa cadeia de infortúnios que o presidencialismo vem causando ao país. Nunca se supôs que fosse tão longe. Menos ainda era imaginável que inusitada maré de azares e artifícios permitisse a Lula eleger e reeleger Dilma Rousseff. Que possibilidade teria a senhora do banco dos réus de chegar à presidência, não fosse a unção proporcionada por Lula? Nenhuma! A gestão de Dilma é produto de uma conjunção fatal, urdida nos mais obscuros desvãos do universo.
Mas não foram apenas forças oblíquas e fatídicas as tecelãs dos fios que nos arrastam ao dia 29 de agosto. Não! Até nossas míseras e mal concebidas instituições acabaram por trazer à superfície o submundo do governo petista, numa continuidade que remonta ao início do primeiro mandato de Lula e ao mensalão, que outra coisa não foi senão a primeira pipoca a explodir na escabrosa pipoqueira da gestão petista nos negócios nacionais. Foi desse submundo que vieram, para as campanhas eleitorais dos partidos ligados ao governo, especialmente para as eleições presidenciais, os recursos tomados pelo aparelho criminoso que conjugou esforços para consolidar seu projeto de poder. No conjunto da obra, sobre a qual a senhora do banco dos réus não quer ouvir menção, não podemos desconsiderar a ilegitimidade dos meios financeiros que foram proporcionados ao partido. Nem o desequilíbrio que isso proporcionou às suas campanhas mediante a laboriosa e continuada ação de tesoureiros, operadores, doleiros e marqueteiros.
Percival Puggina
É golpe?
A defesa da presidente afastada e a própria presidente afastada, não fossem bastante técnica e materialmente comprovados os equívocos dos lançamentos contábeis voluntários junto à determinação de praticá-los, apela para a consciência de seus juízes (na Câmara dos Deputados e no Senado Federal) para a alternativa muito cômoda de que o processo que ora tramita na Câmara Alta compõe golpe político. Assim tentaram seus procuradores, vigorosamente na primeira etapa, e alguns membros (áulicos, melhor dizendo) entoaram em altas vozes em seus respectivos votos que, de fato, aquele procedimento configurava golpe. Não atinam seus prosélitos que esta manifestação solerte repercute mal para o país no concerto das nações.
Quer seja decretada a procedência da pronúncia ou não, o processo a que se submeteu D. Dilma é, primeiramente, constitucional, e o convencimento de seus juízes deriva de uma conclusão política porque a Lei Maior assim o quer. Se um suposto golpe tem raiz constitucional, então seu curso não configura golpe. Em segundo lugar, a apreciação da acusação na primeira fase envolveu, além da dissecação de sua procedência, minuciosamente demonstrada por atos e documentos exibidos e apontados pelo insuspeito prof. Miguel Reale (por isto mesmo recrutado por Lula para seu ministério), também representa um paralelo político, que é o motor do processo. Não se nega, pela verdade, que parlamentares não simpáticos à presidente afastada aproveitam-se da circunstância para contribuir para torcer para sua queda, também estimulados por seus eleitores ou mesmo atendendo à conveniência de cada qual. Mas, em síntese, o que provocou o pedido de impedimento foram fatos relatados e provados ou apontados como de rebeldia do Executivo às balizas orçamentárias e fiscais em vigor no ordenamento jurídico da República.
O processo ainda em curso no Senado Federal teve origem em petição longa e minuciosa subscrita por ninguém menos que o ilustre homem público Hélio Bicudo (que tão somente interpretou o sentimento das ruas), não apenas um cidadão do mais alto conceito, mas membro respeitável da fundação do Partido dos Trabalhadores, intelectual que elegeu os ideais programáticos da legenda e que, até indignar-se ou rebelar-se contra as ações partidárias erráticas daquela agremiação, constituía uma voz ouvida e respeitada das facções do PT. Começa por aí a legitimidade do processo movido contra a presidente afastada. Seu acusador original, todos sabemos, está acima de interesses pessoais, e elaborou o pedido sob o manto de sua formação cívica.
Ainda, para desfazer o alarido de que o acolhimento do pedido pela Câmara dos Deputados resultou de retaliação ou vingança de seu presidente por animosidade circunstancial a D. Dilma, também não prevalece, porque o deputado Eduardo Cunha já havia recebido dezenas de petições de igual fim, até com teores diferentes, e não as despachara; a de Hélio Bicudo ainda aguardou tempo, até que o presidente, presumível ou discricionariamente aguardava decisões e atos de D. Dilma que viessem a dissipar a desconfortável posição política em que a presidente se encontrava.
Contudo, o elemento fundamental que distingue o procedimento ora em tramitação para o de golpe é que a acusação não surgiu das sombras, não atacou pela noite, mas à luz solar, provinda de uma autoridade que preside o parlamento, todo ele eleito pelo povo. Não houve coação para que se deferisse a petição de Hélio Bicudo, o presidente da Câmara atuou em juízo subjetivo, que lhe é imputado pelo regimento. O processo transcorreu sem atropelos naquela casa e, por fim, alcançou o plenário, em que os que o compunham, membros de todos os matizes ideológicos, eleitos pelo povo, votaram livremente, pública e solenemente, à luz das câmeras, sem notas destoantes que merecessem queixa por qualquer irregularidade. E a sessão que deferiu o impedimento foi delirantemente aplaudida pelas ruas, que lhe deram impulso e força. Já a ocorrência de golpe identifica-se, primeiramente, pela surpresa, filha da trama e da urdidura. Assim foi o golpe de 64, em que seus executores planejaram sua execução em surdina, sem participação popular, e avançaram militarmente para ocupar pontos estratégicos sem consultar o povo, sponte sua, afastando as até então autoridades e provendo os postos ocupados a seu alvedrio e conveniência. Aí sim, estava materializado o golpe, que veio a durar 20 anos.
Os defensores da tese de golpe estão à mingua de fatos relevantes e longe da verdade.
O tempo o dirá.
