De tempos em tempos, um Brasil enfrenta o outro – nas urnas, com armas ou nos meandros da lei. Às vezes, inclusive, com todas essas possibilidades juntas. Já tivemos, por exemplo, - e não faz tanto tempo assim – ditadura com eleições modelo indiretas, senadores formato biônico, laudos e julgamentos falseados, Justiça de faz de conta.
Foi um tempo em que um Brasil autoritário derrotou e matou muito o outro. Fora da lei, com mantra de combate à corrupção.
Demorou um pouco, mas o outro derrotou o um. Na lei, nas urnas.
Já nos finalmente do longo processo de impeachment da presidenta Dilma – o segundo da nossa história -, um Brasil vem ganhando de 7 a 1 do outro. No entender de uns, com gols de mão, acertos prévios entre cartolas, jabá, porrada em campo, juiz omisso, nada de cartão vermelho, esparsos amarelos. No entender de outros, com jogo limpo e ritos adequados e legais.
Onde quer que ande a verdade – e ela sempre aparece -, o processo triste arrasta um mundo de indignidades, onde cabe de tudo - das chantagens e traições às agressões físicas de um Brasil contra o outro, contaminando os dois, como nunca antes na história desse país.
O tempo real exibindo o surreal. On-line.
Sem ordem, em progressão rápida, um Brasil trocou de mal com outro. Ambos soltaram suas feras. Sabe-se lá quando voltarão para a gaiola. E se voltarão. Quem sabe até, para sempre, abandonamos o mito do país cordial.
A atriz Sonia Braga, simplificou: É um momento estranho.
Tão estranho que até um filme volta a padecer de censura política. Aquarius, estrelado por Sônia, que na apresentação em Cannes fez protesto contra o processo de impeachment, ganhou classificação rara da censura: 18 anos. O que reduz a plateia. Toma, rebelde!
Coisas das guerras que, frias ou quentes, não são limpas, mas sempre feias, lotadas de crueldades, de pequenezas.
Com a presidenta Dilma exposta em postas, estão de novo em campo um Brasil contra o outro. Dessa vez, sem armas. Na lei. Por três decretos. E as dores de sempre.
“A democracia é um processo pelo qual as pessoas são livres para escolher quem levará a culpa”. A frase é do irreverente escritor canadense, Laurence J. Peter, professor e administrador, também autor de tese, que virou livro, sobre a inoperância da hierarquização nas empresas privadas e públicas.
Hoje, livre e sem cerimônia, um Brasil escolhe uma do outro Brasil para levar a culpa por ser o outro.
Sempre estranho, mas cíclico e recorrente.
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