quinta-feira, 30 de novembro de 2017
Dezembro é o mais cruel dos meses
O poeta T.S. Eliot inicia seu longo poema, a obra-prima “A terra desolada”, com o conhecidíssimo verso “Abril é o mais cruel dos meses”. Para mim, o mais cruel dos meses é dezembro – e por isso o mais detestável. Em dezembro as pessoas rendem-se ao consumismo desenfreado e, obedientes às luzinhas chinesas e aos obesos papai-noéis, inundam as ruas como se estivessem entorpecidas. Torna-se, então, obrigatório ser feliz – como se a felicidade dependesse única e exclusivamente do nosso poder de compra.
Essa volátil sensação de euforia que nos arrebata nesta época do ano serve apenas para nos alienar momentaneamente da realidade. É como as cercas elétricas, os muros altos, as câmeras de segurança e os sistemas de alarme que prometem proteção contra a violência do mundo “lá de fora”, quando, na verdade, não existe o mundo “lá de fora” – estamos imersos na mesma experiência de vida e cada ato que cometemos ou deixamos de cometer modifica de maneira substancial e definitiva tudo e todos que nos rodeiam.
O costume de oferecer presentes de Natal, assim como ocorre hoje em dia, é uma tradição recente, e faz parte do calendário de datas que alavancam a economia – como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Black Friday. Aquilo que poderia ser uma manifestação legítima e simpática de lembrança do outro, transformou-se num exercício narcísico: damos presentes na exata medida da nossa expectativa de receber ou então damos presentes como forma de nos impor socialmente. E, hipnotizados pela falsa sensação de bem-estar proporcionada pelo consumo, não medimos as consequências das nossas ações.
Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em outubro 61,8% das famílias brasileiras estavam inadimplentes – sendo que 10,1% delas declararam não ter condições de pagar os débitos. Dívidas com atraso de um ano atingem um terço das famílias e 24% do total das famílias endividadas gastam metade da renda para quitar contas e dívidas em atraso. O prazo de endividamento médio, ou seja, o tempo que as famílias levam para saldar suas dívidas, é de 63,8 dias.
Neste Natal, cerca de 13 milhões de pessoas estarão desempregadas – 63,7% do total são pardos ou pretos, segundo definição do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). De acordo com o Banco Mundial, 45,5 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. No entanto, todos, empregados e subempregados, serão, em dezembro, bombardeados com a mesma mensagem: compre, senão você não será feliz. Ou, em outras palavras: felicidade se compra em até doze vezes, sem juros, no cartão de crédito.
O dia 25 de dezembro, antes de ser a data oficial do nascimento de Jesus Cristo, é, aproximadamente, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte. Nesta data, comemorava-se em Roma o Natalis Solis Invicti (“nascimento do Sol Invicto”), festa pagã em homenagem ao deus persa Mitra, um dos mais populares do império. Quando, em 312, o imperador Constantino, que adorava o Sol Invicto, se converteu, pouco a pouco os pregadores cristãos foram assentando as bases da nova religião do Estado sobre as ruínas pagãs. A sobreposição da data do nascimento de Cristo às comemoração do Sol Invicto serviu para a Igreja apropriar-se de algo já fortemente arraigado no imaginário popular.
Hoje, quase ninguém mais lembra que o Natal é uma celebração religiosa. O que menos importa neste dia é recordar o nascimento de Jesus Cristo, mesmo que simulado. Como por uma irônica vingança, a data voltou a ser uma comemoração pagã – troca de presentes, em meio a muita comida e bebida. Ao Natal sucede o réveillon, as férias de verão e finalmente o Carnaval, outra data originalmente religiosa tornada pagã. E quando entrar março, endividados, estaremos às vésperas da eleição presidencial. Implacável, a realidade arrombará a nossa porta...
Essa volátil sensação de euforia que nos arrebata nesta época do ano serve apenas para nos alienar momentaneamente da realidade. É como as cercas elétricas, os muros altos, as câmeras de segurança e os sistemas de alarme que prometem proteção contra a violência do mundo “lá de fora”, quando, na verdade, não existe o mundo “lá de fora” – estamos imersos na mesma experiência de vida e cada ato que cometemos ou deixamos de cometer modifica de maneira substancial e definitiva tudo e todos que nos rodeiam.
O costume de oferecer presentes de Natal, assim como ocorre hoje em dia, é uma tradição recente, e faz parte do calendário de datas que alavancam a economia – como o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Black Friday. Aquilo que poderia ser uma manifestação legítima e simpática de lembrança do outro, transformou-se num exercício narcísico: damos presentes na exata medida da nossa expectativa de receber ou então damos presentes como forma de nos impor socialmente. E, hipnotizados pela falsa sensação de bem-estar proporcionada pelo consumo, não medimos as consequências das nossas ações.
Segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em outubro 61,8% das famílias brasileiras estavam inadimplentes – sendo que 10,1% delas declararam não ter condições de pagar os débitos. Dívidas com atraso de um ano atingem um terço das famílias e 24% do total das famílias endividadas gastam metade da renda para quitar contas e dívidas em atraso. O prazo de endividamento médio, ou seja, o tempo que as famílias levam para saldar suas dívidas, é de 63,8 dias.