José Maria Couto Moreira
Quer seja decretada a procedência da pronúncia ou não, o processo a que se submeteu D. Dilma é, primeiramente, constitucional, e o convencimento de seus juízes deriva de uma conclusão política porque a Lei Maior assim o quer. Se um suposto golpe tem raiz constitucional, então seu curso não configura golpe. Em segundo lugar, a apreciação da acusação na primeira fase envolveu, além da dissecação de sua procedência, minuciosamente demonstrada por atos e documentos exibidos e apontados pelo insuspeito prof. Miguel Reale (por isto mesmo recrutado por Lula para seu ministério), também representa um paralelo político, que é o motor do processo. Não se nega, pela verdade, que parlamentares não simpáticos à presidente afastada aproveitam-se da circunstância para contribuir para torcer para sua queda, também estimulados por seus eleitores ou mesmo atendendo à conveniência de cada qual. Mas, em síntese, o que provocou o pedido de impedimento foram fatos relatados e provados ou apontados como de rebeldia do Executivo às balizas orçamentárias e fiscais em vigor no ordenamento jurídico da República.
Ainda, para desfazer o alarido de que o acolhimento do pedido pela Câmara dos Deputados resultou de retaliação ou vingança de seu presidente por animosidade circunstancial a D. Dilma, também não prevalece, porque o deputado Eduardo Cunha já havia recebido dezenas de petições de igual fim, até com teores diferentes, e não as despachara; a de Hélio Bicudo ainda aguardou tempo, até que o presidente, presumível ou discricionariamente aguardava decisões e atos de D. Dilma que viessem a dissipar a desconfortável posição política em que a presidente se encontrava.
Contudo, o elemento fundamental que distingue o procedimento ora em tramitação para o de golpe é que a acusação não surgiu das sombras, não atacou pela noite, mas à luz solar, provinda de uma autoridade que preside o parlamento, todo ele eleito pelo povo. Não houve coação para que se deferisse a petição de Hélio Bicudo, o presidente da Câmara atuou em juízo subjetivo, que lhe é imputado pelo regimento. O processo transcorreu sem atropelos naquela casa e, por fim, alcançou o plenário, em que os que o compunham, membros de todos os matizes ideológicos, eleitos pelo povo, votaram livremente, pública e solenemente, à luz das câmeras, sem notas destoantes que merecessem queixa por qualquer irregularidade. E a sessão que deferiu o impedimento foi delirantemente aplaudida pelas ruas, que lhe deram impulso e força. Já a ocorrência de golpe identifica-se, primeiramente, pela surpresa, filha da trama e da urdidura. Assim foi o golpe de 64, em que seus executores planejaram sua execução em surdina, sem participação popular, e avançaram militarmente para ocupar pontos estratégicos sem consultar o povo, sponte sua, afastando as até então autoridades e provendo os postos ocupados a seu alvedrio e conveniência. Aí sim, estava materializado o golpe, que veio a durar 20 anos.
Os defensores da tese de golpe estão à mingua de fatos relevantes e longe da verdade.
O tempo o dirá.
José Maria Couto Moreira
Preocupação mata todos os dias e nos impede de viver
Aos que creem, falta compreender o famoso “não vos preocupeis com o dia de amanhã”. Somos viciados em sofrer por antecipação, viver de forma atribulada e aflita. A cada ano ou década, aceleramos nossa mente ao extremo e, masoquistas que somos, obsessivamente acumulamos e retransmitimos notícias ruins, tragédias, dramas que sangram nossos corações e secam nosso afeto. Afinal, qual o sentido da vida? Por que tanto apego? Por que tanto medo de morrer ou perder alguém amado se cada vez mais reclamamos de tudo e de todos? Já afirmei que a preocupação é o mais devastador câncer mental que existe. Afinal, há mais de 30 anos ouço no consultório, em palestra ou na vida social “doutor, eu morro de preocupação de perder meus filhos” ou “morro de preocupação com o futuro, de adoecer, de perder emprego, quando meus filhos saem, de ter câncer” e toda uma mortandade mental constante e torturante.
Segundo a física quântica, pensar equivale a agir, assertiva que nos leva à conclusão de que preocupados morrem a cada pensamento que emitem nesse sentido. Um verdadeiro velório eletroquímico-cerebral. “Meu filho não chegou até agora, e se ele sofreu acidente – ou usou droga, foi preso, sequestrado e outros dramas piores?”. Ora, o coitado do cérebro é um mero escravo da mente, que busca adaptar o corpo às mudanças ambientais ou psíquicas. A mente é geradora dos softwares, o cérebro apenas os roda, é um hardware.
Triste o mundo mental dos preocupados, diria, que infernal. Afinal, vivem morrendo e renascem sempre com as preocupações torturando-os com chicotes de culpa, de ciúmes, de raiva, de perfeccionismo, de obrigações e deveres, do medo de errar, de ser mal falado, de envelhecer, de engordar ou sei lá mais o quê. Ser traído? Pecar? O que não falta é fantasma para assombrar sua pesada existência. E se for para o inferno? Bobo, já vive nele. Tem dinheiro? É melhor se preocupar, afinal, e se perco? E se os herdeiros brigarem, gastarem tudo e morarem debaixo da ponte? Não tem dinheiro? Como fechar o mês e sair do Serasa? Tem trabalho? E se perder? Não tem? E se não achar?
Fico pensando em uma versão de olimpíadas de preocupação. Afinal, todos acham que seus problemas são os piores do mundo. Que nada! Não vale nem bronze. Ou uma feira persa de preocupações: “olha aí, minha gente, troco as preocupações com dois filhos adolescentes por preocupação de ficar solteira”. Ou ainda: “troco preocupação de envelhecer por preocupação com corpo gordinho”.
