domingo, 18 de dezembro de 2022

A mão que rabisca um mapa

Um mapa de Brasília publicado no site do Estadão mostra os lugares onde extremistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro queimaram ônibus, explodiram carros e depredaram prédios – entre eles, a 5.ª delegacia da Polícia Civil. A navegação digital permite assistir aos vídeos que mostram os vândalos bolsonaristas em ação. São cenas de horror.

É inevitável lembrar de outro mapa – este do Rio de Janeiro, rabiscado há mais de 30 anos, à mão. Nele, um militar desenha o sistema de abastecimento hidráulico da cidade, com destaque para a adutora do Guandu. Diante de uma repórter incrédula, ameaça colocar uma bomba na adutora caso uma reivindicação de reajuste salarial não fosse atendida. A repercussão da reportagem, publicada na revista Veja, atrapalhou os planos do militar.


Um livro nos ajuda a entender o percurso entre o horror que não chegou a acontecer e o que tomou as ruas de Brasília: O ovo da serpente, da jornalista Consuelo Dieguez. É uma obra essencial, que entrevista bolsonaristas e mergulha nas entranhas do fenômeno. Consuelo mostra que o atual presidente não é produto apenas do universo paralelo das fake news. Vários grupos organizados pavimentaram seu caminho.

“Eles viram em Bolsonaro o único que poderia derrotar o PT, e acharam que seria possível controlá-lo no governo”, diz Consuelo, entrevistada no minipodcast da semana. Entre esses grupos estão militares que se sentiram ameaçados com a Comissão da Verdade, pecuaristas amedrontados com o MST e evangélicos que se opunham a uma pauta mais liberal na área dos costumes.

Bolsonaro, no entanto, mostrou que era – e ainda é – incontrolável. O livro conta que, durante a campanha eleitoral, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ouviu de um historiador amigo: “Quem vai segurar esse doidão, esse cavalão?” Santos Cruz respondeu: “Eu vou segurar. Sou diferente de vocês, da esquerda, que não seguraram o doidão de vocês, o Lula”.

Santos Cruz ocupou a Secretaria de Governo. Foi um dos primeiros a ser exonerado.

Consuelo calcula que os bolsonaristas raiz somem uns 10% da população e que os extremistas que queimam ônibus sejam uma pequena fração disso. Trata-se de uma minoria – uma minoria perigosa. Bolsonaro, o indomável, não parece apto a controlá-la nem interessado. Como observou o Estadão em editorial, até incentiva seus apoiadores extremistas, ao avalizar as supostas razões para os atos de vandalismo.

Talvez isso ocorra porque a mão que hoje segura a caneta presidencial é a mesma que, em 1987, rabiscou o mapa de um atentado a bomba.

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