Neste Natal, cerca de 13 milhões de pessoas estarão desempregadas – 63,7% do total são pardos ou pretos, segundo definição do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). De acordo com o Banco Mundial, 45,5 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. No entanto, todos, empregados e subempregados, serão, em dezembro, bombardeados com a mesma mensagem: compre, senão você não será feliz. Ou, em outras palavras: felicidade se compra em até doze vezes, sem juros, no cartão de crédito.
O dia 25 de dezembro, antes de ser a data oficial do nascimento de Jesus Cristo, é, aproximadamente, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte. Nesta data, comemorava-se em Roma o Natalis Solis Invicti (“nascimento do Sol Invicto”), festa pagã em homenagem ao deus persa Mitra, um dos mais populares do império. Quando, em 312, o imperador Constantino, que adorava o Sol Invicto, se converteu, pouco a pouco os pregadores cristãos foram assentando as bases da nova religião do Estado sobre as ruínas pagãs. A sobreposição da data do nascimento de Cristo às comemoração do Sol Invicto serviu para a Igreja apropriar-se de algo já fortemente arraigado no imaginário popular.
Hoje, quase ninguém mais lembra que o Natal é uma celebração religiosa. O que menos importa neste dia é recordar o nascimento de Jesus Cristo, mesmo que simulado. Como por uma irônica vingança, a data voltou a ser uma comemoração pagã – troca de presentes, em meio a muita comida e bebida. Ao Natal sucede o réveillon, as férias de verão e finalmente o Carnaval, outra data originalmente religiosa tornada pagã. E quando entrar março, endividados, estaremos às vésperas da eleição presidencial. Implacável, a realidade arrombará a nossa porta...
Os políticos estão nus, sem pudores
A putrefação da política brasileira parece ter atingido seu ápice, seu registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro. Ali vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços públicos a região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante realidade. A folha corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase nenhuma autoridade, em mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do Executivo. Na semana passada, três ex-governadores e quatro ex-presidentes da assembleia legislativa local encontravam-se trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de secretários, parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de toda ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para uma sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é comandada ali por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos do Estado. Como pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses, TODOS os governadores do Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da assembleia escolhidos desde 95 foram parar na cadeia. Nem dá para acreditar. Alguma coisa está muito errada nesse reino do fisiologismo e do voto de cabresto controlado por poderosos habituais. É espantoso o grau de periculosidade de suas excelências. No passado não muito longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se tornou o primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de cuecas para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de transgressão parlamentar observada era essa, digamos, falta de compostura. Hoje a maioria dos votantes se pergunta se vale voltar às urnas para eleger um candidato que ao menos pareça honesto. Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que tipo de política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de avançada gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj há alguns dias. Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e fecham os olhos a qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa prática multipartidária, e sem hegemonia ideológica à esquerda ou à direita, para locupletar a patota. Não importa o crime, muito menos o tamanho do prejuízo provocado à população. As raposas controlam o galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de quebra-quebra em protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo concreto dos três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo Melo, o antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos ao xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes de que se tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão unânime, mandou o trio às grades sob a acusação de recebimento de milionárias propinas. Como previsível, a prisão foi revogada pela Alerj, porque ali a tropa de choque de Picianni & Cia. manda e desmanda. Os danos causados pela interpretação propositalmente parcial sobre a imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A Alerj entendeu que ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de volta. Estava assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de uma espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. O ministro Fux definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco Aurélio Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de trancafiar o bando. Na prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça, segue como uma terra sem lei, também no plano político. Enquanto isso, Picciani e seus comparsas experimentam a hospedagem no presídio de tratamento especial, cujas celas mostram conforto acima da média e abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho e a mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução definitiva. Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade geral, não apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem perto de 55 mil autoridades – o número é esse mesmo! – com o chamado foro privilegiado, o que dá a essas figuras o direito à proteção incondicional em inúmeras circunstâncias. No STF a discussão sobre algumas restrições ao foro privilegiado finalmente entrou na pauta. A tendência é que prevaleça nos tribunais a tese de que esse direito ficará reservado para casos de desvios de conduta referentes exclusivamente ao cargo. Já seria um começo.
Brasil 8 x 1 EUA
Embora se especule sobre qual será o peso da campanha digital só na disputa presidencial, é na eleição legislativa que a ligação direta via celular do eleitor terá mais impacto na urna em 2018. Indício disso é a energia que os atuais deputados federais estão gastando para ampliar sua pegada virtual: 93% criaram páginas no Facebook e as alimentam duas vezes ao dia, em média. Mais importante, seus investimentos estão se pagando – e com juros muito maiores do que no país que inventou as redes digitais.
Os deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos. Em novembro, os donos de cadeiras na Câmara provocaram seis vezes mais interações em suas páginas no Facebook do que os deputados dos Estados Unidos. Em outubro, a diferença foi de dez vezes. Em setembro, sete vezes. Na média, 8 x 1. É o que revela comparação inédita do desempenho de parlamentares dos dois países – feita por esta coluna usando a plataforma CrowdTangle.