Enfim, somos a civilização que vive morrendo de medo e preocupação e ressuscitando a cada dia para viver de novos medos e preocupações. E sabe o que é pior? A maioria de nós ainda se diz pessoas de fé. Ora, quem tem fé não se preocupa. Tudo passa, o tempo cura. Não é à toa que no cemitério do Bonfim, em BH, está escrito em latim “Aos mortos, dos que vão morrer”. Por falar nisso, bem-vindos à vida, os que não temem a morte.
Triste o mundo mental dos preocupados, diria, que infernal. Afinal, vivem morrendo e renascem sempre com as preocupações torturando-os com chicotes de culpa, de ciúmes, de raiva, de perfeccionismo, de obrigações e deveres, do medo de errar, de ser mal falado, de envelhecer, de engordar ou sei lá mais o quê. Ser traído? Pecar? O que não falta é fantasma para assombrar sua pesada existência. E se for para o inferno? Bobo, já vive nele. Tem dinheiro? É melhor se preocupar, afinal, e se perco? E se os herdeiros brigarem, gastarem tudo e morarem debaixo da ponte? Não tem dinheiro? Como fechar o mês e sair do Serasa? Tem trabalho? E se perder? Não tem? E se não achar?
Fico pensando em uma versão de olimpíadas de preocupação. Afinal, todos acham que seus problemas são os piores do mundo. Que nada! Não vale nem bronze. Ou uma feira persa de preocupações: “olha aí, minha gente, troco as preocupações com dois filhos adolescentes por preocupação de ficar solteira”. Ou ainda: “troco preocupação de envelhecer por preocupação com corpo gordinho”.
Enfim, somos a civilização que vive morrendo de medo e preocupação e ressuscitando a cada dia para viver de novos medos e preocupações. E sabe o que é pior? A maioria de nós ainda se diz pessoas de fé. Ora, quem tem fé não se preocupa. Tudo passa, o tempo cura. Não é à toa que no cemitério do Bonfim, em BH, está escrito em latim “Aos mortos, dos que vão morrer”. Por falar nisso, bem-vindos à vida, os que não temem a morte.
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
Cada um cria, à sua maneira, uma realidade que só existe em sua mente
Gente é bicho complicado. E, ao dizer isso, não me excluo, pois também sou complicado. Só que, modéstia à parte, procuro, tanto quanto possível, manter-me coerente com o que suponho ser a realidade dos fatos.
Digo isso porque, com frequência, conversando com essa ou aquela pessoa, surpreendo-me com a capacidade que elas têm de amoldar a realidade ao que creem –ou lhes convêm– ser a verdade.
Às vezes, tento mostrar-lhes que a coisa não é bem assim, mas de nada adianta, pois, ao que tudo indica, a verdade não lhes importa e, sim, a versão que inventaram.
Já contei aqui a conversa que mantive com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade.
– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.
– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.
Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.
Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente. É claro, porém, que não ocorre só com gente da área política e muito menos da chamada esquerda.
Na área da religião e, sobretudo, das seitas religiosas, a realidade é muitas vezes coisa ignorada. São exceções, mas conseguem adeptos e criam instituições que, de uma maneira ou de outra, atuam na sociedade. Há mesmo os espertos que fundam seitas ou "igrejas" e, depois que conseguem um número considerável de seguidores, as vendem a supostos profetas. Bem, como diz a Maria, minha empregada, neste mundo há de um tudo.
Sim, há, mas nem sempre a coisa chega a esse ponto. Há exemplos mais discretos, embora sejam, de qualquer forma, uma maneira de desconhecer a verdade. E, mesmo admitindo que são exemplos diversos dos mencionados, não deixam de me espantar, por exemplo, a insistência com que algumas pessoas teimam em afirmar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff é um golpe.
É verdade que quem inventou isso sabe que é mentira e muitas dessas pessoas que o repetem também sabem, mas, apesar de o saberem e, por isso mesmo, fingem que acreditam.
Não estou dizendo nada de novo e, sim, tão somente, manifestando minha surpresa, uma vez que muitas dessas pessoas que o afirmam são plenamente informadas de tudo o que aconteceu: de como surgiu o processo do impeachment e de como se desenvolveu ao longo de mais de nove meses, obedecendo a todas as normas e exigências legais.
Basta dizer que, em certo momento desse processo, 44 testemunhas depuseram em defesa da acusada, e isso sem falar nas infindáveis sessões de debates, em que os seus defensores lançavam mão de sofismas e barganhas para anular o processo.
Todos os recursos foram utilizados para impedir que o impeachment fosse adiante. Na etapa final, o processo foi presidido, nada mais, nada menos, pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, aquelas mesmas pessoas insistem em dizer que se trata de um golpe.
Confesso que tenho dificuldade de entender esse tipo de comportamento. Com facilidade compreendo que uma pessoa desinformada ou inculta deixe-se levar por falsas verdades e demagogias. Mas, quando se trata de alguém que tem pleno conhecimento dos procedimentos legais e das instituições envolvidas no caso, aí não dá para entender.
Ou dá, se assumirmos que o cara engana a si mesmo e, nem à noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite que está se enganando.
Ferreira Gullar
Digo isso porque, com frequência, conversando com essa ou aquela pessoa, surpreendo-me com a capacidade que elas têm de amoldar a realidade ao que creem –ou lhes convêm– ser a verdade.
Às vezes, tento mostrar-lhes que a coisa não é bem assim, mas de nada adianta, pois, ao que tudo indica, a verdade não lhes importa e, sim, a versão que inventaram.
Já contei aqui a conversa que mantive com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade.
– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.
– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.
Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.
Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente. É claro, porém, que não ocorre só com gente da área política e muito menos da chamada esquerda.
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Sim, há, mas nem sempre a coisa chega a esse ponto. Há exemplos mais discretos, embora sejam, de qualquer forma, uma maneira de desconhecer a verdade. E, mesmo admitindo que são exemplos diversos dos mencionados, não deixam de me espantar, por exemplo, a insistência com que algumas pessoas teimam em afirmar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff é um golpe.
