Quer seja decretada a procedência da pronúncia ou não, o processo a que se submeteu D. Dilma é, primeiramente, constitucional, e o convencimento de seus juízes deriva de uma conclusão política porque a Lei Maior assim o quer. Se um suposto golpe tem raiz constitucional, então seu curso não configura golpe. Em segundo lugar, a apreciação da acusação na primeira fase envolveu, além da dissecação de sua procedência, minuciosamente demonstrada por atos e documentos exibidos e apontados pelo insuspeito prof. Miguel Reale (por isto mesmo recrutado por Lula para seu ministério), também representa um paralelo político, que é o motor do processo. Não se nega, pela verdade, que parlamentares não simpáticos à presidente afastada aproveitam-se da circunstância para contribuir para torcer para sua queda, também estimulados por seus eleitores ou mesmo atendendo à conveniência de cada qual. Mas, em síntese, o que provocou o pedido de impedimento foram fatos relatados e provados ou apontados como de rebeldia do Executivo às balizas orçamentárias e fiscais em vigor no ordenamento jurídico da República.
Ainda, para desfazer o alarido de que o acolhimento do pedido pela Câmara dos Deputados resultou de retaliação ou vingança de seu presidente por animosidade circunstancial a D. Dilma, também não prevalece, porque o deputado Eduardo Cunha já havia recebido dezenas de petições de igual fim, até com teores diferentes, e não as despachara; a de Hélio Bicudo ainda aguardou tempo, até que o presidente, presumível ou discricionariamente aguardava decisões e atos de D. Dilma que viessem a dissipar a desconfortável posição política em que a presidente se encontrava.
Contudo, o elemento fundamental que distingue o procedimento ora em tramitação para o de golpe é que a acusação não surgiu das sombras, não atacou pela noite, mas à luz solar, provinda de uma autoridade que preside o parlamento, todo ele eleito pelo povo. Não houve coação para que se deferisse a petição de Hélio Bicudo, o presidente da Câmara atuou em juízo subjetivo, que lhe é imputado pelo regimento. O processo transcorreu sem atropelos naquela casa e, por fim, alcançou o plenário, em que os que o compunham, membros de todos os matizes ideológicos, eleitos pelo povo, votaram livremente, pública e solenemente, à luz das câmeras, sem notas destoantes que merecessem queixa por qualquer irregularidade. E a sessão que deferiu o impedimento foi delirantemente aplaudida pelas ruas, que lhe deram impulso e força. Já a ocorrência de golpe identifica-se, primeiramente, pela surpresa, filha da trama e da urdidura. Assim foi o golpe de 64, em que seus executores planejaram sua execução em surdina, sem participação popular, e avançaram militarmente para ocupar pontos estratégicos sem consultar o povo, sponte sua, afastando as até então autoridades e provendo os postos ocupados a seu alvedrio e conveniência. Aí sim, estava materializado o golpe, que veio a durar 20 anos.
Os defensores da tese de golpe estão à mingua de fatos relevantes e longe da verdade.
O tempo o dirá.
José Maria Couto Moreira
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