Dos 513 deputados federais brasileiros no exercício do mandato, 478 têm páginas próprias no Facebook. Juntas, provocaram 19 milhões de compartilhamentos, “likes” e comentários ao longo dos últimos 30 dias. Já as 402 páginas dos 435 deputados gringos renderam menos de 3 milhões de engajamentos no mesmo período. O deputado Jair Bolsonaro, sozinho, engajou mais.
Sim, há mais páginas de parlamentares brasileiros, mas não é daí que vem a diferença. Comparando-se as médias de interação por página, as nacionais bateram 40,5 mil em novembro, contra 7 mil das estrangeiras. Praticamente a mesma desproporção: 5,8 vezes mais. Por que, então, os legisladores de Brasília dão um banho de interatividade nos de Washington? Intensidade e quantidade.
Os deputados brasileiros publicam duas vezes mais do que os colegas do norte. A atividade constante aumenta a chance de serem vistos por mais gente. Há deputados como Delegado Francischini (SD-PR) que passam de 13 posts por dia – quase todos fazendo campanha para Bolsonaro 2018 ou atacando seus adversários.
A metralhadora de “posts” seria pouco eficiente se não mirasse em um alvo grande. O dos brasileiros é quatro vezes maior do que o dos americanos. Somadas, as páginas dos deputados daqui têm 47,8 milhões de seguidores, contra 11,7 milhões das de lá. O dobro de publicações para uma audiência que é o quádruplo da gringa explica o porquê de os brasileiros agitarem tão mais.
Como eles conseguiram tantos seguidores? Quantos são gente e quantos são clones? Pessoas pagas para administrar dezenas de perfis falsos nas mídias sociais existem há anos na política. Mas, como ficou demonstrado pelos hackers russos na eleição nos Estados Unidos em 2016, não são exclusividade brasileira. Qual o peso dos “fakes” no Brasil? Faltam estudos para calculá-lo com precisão.
Os deputados mais bem-sucedidos em engajar pessoas no Facebook são, não por acaso, os que pertencem a grupos com militâncias aguerridas: ex-policiais, pastores evangélicos, militares ou da esquerda. Dos Top 10 em interações, dois são Bolsonaro (pai e filho), um é delegado, outro é major, um é pastor, dois são petistas, uma é do PCdoB e um é do PDT. Os dez estão mais para as pontas do que para o centro do espectro político.
Além de militantes – reais ou virtuais –, os Top 10 também publicam muito: oito posts/dia, em média. Produzir conteúdo, embalá-lo, publicá-lo diariamente, monitorar o resultado – tudo isso consome recursos. Desde que assumiram, os 513 deputados já gastaram R$ 127 milhões de verba pública em divulgação e consultorias de comunicação. É mais uma vantagem que os deputados terão sobre os neófitos que pretendem tomar seu lugar.
Os deputados brasileiros agitam bem mais as mídias sociais do que seus colegas americanos. Em novembro, os donos de cadeiras na Câmara provocaram seis vezes mais interações em suas páginas no Facebook do que os deputados dos Estados Unidos. Em outubro, a diferença foi de dez vezes. Em setembro, sete vezes. Na média, 8 x 1. É o que revela comparação inédita do desempenho de parlamentares dos dois países – feita por esta coluna usando a plataforma CrowdTangle.
Dos 513 deputados federais brasileiros no exercício do mandato, 478 têm páginas próprias no Facebook. Juntas, provocaram 19 milhões de compartilhamentos, “likes” e comentários ao longo dos últimos 30 dias. Já as 402 páginas dos 435 deputados gringos renderam menos de 3 milhões de engajamentos no mesmo período. O deputado Jair Bolsonaro, sozinho, engajou mais.
Sim, há mais páginas de parlamentares brasileiros, mas não é daí que vem a diferença. Comparando-se as médias de interação por página, as nacionais bateram 40,5 mil em novembro, contra 7 mil das estrangeiras. Praticamente a mesma desproporção: 5,8 vezes mais. Por que, então, os legisladores de Brasília dão um banho de interatividade nos de Washington? Intensidade e quantidade.
Os deputados brasileiros publicam duas vezes mais do que os colegas do norte. A atividade constante aumenta a chance de serem vistos por mais gente. Há deputados como Delegado Francischini (SD-PR) que passam de 13 posts por dia – quase todos fazendo campanha para Bolsonaro 2018 ou atacando seus adversários.
A metralhadora de “posts” seria pouco eficiente se não mirasse em um alvo grande. O dos brasileiros é quatro vezes maior do que o dos americanos. Somadas, as páginas dos deputados daqui têm 47,8 milhões de seguidores, contra 11,7 milhões das de lá. O dobro de publicações para uma audiência que é o quádruplo da gringa explica o porquê de os brasileiros agitarem tão mais.
Como eles conseguiram tantos seguidores? Quantos são gente e quantos são clones? Pessoas pagas para administrar dezenas de perfis falsos nas mídias sociais existem há anos na política. Mas, como ficou demonstrado pelos hackers russos na eleição nos Estados Unidos em 2016, não são exclusividade brasileira. Qual o peso dos “fakes” no Brasil? Faltam estudos para calculá-lo com precisão.