É verdade que quem inventou isso sabe que é mentira e muitas dessas pessoas que o repetem também sabem, mas, apesar de o saberem e, por isso mesmo, fingem que acreditam.
Não estou dizendo nada de novo e, sim, tão somente, manifestando minha surpresa, uma vez que muitas dessas pessoas que o afirmam são plenamente informadas de tudo o que aconteceu: de como surgiu o processo do impeachment e de como se desenvolveu ao longo de mais de nove meses, obedecendo a todas as normas e exigências legais.
Basta dizer que, em certo momento desse processo, 44 testemunhas depuseram em defesa da acusada, e isso sem falar nas infindáveis sessões de debates, em que os seus defensores lançavam mão de sofismas e barganhas para anular o processo.
Todos os recursos foram utilizados para impedir que o impeachment fosse adiante. Na etapa final, o processo foi presidido, nada mais, nada menos, pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, aquelas mesmas pessoas insistem em dizer que se trata de um golpe.
Confesso que tenho dificuldade de entender esse tipo de comportamento. Com facilidade compreendo que uma pessoa desinformada ou inculta deixe-se levar por falsas verdades e demagogias. Mas, quando se trata de alguém que tem pleno conhecimento dos procedimentos legais e das instituições envolvidas no caso, aí não dá para entender.
Ou dá, se assumirmos que o cara engana a si mesmo e, nem à noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite que está se enganando.
Ferreira Gullar
Faces perversas do autoritarismo no Brasil
Apesar dos mais de 30 anos de redemocratização, ainda vivemos sob o império do autoritarismo. O chocante é que muitos dos que o praticam não se consideram autoritários. Essa é uma questão complexa que envolve interpretação e comportamento, além das regras existentes. Envolve também a precária educação cívica dos brasileiros, que não têm ideia de seus direitos e deveres.
Nosso autoritarismo tem raízes profundas no Brasil colônia, onde o caráter subalterno de nossa gente era transversal às classes - desde a senzala, passando pela casa-grande, até os paços do reino. Cada um esmagando o menor com o abuso de poder e de autoridade.
Mesmo com as lutas, revoluções e reconstruções das instituições políticas visando ao estabelecimento de regime democrático concreto, o autoritarismo resiste em nossa sociedade de forma bastante pronunciada e se expressa de diversas formas e em vários lugares: no dia a dia das cidades; nas repartições públicas; nas escolas; nas redes sociais; nas relações de consumo; na Justiça e na política; no “neopeleguismo” dos sindicatos de trabalhadores e de patrões, dominados pelo clientelismo.
Nosso autoritarismo está expresso no ônibus que não para no ponto. Na recepção grosseira ao paciente humilde que chega ao hospital público. No comportamento do Estado, que manipula, empreende, financia, regula, coopta, suborna, faz vista grossa para o corporativismo e elege campeões que ganham medalhas no sistema financeiro estatal.
No campo da Justiça, o autoritarismo revela-se no ativismo judicial, que é ir além do que prega o mandamento constitucional, e se expressa, por exemplo, ao se desconsiderarem as novas determinações do Código de Processo Civil de estimular o entendimento entre as partes. A condução coercitiva independente de prévia intimação e mesmo negativa injustificada a comparecer para depor também o são. Para dizer o mínimo.
Existe ainda o ativismo burocrático, que cobra atitudes da cidadania a partir de interpretações largas e ilegais do que seriam as regras e se expressa por meio decisões sem o devido amparo legal. A mesma burocracia que é resistente aos programas de desburocratização e impõe uma cerca de proteção aos seus interesses, senta-se em cima das licenças ambientais por conta de seus interesses políticos ou ideológicos.
O corporativismo que submete o povo a greves intermináveis ou a operações tartaruga no serviço público, sem que haja uma intervenção decisiva da autoridade judicial, também se mostra egoísta e autoritário. A omissão da Justiça nesses casos é imperdoável. Também o é o paternalismo da legislação trabalhista, que impede acordos entre patrões e empregados e impõe uma tutela que nem sempre é adequada aos interesses de quem trabalha.
Mas o autoritarismo não reside apenas no sistema judiciário, um dos mais caros do mundo e um dos menos eficientes, e na burocracia, cuja produtividade é risível quando voltada para o cidadão e admirável quando dedicada à cobrança de tributos. O autoritarismo também propõe e incentiva o patrulhamento ideológico. Quem está fora da curva do pensamento politicamente correto pode ser trucidado.
O império do autoritarismo tem ainda sua face na superficialidade das análises e das opiniões. Não sabemos de nada e por isso sabemos de tudo. Muitos têm apenas palavras vazias para todas as opiniões, que devem ser dadas num mar de mediocridade. Achar que todo político é ladrão e que todas as opiniões que nos aborrecem são vendidas também é autoritário. Assim como parar em fila dupla e avançar o sinal de trânsito.
É autoritário concordar com a injustiça quando o réu nos desagrada. Da mesma forma, é autoritário condenar a justiça quando o réu nos é simpático. O autoritarismo está presente ainda nas interpretações de que tudo o que o Poder Executivo propõe deve ser aceito sem questionamento no Legislativo, como se o “hiperpresidencialismo” que nos escraviza devesse ser a regra. No mínimo, revelamos ignorância do papel dos Poderes da República e de suas autonomias.
Nosso autoritarismo está cristalizado na relação subalterna entre a sociedade e o Estado. Antes, essa relação decorria de um arranjo de oligarquias que controlavam o País. Mais recentemente, decorre do paternalismo de esquerda, que, ao tempo em que aparelha a máquina pública, trata a cidadania como dependente, e não como os devidos patrões da Nação.
Também é lamentável ver a burocracia, sob a complacência da Justiça, ganhar salários acima do teto constitucional, em prova cabal da omissão e do desrespeito aos interesses da cidadania. Assim como usar a corrupção para financiar partidos e campanhas ou usar as verbas do Fundo Partidário para pagar mordomias.