Os deputados mais bem-sucedidos em engajar pessoas no Facebook são, não por acaso, os que pertencem a grupos com militâncias aguerridas: ex-policiais, pastores evangélicos, militares ou da esquerda. Dos Top 10 em interações, dois são Bolsonaro (pai e filho), um é delegado, outro é major, um é pastor, dois são petistas, uma é do PCdoB e um é do PDT. Os dez estão mais para as pontas do que para o centro do espectro político.
Além de militantes – reais ou virtuais –, os Top 10 também publicam muito: oito posts/dia, em média. Produzir conteúdo, embalá-lo, publicá-lo diariamente, monitorar o resultado – tudo isso consome recursos. Desde que assumiram, os 513 deputados já gastaram R$ 127 milhões de verba pública em divulgação e consultorias de comunicação. É mais uma vantagem que os deputados terão sobre os neófitos que pretendem tomar seu lugar.
Sábio provérbio mineiro afirma que eleição, só depois da apuração
Enquanto se decide por aí como acabar com o foro privilegiado – uma questão que já deveria ter sido resolvida no Congresso Nacional, ao qual, com absoluta exclusividade, cabe legislar –, muita água ainda rolará por debaixo da ponte. O Supremo Tribunal Federal (STF) quis aprovar a restrição proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, que, segundo alguns juristas, privilegia magistrados e integrantes do Ministério Público Federal. Só que, depois dessa crítica, Barroso passou a defender que a restrição seja aplicada em todos os níveis. Isso vai ao encontro de outra proposta, que, aprovada no Senado Federal, foi encaminhada à Câmara e, simbolicamente, recebeu aprovação na Comissão de Constituição e Justiça.
O assunto empolga. A solução virá logo. Ninguém aceita mais esse privilégio odioso, que nasceu com o Império e continuou na República. Por mais incrível que pareça, se mantém intocado até hoje. Isso, porém, não impediu, pela primeira vez, a prisão de poderosos, tanto política quanto economicamente. Aconteceu na operação Lava Jato, mas, com o fim dessa excrescência, a prática se tornará corriqueira.
Foro privilegiado, como disse, é discussão que de fato empolga, mas prefiro tratar das eleições de 2018 – um assunto ainda considerado fora de hora pelos que não gostam delas. Para o país, contudo, nada é mais urgente do que elas. Poderão significar importante marco: ou a derrocada final, ou um futuro melhor. Poderão impedir, se assim o quisermos, em nossa decisão de eleger os melhores, que ocorra no país a tão temida eclosão social que, de certa maneira, já ocorreu no Rio de Janeiro. Segurá-la, no Rio, é difícil, mas possível; segurá-la, ou melhor, preveni-la, no país é mais difícil, se não impossível.
O assunto empolga. A solução virá logo. Ninguém aceita mais esse privilégio odioso, que nasceu com o Império e continuou na República. Por mais incrível que pareça, se mantém intocado até hoje. Isso, porém, não impediu, pela primeira vez, a prisão de poderosos, tanto política quanto economicamente. Aconteceu na operação Lava Jato, mas, com o fim dessa excrescência, a prática se tornará corriqueira.
Foro privilegiado, como disse, é discussão que de fato empolga, mas prefiro tratar das eleições de 2018 – um assunto ainda considerado fora de hora pelos que não gostam delas. Para o país, contudo, nada é mais urgente do que elas. Poderão significar importante marco: ou a derrocada final, ou um futuro melhor. Poderão impedir, se assim o quisermos, em nossa decisão de eleger os melhores, que ocorra no país a tão temida eclosão social que, de certa maneira, já ocorreu no Rio de Janeiro. Segurá-la, no Rio, é difícil, mas possível; segurá-la, ou melhor, preveni-la, no país é mais difícil, se não impossível.
São muitos os candidatos a presidente da República, como aconteceu em 1989. Só que, agora, temos mais do que um outsider. Um deles, Luciano Huck, que seria candidato pelo PPS, já entregou os pontos. O outro assim considerado, Joaquim Barbosa, pelo PSB, ex-ministro e ex-presidente do STF, ainda não saiu da berlinda.
Por enquanto, em todas as pesquisas, o ex-presidente Lula, que ocupa o primeiro lugar, continua no inconsciente de boa parte do povo mais sofrido. A meu ver, todavia, não será candidato, mas nomeará alguém de seu furado bolso do colete. Seu indicado será o representante de uma esquerda populista, que falhou fragorosamente, tanto em seu segundo governo, quanto nos dois de sua sucessora, Dilma Rousseff, que terminou por sofrer impeachment. Ocupa, por ora, o segundo lugar, o ex-militar e atual deputado federal Jair Bolsonaro. Deverá apresentar-se por um partido político não criado, mas que já leva o nome de “Patriota”, adotado por uma direita tão raivosa quanto seu candidato.
Apesar de mineiro, atrevo-me a avançar mais nessas meras divagações. Mas nunca me esqueço, leitor, deste sábio provérbio, nascido aqui, nas Gerais: “Mineração e eleição, só depois da apuração”.
Outras candidaturas: Marina Silva (ainda por decidir), pela Rede; Ciro Gomes, pelo PDT; Manuela d’Ávila pelo PCdoB; o economista João Amoedo (outro outsider?), pelo Novo; e, finalmente, Geraldo Alckmin, pelo PSDB – um partido em franco processo de desmoralização. Mesmo assim, se nada dever à Justiça, se unir o partido e se, enfim, apresentar ao país uma proposta competente de governo, o paulista, aos poucos, poderá ganhar o desesperado eleitor brasileiro.
É a proposta de governo que decidirá seu voto.
Por enquanto, em todas as pesquisas, o ex-presidente Lula, que ocupa o primeiro lugar, continua no inconsciente de boa parte do povo mais sofrido. A meu ver, todavia, não será candidato, mas nomeará alguém de seu furado bolso do colete. Seu indicado será o representante de uma esquerda populista, que falhou fragorosamente, tanto em seu segundo governo, quanto nos dois de sua sucessora, Dilma Rousseff, que terminou por sofrer impeachment. Ocupa, por ora, o segundo lugar, o ex-militar e atual deputado federal Jair Bolsonaro. Deverá apresentar-se por um partido político não criado, mas que já leva o nome de “Patriota”, adotado por uma direita tão raivosa quanto seu candidato.
Apesar de mineiro, atrevo-me a avançar mais nessas meras divagações. Mas nunca me esqueço, leitor, deste sábio provérbio, nascido aqui, nas Gerais: “Mineração e eleição, só depois da apuração”.
Outras candidaturas: Marina Silva (ainda por decidir), pela Rede; Ciro Gomes, pelo PDT; Manuela d’Ávila pelo PCdoB; o economista João Amoedo (outro outsider?), pelo Novo; e, finalmente, Geraldo Alckmin, pelo PSDB – um partido em franco processo de desmoralização. Mesmo assim, se nada dever à Justiça, se unir o partido e se, enfim, apresentar ao país uma proposta competente de governo, o paulista, aos poucos, poderá ganhar o desesperado eleitor brasileiro.
É a proposta de governo que decidirá seu voto.
O enigma bilionário
De camisa vermelha e calça preta, desafiava os sertanejos reunidos na tenda branca, protegidos contra o sol que devorava a tarde em Missão Velha (CE), a 530 quilômetros de Fortaleza: “Tão vendo esse pescocinho curto aqui? É de tanto carregar lata d’água na cabeça lá em Garanhuns…”— a plateia riu. Completou: “Mas eu posso garantir a vocês, em 2012 nós vamos inaugurar a totalidade da transposição do Rio São Francisco. E, sabe o que é engraçado? Também vamos inaugurar a Transnordestina”. O comício daquela segunda-feira, 13 de dezembro de 2010, acabou com Lula abraçado a Benjamin Steinbruch, empresário da siderurgia e dos produtos têxteis.
Exalavam alegria. O presidente, em fim de mandato, porque autorizara obras aguardadas há mais de 160 anos, quando D. Pedro II mandou projetar uma ferrovia ligando o sertão ao mar do Nordeste. O dono da CSN, de Volta Redonda (RJ), porque ficaria ainda mais rico com os 1,7 mil quilômetros de trilhos da Transnordestina cortando outros 80 municípios de Ceará, Piauí e Pernambuco — negócio de R$ 6 bilhões extraídos do Orçamento da União, do BNDES e dos fundos regionais.
Missão Velha empobreceu, desde então. Assistiu ao fim das agências bancárias e à migração de aposentados para o comércio de Barbalha, 25 quilômetros adiante. Não recebe água do São Francisco, nem trem da Transnordestina.
As obras da ferrovia concedida sem licitação pararam há três anos, embora já tenham sido gastos recursos públicos equivalentes a 80% do investimento previsto. Agora, depois de um ano de investigações pedidas pela Câmara dos Deputados, o Tribunal de Contas comprovou que o contrato de construção e exploração da Transnordestina foi assinado com o grupo de Steinbruch em 2013, no governo Dilma Rousseff, “sem estudos e análises que justificassem o interesse público”, e sem comprovação “do equilíbrio econômico-financeiro” do projeto.
Descobriu, também, que no governo Michel Temer os ministérios dos Transportes e do Planejamento, a empresa de planejamento logístico (Valec) e a agência reguladora do setor (ANTT) permanecem sem saber quantos e quais trechos da obra foram executados. E não conseguem demonstrar os gastos efetivados nas etapas que, supostamente, já teriam sido concluídas.
Sobram irregularidades, segundo o tribunal, indicando R$ 1,2 bilhão em despesas sem prévia autorização. Nos arquivos da Casa Civil da Presidência não há registros sobre a ferrovia. Existe “risco concreto de dano ao Erário”, acha o Tribunal de Contas da União, porque “sequer é sabido o custo real das obras”.