No sistema político, o sistema partidário caótico e sua absurda fragmentação não são uma expressão saudável da democracia. São um produto da submissão do debate de ideias e programas ao interesse rasteiro de muitos caciques e chefes políticos que fazem qualquer negócio pelo poder. Como disse o político britânico Benjamin Disraeli, “danem-se os princípios, o que interessa é o partido”. Prática de muitos que governaram o País nas últimas décadas.
Estamos em lenta evolução, mas ainda na infância da democracia. E engatinhando numa creche de baixíssima qualidade quando se trata de educação cívica voltada para os direitos e os deveres da cidadania. Ainda levará tempo para nos livrarmos desse carma. Em longo prazo, com melhor educação e o trabalho consciente de formadores de opinião talvez possamos vencer esta etapa da nossa construção social cidadã e democrática, derrotando o autoritarismo que nos contamina.
Murillo de Aragão
Nosso autoritarismo tem raízes profundas no Brasil colônia, onde o caráter subalterno de nossa gente era transversal às classes - desde a senzala, passando pela casa-grande, até os paços do reino. Cada um esmagando o menor com o abuso de poder e de autoridade.
Mesmo com as lutas, revoluções e reconstruções das instituições políticas visando ao estabelecimento de regime democrático concreto, o autoritarismo resiste em nossa sociedade de forma bastante pronunciada e se expressa de diversas formas e em vários lugares: no dia a dia das cidades; nas repartições públicas; nas escolas; nas redes sociais; nas relações de consumo; na Justiça e na política; no “neopeleguismo” dos sindicatos de trabalhadores e de patrões, dominados pelo clientelismo.
No campo da Justiça, o autoritarismo revela-se no ativismo judicial, que é ir além do que prega o mandamento constitucional, e se expressa, por exemplo, ao se desconsiderarem as novas determinações do Código de Processo Civil de estimular o entendimento entre as partes. A condução coercitiva independente de prévia intimação e mesmo negativa injustificada a comparecer para depor também o são. Para dizer o mínimo.
Existe ainda o ativismo burocrático, que cobra atitudes da cidadania a partir de interpretações largas e ilegais do que seriam as regras e se expressa por meio decisões sem o devido amparo legal. A mesma burocracia que é resistente aos programas de desburocratização e impõe uma cerca de proteção aos seus interesses, senta-se em cima das licenças ambientais por conta de seus interesses políticos ou ideológicos.
O corporativismo que submete o povo a greves intermináveis ou a operações tartaruga no serviço público, sem que haja uma intervenção decisiva da autoridade judicial, também se mostra egoísta e autoritário. A omissão da Justiça nesses casos é imperdoável. Também o é o paternalismo da legislação trabalhista, que impede acordos entre patrões e empregados e impõe uma tutela que nem sempre é adequada aos interesses de quem trabalha.
Mas o autoritarismo não reside apenas no sistema judiciário, um dos mais caros do mundo e um dos menos eficientes, e na burocracia, cuja produtividade é risível quando voltada para o cidadão e admirável quando dedicada à cobrança de tributos. O autoritarismo também propõe e incentiva o patrulhamento ideológico. Quem está fora da curva do pensamento politicamente correto pode ser trucidado.
O império do autoritarismo tem ainda sua face na superficialidade das análises e das opiniões. Não sabemos de nada e por isso sabemos de tudo. Muitos têm apenas palavras vazias para todas as opiniões, que devem ser dadas num mar de mediocridade. Achar que todo político é ladrão e que todas as opiniões que nos aborrecem são vendidas também é autoritário. Assim como parar em fila dupla e avançar o sinal de trânsito.
É autoritário concordar com a injustiça quando o réu nos desagrada. Da mesma forma, é autoritário condenar a justiça quando o réu nos é simpático. O autoritarismo está presente ainda nas interpretações de que tudo o que o Poder Executivo propõe deve ser aceito sem questionamento no Legislativo, como se o “hiperpresidencialismo” que nos escraviza devesse ser a regra. No mínimo, revelamos ignorância do papel dos Poderes da República e de suas autonomias.
Nosso autoritarismo está cristalizado na relação subalterna entre a sociedade e o Estado. Antes, essa relação decorria de um arranjo de oligarquias que controlavam o País. Mais recentemente, decorre do paternalismo de esquerda, que, ao tempo em que aparelha a máquina pública, trata a cidadania como dependente, e não como os devidos patrões da Nação.
Também é lamentável ver a burocracia, sob a complacência da Justiça, ganhar salários acima do teto constitucional, em prova cabal da omissão e do desrespeito aos interesses da cidadania. Assim como usar a corrupção para financiar partidos e campanhas ou usar as verbas do Fundo Partidário para pagar mordomias.
No sistema político, o sistema partidário caótico e sua absurda fragmentação não são uma expressão saudável da democracia. São um produto da submissão do debate de ideias e programas ao interesse rasteiro de muitos caciques e chefes políticos que fazem qualquer negócio pelo poder. Como disse o político britânico Benjamin Disraeli, “danem-se os princípios, o que interessa é o partido”. Prática de muitos que governaram o País nas últimas décadas.
Estamos em lenta evolução, mas ainda na infância da democracia. E engatinhando numa creche de baixíssima qualidade quando se trata de educação cívica voltada para os direitos e os deveres da cidadania. Ainda levará tempo para nos livrarmos desse carma. Em longo prazo, com melhor educação e o trabalho consciente de formadores de opinião talvez possamos vencer esta etapa da nossa construção social cidadã e democrática, derrotando o autoritarismo que nos contamina.
Murillo de Aragão
E se Dilma ganhar
Um pequeno país declara guerra aos Estados Unidos. E vence. Esse o enredo principal de romance que li, faz muitos anos. Anos demais. O autor já nem lembro, acontece. Tudo se passou num tempo em que éramos mais jovens, mais magros e, provavelmente, mais felizes. O enredo trata do futuro. O que fazer depois de ganhar uma guerra dessas. Vale a pena transpor esse enredo para nosso Brasil de hoje.