Exalavam alegria. O presidente, em fim de mandato, porque autorizara obras aguardadas há mais de 160 anos, quando D. Pedro II mandou projetar uma ferrovia ligando o sertão ao mar do Nordeste. O dono da CSN, de Volta Redonda (RJ), porque ficaria ainda mais rico com os 1,7 mil quilômetros de trilhos da Transnordestina cortando outros 80 municípios de Ceará, Piauí e Pernambuco — negócio de R$ 6 bilhões extraídos do Orçamento da União, do BNDES e dos fundos regionais.
As obras da ferrovia concedida sem licitação pararam há três anos, embora já tenham sido gastos recursos públicos equivalentes a 80% do investimento previsto. Agora, depois de um ano de investigações pedidas pela Câmara dos Deputados, o Tribunal de Contas comprovou que o contrato de construção e exploração da Transnordestina foi assinado com o grupo de Steinbruch em 2013, no governo Dilma Rousseff, “sem estudos e análises que justificassem o interesse público”, e sem comprovação “do equilíbrio econômico-financeiro” do projeto.
Descobriu, também, que no governo Michel Temer os ministérios dos Transportes e do Planejamento, a empresa de planejamento logístico (Valec) e a agência reguladora do setor (ANTT) permanecem sem saber quantos e quais trechos da obra foram executados. E não conseguem demonstrar os gastos efetivados nas etapas que, supostamente, já teriam sido concluídas.
Sobram irregularidades, segundo o tribunal, indicando R$ 1,2 bilhão em despesas sem prévia autorização. Nos arquivos da Casa Civil da Presidência não há registros sobre a ferrovia. Existe “risco concreto de dano ao Erário”, acha o Tribunal de Contas da União, porque “sequer é sabido o custo real das obras”.
Pelo contrato de concessão, a ferrovia deveria ser concluída até o próximo 22 de janeiro. O grupo privado enfrenta limitações no BNDES, relatadas ao TCU. Só em outubro a nave-mãe CSN conseguiu divulgar balanços auditados de 2015 e de 2016. Na virada do mês, o empresário Benjamin Steinbruch passou ao centro de uma investigação da Operação Lava-Jato. O empreiteiro Marcelo Odebrecht confessou que, a seu pedido, deu R$ 14 milhões em propina a Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda do governo Lula, e R$ 2,5 milhões ao presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
O trem da Transnordestina continua sendo uma lenda do Império, renovada por um enigma bilionário.
O trem da Transnordestina continua sendo uma lenda do Império, renovada por um enigma bilionário.
O lado obscuro do 'milagre econômico' da ditadura e o boom da desigualdade
O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras. “Na época dos militares era melhor”, tornou-se bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura. A ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, por acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta essa ideia tecendo elogios ao período. Entre os argumentos mais utilizados pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista do "milagre econômico", que ocorreu no Brasil entre 1968 e 1973. De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período.
O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação.
Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.
Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que aconteceu.
Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.
O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais, tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira diversos mecanismos de incentivos às exportações.
O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação.
Inauguração da Ponte Rio-Niterói |
A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos internacionais. Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor.
Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.
Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que aconteceu.
Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.
O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais, tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira diversos mecanismos de incentivos às exportações.
Mas foi no Governo do general Emílio Garrastazu de Médici, sob o comando do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que o projeto econômico teve como princípio o crescimento rápido, com expressivo aumento da produção – com destaque para indústria automobilística- e grandes obras de infraestrutura. “O Governo apostou em grandes obras e investimento estimulando o setor privado e usando o crescimento como propaganda para legitimar o regime durante a época mais repressiva da ditadura. Era muito importante que ele tivesse apoio de uma parte da sociedade”, explica Muller.
Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada rodovia Transamazônica.
Crise do petróleo
Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60), afetando países importadores como o Brasil.
“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.
Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética estabelecida e necessitava da importação desse bem.
Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.
Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”
Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse período.
Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos públicos”.
A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.
Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada rodovia Transamazônica.
Crise do petróleo
Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60), afetando países importadores como o Brasil.
“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.
Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética estabelecida e necessitava da importação desse bem.
Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.
Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”
Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse período.
Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos públicos”.
A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
A poluição atmosférica e como eliminá-la
Hoje a fração de etanol na gasolina é de cerca de 27% e muitos carros usam etanol puro (anidro). Já houve ocasiões em que o etanol substituiu cerca de 50% da gasolina no País.
A qualidade do ar, ao longo de décadas, é medida pela Companhia Estadual de Tecnologia do Estado de São Paulo (Cetesb). Pesquisadores do Instituto de Física e de Astronomia e Ciências Atmosféricas da USP analisaram os dados da Cetesb e verificaram que de 1988 a 2015 os carros que circulam por São Paulo passaram a emitir 20 vezes menos monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado e 40 vezes menos hidrocarbonetos (HC). Já as emissões dos mesmos poluentes por veículos pesados (caminhões e ônibus), para os quais a regulamentação surgiu mais tarde, caíram três vezes.
O componente da poluição que mais preocupa os especialistas – por representar maior risco para a saúde humana – é o chamado material particulado, uma mistura de partículas sólidas ou líquidas muito pequenas. Elas são produzidas diretamente pelos motores durante a queima do combustível ou formadas na atmosfera a partir de certos gases. Quanto menores suas dimensões, mais tempo elas permanecem em suspensão no ar e maiores os potenciais efeitos danosos. Por serem tão pequenas, elas penetram facilmente no trato respiratório e ali se acumulam, podendo provocar inflamações pulmonares, agravar doenças como a asma e até causar problemas em outros órgãos.
A principal razão de a qualidade do ar não ter melhorado ainda mais nos últimos anos é o aumento substancial do número de veículos na região, que saltou de 1 milhão em 2000 para quase 7 milhões em 2014. Com mais carros nas ruas, o volume de combustível consumido cresceu 25%. Em menos de uma década passou de 5,5 bilhões de litros por ano, em 2007, para quase 7 bilhões em 2014.
A novidade que torna o estudo da poluição atmosférica em São Paulo interessante é a correlação entre a qualidade do ar e a variação do conteúdo de etanol na gasolina. Por exemplo, entre janeiro e maio de 2011 houve alta considerável no preço do etanol e os motoristas de carros bicombustível passaram a consumir mais gasolina do que álcool. Quando os preços do etanol voltaram a cair, o consumo de gasolina baixou e a concentração dessas partículas medida na atmosfera também diminuiu.
Dos principais poluentes avaliados pelos pesquisadores da USP, só um não diminuiu de modo consistente: o ozônio, um poluente secundário, resultado de reações de compostos produzidos pelos motores com substâncias da atmosfera e a radiação solar. As emissões desse gás, que causa irritação nas vias respiratórias e aumenta o risco de infecções, baixaram até meados da década passada, mas em seguida voltaram a subir, embora não tenham atingido níveis tão elevados quanto os da metade dos anos 1990.
Não foi apenas a substituição de gasolina pelo álcool que reduziu a poluição atmosférica em São Paulo. Ajudaram também as normas do Proconve sobre a emissão de poluentes, bem como a migração das indústrias poluentes para fora da região metropolitana, o que ocorreu lentamente ao longo dos anos. Contudo a introdução de carros flexfuel a partir de 2004 – e consequentemente o maior uso de etanol – foi essencial, sobretudo porque ele partiu do zero para valores elevados em poucos anos e durante esse período sofreu variações bruscas.
As lições aprendidas com a “experiência” a céu aberto feita em São Paulo podem ser transferidas para outras grandes cidades do mundo onde a poluição atmosférica seja um sério problema, como Beijing e até Paris.
Em Beijing, Nova Délhi ou Cidade do México a poluição urbana é intensa o tempo todo, nem se consegue ver os edifícios a uma distância de cem metros. Em Paris incidentes como esse se verificaram em 2017.
Os governantes da China perceberam claramente que garantir atmosfera urbana limpa não é um problema secundário, mas um problema de grande urgência, porque para a classe média ascendente das cidades a má qualidade do ar não é tolerável, além de ser um problema sério de saúde pública.
Só para dar um exemplo, estima-se que cerca de 3,5 mil pessoas morrem na cidade de São Paulo por ano por causa da poluição. Além disso, há as centenas de milhares de atendimentos em hospitais, em especial quando se acontece uma inversão atmosférica em São Paulo e a poluição piora. É bem verdade que fumar também provoca esses problemas, mas fumar é uma decisão individual, que só alguns adotam. Sofrer com a poluição da atmosfera atinge a todos, não é um ato voluntário.
O governo chinês tem tomado medidas extraordinárias que têm caráter emergencial, como proibir a circulação de automóveis em períodos de crise. O governo francês também fez isso e mais a longo prazo começa a discutir o abandono de motores do tipo usado nos automóveis, o que corresponde a lançar fora “a água do banho junto com o bebe”. O problema não são os motores, mas os combustíveis.
O exemplo de São Paulo, substituindo gasolina (de onde se originam os poluentes) por etanol (que é um combustível limpo), mostra a existência de uma outra solução, que foi testada e comprovada.
A adoção dessa solução em outros países, como China, Índia, México e França, deveria ser seriamente considerada pelos governantes desses países.
Quantas línguas você fala?
Meu professor e orientador em Harvard, o Professor Dr. David Henry Peter Maybury-Lewis, pioneiro na transformação da etnologia indígena brasileira de um mero catálogo de curiosidades e sombrias notícias de contato cultural em questões sociológicas universais, falava fluentemente inglês (sua língua materna), francês, italiano, espanhol, russo, alemão, sueco, dinamarquês, português e duas línguas nativas do tronco Jê - xerente e xavante.
Em Harvard, ele provocava inveja do meu mentor e amigo, o então professor assistente Richard Moneygrand, um decidido monoglota. Mesmo depois de ter estudado o Brasil por décadas, Dick até hoje fala português com um sotaque denunciador.
Como bom estudioso, ele explica: “Eu não consegui falar seu língua como ele merecia. Mas quem tem culpa disso são vocês mesmos, brasileiros, que, loucos para serem estrangeiros, recusavam a me ensinar português, falando comigo todo o tempo em americana!”