Imaginemos que o impeachment não seja aprovado. Que os votos, no Senado, não sejam suficientes para que a Senhora deixe de ser inquilina do Palácio da Alvorada. Nesse caso, o que acontece depois?, eis a questão.
Como vai governar com menos de 30% da Câmara dos Deputados? E menos da metade do Senado? E com quem vai governar? Seu amigos mais próximos estão presos. Ou sendo processados por corrupção. Ou indiciados penalmente. Ela própria vai ter problemas com a Justiça. Será com esses que vai recuperar o Brasil?
A escassa base de apoio social que tem é reacionária - no sentido de ser contra qualquer tipo de mudança. Pensam nas suas corporações, mais que no interesse coletivo. E não aceitarão qualquer ação nesse sentido. Como vai, então, propor alguma reforma estrutural? Na previdência?, nem pensar. Em campo nenhum.
E quem vai cuidar da economia? Volta Mantega? Ou Nelson Barbosa? Nenhum deles deu certo, já se viu. Ou ela acredita que Meireles e os atuais gestores dessa economia atenderão a algum pedido para que fique? Mais provável é que vão embora, na hora. As incertezas vão cobrar um preço duro, na estabilidade econômica e social do país.
É sobre isso que deveria estar falando. Oferecendo, ao indeterminado cidadão comum, segurança sobre o futuro do país sob seu comando. Caso acreditasse, claro, que tem mesmo alguma chance de voltar ao poder. Ato falho, diriam os psicanalistas. Seu silêncio, em relação a esses temas, são a melhor prova de que não acredita verdadeiramente nessa volta.
Ela sabe que o futuro de seu partido depende da sua saída, agora. E de que a gestão da economia, nesse governo que chama hoje de interino, seja desastrosa. Nos dois próximos anos. Só assim o PT teria alguma chance de voltar ao poder. E esse discurso do golpe até ajuda, nos palanques. O que não quer dizer que seja uma discrição factual correta. Longe disso, amigo leitor. Longe disso.
Por isso tudo que diz, ou faz, é pensando em sua biografia. Na posteridade. Em seus netos. Nos amigos. Como ser humano, tem direito de aspirar a um lugar mais digno na história. É legítimo. O que não quer dizer que seu discurso tenha qualquer aderência com a realidade. Ninguém tem prazer em contemplar sua tragédia pessoal, claro. Mas temos pressa. Que o Brasil precisa voltar a ter um chance de dar certo. O que, com ela, não existe. Todos sabem disso. Ela sabe.
Imaginemos que o impeachment não seja aprovado. Que os votos, no Senado, não sejam suficientes para que a Senhora deixe de ser inquilina do Palácio da Alvorada. Nesse caso, o que acontece depois?, eis a questão.
Como vai governar com menos de 30% da Câmara dos Deputados? E menos da metade do Senado? E com quem vai governar? Seu amigos mais próximos estão presos. Ou sendo processados por corrupção. Ou indiciados penalmente. Ela própria vai ter problemas com a Justiça. Será com esses que vai recuperar o Brasil?
E quem vai cuidar da economia? Volta Mantega? Ou Nelson Barbosa? Nenhum deles deu certo, já se viu. Ou ela acredita que Meireles e os atuais gestores dessa economia atenderão a algum pedido para que fique? Mais provável é que vão embora, na hora. As incertezas vão cobrar um preço duro, na estabilidade econômica e social do país.
É sobre isso que deveria estar falando. Oferecendo, ao indeterminado cidadão comum, segurança sobre o futuro do país sob seu comando. Caso acreditasse, claro, que tem mesmo alguma chance de voltar ao poder. Ato falho, diriam os psicanalistas. Seu silêncio, em relação a esses temas, são a melhor prova de que não acredita verdadeiramente nessa volta.
Ela sabe que o futuro de seu partido depende da sua saída, agora. E de que a gestão da economia, nesse governo que chama hoje de interino, seja desastrosa. Nos dois próximos anos. Só assim o PT teria alguma chance de voltar ao poder. E esse discurso do golpe até ajuda, nos palanques. O que não quer dizer que seja uma discrição factual correta. Longe disso, amigo leitor. Longe disso.
Por isso tudo que diz, ou faz, é pensando em sua biografia. Na posteridade. Em seus netos. Nos amigos. Como ser humano, tem direito de aspirar a um lugar mais digno na história. É legítimo. O que não quer dizer que seu discurso tenha qualquer aderência com a realidade. Ninguém tem prazer em contemplar sua tragédia pessoal, claro. Mas temos pressa. Que o Brasil precisa voltar a ter um chance de dar certo. O que, com ela, não existe. Todos sabem disso. Ela sabe.
Cinco razões para darmos adeus a Dilma
O excesso, não a falta, é o que dificulta enumerar os motivos para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência.
Quem assume tal tarefa se vê diante de duas alternativas: resumi-los numa única sentença, dizendo que ela nunca deveria ter estado lá, ou elaborar um esquema lógico parcimonioso, que permita reduzi-los a um número manejável.
Opto pelo segundo caminho, tentando compactar meu argumento em cinco pontos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, é a ilegalidade ou, se preferirem, a posição de ilegitimidade formal em que Dilma se colocou.
Refiro-me aqui, naturalmente, aos crimes de responsabilidade que embasam o impeachment. Como Estado constitucional que é, o Brasil não poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Não poderia manter na Presidência um titular que, além de reiteradamente demonstrar desapreço pelas instituições da democracia representativa, não hesitou a atropelar os limites da legalidade no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.
Especificamente, autorizar créditos suplementares sem a aprovação do Congresso equivale a desconsiderar a necessidade de uma lei orçamentária e a ignorar a existência do Legislativo como contrapeso ao Executivo, atingindo dessa forma, em seu âmago, a forma republicana e democrática de governo.
Os quatro pontos que abordarei a seguir têm a ver com o que se pode, apropriadamente, denominar ilegitimidade material, ou substantiva.
Para se eleger e reeleger presidente, Dilma Rousseff participou de uma farsa arquitetada pelo ex-presidente Lula, farsa assentada, como se recorda, sobre três pilares principais: a popularidade de Lula (à época superior a 80%), embustes publicitários levados ao paroxismo e recursos de origem ilícita jorrando em abundância. Aqui, como antecipei, não se trata de ilegitimidade formal, mas material.
Do ponto de vista estritamente jurídico e ex ante, não havia como questionar tal trama. Cabia questioná-la, isso sim, em termos do que o sociólogo Émile Durkheim chamaria de "elementos não contratuais do contrato", ou seja, do ponto de vista da lealdade a regras não escritas da vida política e do regime democrático, que excluem postulações farsescas como as de Dilma Rousseff em 2010.
Com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia, e disso Lula sabia melhor que ninguém. Mas sabia também que sua popularidade pessoal, as mágicas do publicitário da corte e a cornucópia da Petrobras seriam suficientes para alçar sua pupila às alturas do Planalto. Docemente constrangida, Dilma aquiesceu, ou seja, prestou-se a tal farsa.
O terceiro fator que me propus a abordar é a incompetência gerencial de Dilma e sua interface com a corrupção. Para bem expor esse ponto, creio ser útil entrelaçá-lo com a campanha presidencial de 2014. Àquela altura, como sabemos, a derrocada econômica já comia solta.
A questão central era (como é até hoje, dados os desatinos do primeiro mandato de Dilma) o desarranjo das contas públicas. Aqui entra a questão da accountability, anglicismo inevitável quando se trata de discutir a ilegitimidade material de um governo.
Se as palavras ditas durante a campanha fossem levadas a sério, Dilma teria que admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Não o fez, como bem sabemos. Ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável.
Explica-se: no leme, além dela mesma, encontravam-se Lula e João Santana, um trio para o qual malícia e política podem perfeitamente caminhar de braço dado. O resultado aí está à vista de todos: um país economicamente destroçado, com 11,6 milhões de desempregados, forçado a aguardar, pacientemente, o ato final dessa dupla farsa que me vi forçado a relembrar.
Só Deus sabe se Lula, em algum momento, acreditou que Dilma fosse uma tecnocrata da mais alta estirpe. Fato é que, logo no início de 2015, na esteira da impopularidade advinda da crise econômica, a imagem da Dilma-gerente apresentou rachaduras devido à sua interface com a corrupção.
Lá atrás, em 2003, Lula a mandou presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Por que o fez? Acreditava sinceramente em sua competência técnica? Ou, ao contrário, percebia seus limites e a considerava incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada? Ou ainda por saber que ela, cedo ou tarde, a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música?
Seja qual for a resposta certa, fato é que os "malfeitos" de Pasadena corriam sobre a grande mesa do conselho como uma manada de búfalos, sem que Dilma ouvisse o tropel.
Meu quarto ponto pode ser abordado de maneira concisa. O problema é que o despreparo de Dilma não decorre apenas de sua incompetência gerencial e de sua incultura econômica, mas de algo que, de certa forma, as precede: a pobreza de sua visão do mundo. De sua formação ideológica, se preferem.
"Mas como", pode-se objetar, "ela não é petista? Não governava dentro dos parâmetros ideológicos do petismo?". A objeção seria ponderável, se soubéssemos em quê, exatamente, consiste a nunca assaz louvada "ideologia petista".
Fora de dúvida é que Dilma assumiu o governo acreditando piamente que tinha uma ideologia, quero dizer, uma estratégia válida para a promoção do crescimento. No frigir dos ovos, nos demos conta de que sua estratégia era uma mescla mal ajambrada do velho nacional-desenvolvimentismo com a ilusão de aqui implantar um modelo de feição asiática, inspirado no sucesso indiscutível da Coreia do Sul.
Como ocorria nos anos 1950, também para ela educação, ciência e tecnologia, formação de capital humano, essas coisas "menores", poderiam esperar. Com essa mentalidade Dilma subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Em termos políticos, seu "modelo" econômico tinha três requisitos fundamentais.
Primeiro, o popular "quem manda sou eu"; segundo, o Tesouro capta dinheiro caro no mercado e o BNDES se incumbe de repassá-lo pela metade do custo a empresários tão amigos quanto dinâmicos; terceiro, subsídios a rodo, notadamente sob a forma de exonerações fiscais, para incentivar a indústria automobilística e afins a retomarem o crescimento de um jeito ou de outro, além de manter o nível de emprego, cuja importância eleitoral ela não desconhecia.
Em quinto e último lugar, mas não menos importante, a saída de Dilma Rousseff é a limpeza de terreno imprescindível para que o Brasil apresse a recuperação econômica e comece, o quanto antes, a repensar seu futuro.
Para isso, algumas medidas serão necessárias. O ajuste fiscal é a primeira delas. Depois, fortes investimentos em infraestrutura, sem os bloqueios ideológicos que os inviabilizaram durante todo o período lulo-dilmista.
Também são fundamentais propostas sociais enérgicas, notadamente na área educacional, reduzindo programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida à função paliativa que lhes é inerente.
Por fim, aprofundando e concluindo o ataque à corrupção, deve-se encetar uma reforma política séria e abrangente, com o objetivo de recolocar o sistema político num patamar aceitável de legitimidade.
Bolívar Lamounier
Quem assume tal tarefa se vê diante de duas alternativas: resumi-los numa única sentença, dizendo que ela nunca deveria ter estado lá, ou elaborar um esquema lógico parcimonioso, que permita reduzi-los a um número manejável.
Opto pelo segundo caminho, tentando compactar meu argumento em cinco pontos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, é a ilegalidade ou, se preferirem, a posição de ilegitimidade formal em que Dilma se colocou.
Refiro-me aqui, naturalmente, aos crimes de responsabilidade que embasam o impeachment. Como Estado constitucional que é, o Brasil não poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Não poderia manter na Presidência um titular que, além de reiteradamente demonstrar desapreço pelas instituições da democracia representativa, não hesitou a atropelar os limites da legalidade no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.
Especificamente, autorizar créditos suplementares sem a aprovação do Congresso equivale a desconsiderar a necessidade de uma lei orçamentária e a ignorar a existência do Legislativo como contrapeso ao Executivo, atingindo dessa forma, em seu âmago, a forma republicana e democrática de governo.
Os quatro pontos que abordarei a seguir têm a ver com o que se pode, apropriadamente, denominar ilegitimidade material, ou substantiva.
Para se eleger e reeleger presidente, Dilma Rousseff participou de uma farsa arquitetada pelo ex-presidente Lula, farsa assentada, como se recorda, sobre três pilares principais: a popularidade de Lula (à época superior a 80%), embustes publicitários levados ao paroxismo e recursos de origem ilícita jorrando em abundância. Aqui, como antecipei, não se trata de ilegitimidade formal, mas material.
Do ponto de vista estritamente jurídico e ex ante, não havia como questionar tal trama. Cabia questioná-la, isso sim, em termos do que o sociólogo Émile Durkheim chamaria de "elementos não contratuais do contrato", ou seja, do ponto de vista da lealdade a regras não escritas da vida política e do regime democrático, que excluem postulações farsescas como as de Dilma Rousseff em 2010.
Com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia, e disso Lula sabia melhor que ninguém. Mas sabia também que sua popularidade pessoal, as mágicas do publicitário da corte e a cornucópia da Petrobras seriam suficientes para alçar sua pupila às alturas do Planalto. Docemente constrangida, Dilma aquiesceu, ou seja, prestou-se a tal farsa.
O terceiro fator que me propus a abordar é a incompetência gerencial de Dilma e sua interface com a corrupção. Para bem expor esse ponto, creio ser útil entrelaçá-lo com a campanha presidencial de 2014. Àquela altura, como sabemos, a derrocada econômica já comia solta.
A questão central era (como é até hoje, dados os desatinos do primeiro mandato de Dilma) o desarranjo das contas públicas. Aqui entra a questão da accountability, anglicismo inevitável quando se trata de discutir a ilegitimidade material de um governo.
Se as palavras ditas durante a campanha fossem levadas a sério, Dilma teria que admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Não o fez, como bem sabemos. Ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável.
Explica-se: no leme, além dela mesma, encontravam-se Lula e João Santana, um trio para o qual malícia e política podem perfeitamente caminhar de braço dado. O resultado aí está à vista de todos: um país economicamente destroçado, com 11,6 milhões de desempregados, forçado a aguardar, pacientemente, o ato final dessa dupla farsa que me vi forçado a relembrar.
Só Deus sabe se Lula, em algum momento, acreditou que Dilma fosse uma tecnocrata da mais alta estirpe. Fato é que, logo no início de 2015, na esteira da impopularidade advinda da crise econômica, a imagem da Dilma-gerente apresentou rachaduras devido à sua interface com a corrupção.
Lá atrás, em 2003, Lula a mandou presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Por que o fez? Acreditava sinceramente em sua competência técnica? Ou, ao contrário, percebia seus limites e a considerava incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada? Ou ainda por saber que ela, cedo ou tarde, a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música?
Seja qual for a resposta certa, fato é que os "malfeitos" de Pasadena corriam sobre a grande mesa do conselho como uma manada de búfalos, sem que Dilma ouvisse o tropel.
Meu quarto ponto pode ser abordado de maneira concisa. O problema é que o despreparo de Dilma não decorre apenas de sua incompetência gerencial e de sua incultura econômica, mas de algo que, de certa forma, as precede: a pobreza de sua visão do mundo. De sua formação ideológica, se preferem.
"Mas como", pode-se objetar, "ela não é petista? Não governava dentro dos parâmetros ideológicos do petismo?". A objeção seria ponderável, se soubéssemos em quê, exatamente, consiste a nunca assaz louvada "ideologia petista".
Fora de dúvida é que Dilma assumiu o governo acreditando piamente que tinha uma ideologia, quero dizer, uma estratégia válida para a promoção do crescimento. No frigir dos ovos, nos demos conta de que sua estratégia era uma mescla mal ajambrada do velho nacional-desenvolvimentismo com a ilusão de aqui implantar um modelo de feição asiática, inspirado no sucesso indiscutível da Coreia do Sul.
Como ocorria nos anos 1950, também para ela educação, ciência e tecnologia, formação de capital humano, essas coisas "menores", poderiam esperar. Com essa mentalidade Dilma subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Em termos políticos, seu "modelo" econômico tinha três requisitos fundamentais.
Primeiro, o popular "quem manda sou eu"; segundo, o Tesouro capta dinheiro caro no mercado e o BNDES se incumbe de repassá-lo pela metade do custo a empresários tão amigos quanto dinâmicos; terceiro, subsídios a rodo, notadamente sob a forma de exonerações fiscais, para incentivar a indústria automobilística e afins a retomarem o crescimento de um jeito ou de outro, além de manter o nível de emprego, cuja importância eleitoral ela não desconhecia.
Em quinto e último lugar, mas não menos importante, a saída de Dilma Rousseff é a limpeza de terreno imprescindível para que o Brasil apresse a recuperação econômica e comece, o quanto antes, a repensar seu futuro.
Para isso, algumas medidas serão necessárias. O ajuste fiscal é a primeira delas. Depois, fortes investimentos em infraestrutura, sem os bloqueios ideológicos que os inviabilizaram durante todo o período lulo-dilmista.
Também são fundamentais propostas sociais enérgicas, notadamente na área educacional, reduzindo programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida à função paliativa que lhes é inerente.
Por fim, aprofundando e concluindo o ataque à corrupção, deve-se encetar uma reforma política séria e abrangente, com o objetivo de recolocar o sistema político num patamar aceitável de legitimidade.
Bolívar Lamounier
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