Concordo com meu amigo porque muito cedo eu entendi a ascendência do anglo-americano na constituição de um mundo global. O cinema com suas cenas intensas, suas melodias ouvidas subliminarmente e, principalmente, suas telas enormes (nas quais as pessoas surgiam poderosas tal como as vemos quando crianças), foi talvez a ponte responsável pela difusão do “estilo de vida americano” como uma alternativa existencial otimista. Num país como o Brasil, marcado por uma profunda insegurança - insegurança que foi da estupidez da “raça degenerada” para a asnice do reducionismo econômico -, o otimismo americano produziu um enorme impacto. Se somarmos essa dramaturgia à dominância industrial e tecnológica multiplicada pelo consumo em massa, entendemos porque o inglês deixou de ser a língua do comércio e virou um idioma planetário e interplanetário...
Moneygrand admitia sua inveja do meu orientador e provocava: de que vale falar tantas línguas quando não se tem muito a dizer em nenhuma? Ao que o meu professor retrucava: eu acho que a gente só tem a ganhar quando pode dizer “eu te amo” em mais de um idioma...
Assim foi que, naquela primavera de 68, ouvi de Dick Moneygrand, num curso intitulado “Hipóteses Sobre Culturas Nacionais”, que nós, brasileiros, tínhamos um pendor religioso pelos “de fora” ou “estrangeiros” quando eles surgiam como brancos, louros, de olhos claros e eram aristocratas, embaixadores, ricos e obviamente falavam uma língua que não entendíamos plenamente. Eis os vossos demiurgos e heróis civilizadores, dizia Dick. Eles em nada destoam daqueles que, em outras culturas, vieram do céu, das profundezas da terra ou da água - tal como os “conquistadores” e os “descobridores” e a família real lusa - e foram vistos como superiores ou deuses. Tinham, além do sangue azul e de serem diferentes dos pioneiros ou bandeirantes locais, já se misturados aos negros africanos e índios escravizados e subordinados como alienígenas inferiores.
Essa idolatria do outro - o branco aristocrata - é algo comum em todos os sistemas coloniais nos quais o colonizado mimetiza o colonizador e tem o sonho de visitar o centro do império do qual faz parte. Mas, no caso do Brasil, houve um tumulto. Primeiro, porque Portugal foi mais tangido pelo comércio do que pela missão civilizatória como ocorreu no caso espanhol; segundo, pelo fato excepcional na história das realezas, da fuga da família real para o Brasil. Aqui, o centro foi para a periferia num transtorno das teorias da colonização. Quando Lisboa é trocada pelo Rio, há uma implosão carnavalesca na qual colonizador e colonizado ficam exilados. Nesta periferia que virou centro, todos são canibalizados pela força dos costumes locais. Não é, pois, por acaso que o Brasil tenha essa sina imitadora e esse vezo pela estima negativa de si próprio. A familiaridade com aristocratas numa sociedade onde tudo devia ser feito levou a esse, digamos, poliglotismo cultural e político que até hoje faz com que vocês, brasileiros, pensem que existam mesmo países plenamente equilibrados e resolvidos. A idealização do outro corresponde a uma autodenegação.
Conforme vejo nas minhas anotações, Moneygrand terminou o curso arriscando: “Não há certeza em nenhum lugar. Esses modelos que vocês tanto buscam não estão fora, mas dentro de vocês. Tal como os idiomas, eles promovem alternativas, jamais certezas. As ideologias, como as leis que vocês têm em profusão, precisam ir além dos decretos, elas precisam ser seguidas”.
Roberto DaMatta
Em Harvard, ele provocava inveja do meu mentor e amigo, o então professor assistente Richard Moneygrand, um decidido monoglota. Mesmo depois de ter estudado o Brasil por décadas, Dick até hoje fala português com um sotaque denunciador.
Como bom estudioso, ele explica: “Eu não consegui falar seu língua como ele merecia. Mas quem tem culpa disso são vocês mesmos, brasileiros, que, loucos para serem estrangeiros, recusavam a me ensinar português, falando comigo todo o tempo em americana!”
Concordo com meu amigo porque muito cedo eu entendi a ascendência do anglo-americano na constituição de um mundo global. O cinema com suas cenas intensas, suas melodias ouvidas subliminarmente e, principalmente, suas telas enormes (nas quais as pessoas surgiam poderosas tal como as vemos quando crianças), foi talvez a ponte responsável pela difusão do “estilo de vida americano” como uma alternativa existencial otimista. Num país como o Brasil, marcado por uma profunda insegurança - insegurança que foi da estupidez da “raça degenerada” para a asnice do reducionismo econômico -, o otimismo americano produziu um enorme impacto. Se somarmos essa dramaturgia à dominância industrial e tecnológica multiplicada pelo consumo em massa, entendemos porque o inglês deixou de ser a língua do comércio e virou um idioma planetário e interplanetário...
Moneygrand admitia sua inveja do meu orientador e provocava: de que vale falar tantas línguas quando não se tem muito a dizer em nenhuma? Ao que o meu professor retrucava: eu acho que a gente só tem a ganhar quando pode dizer “eu te amo” em mais de um idioma...
Assim foi que, naquela primavera de 68, ouvi de Dick Moneygrand, num curso intitulado “Hipóteses Sobre Culturas Nacionais”, que nós, brasileiros, tínhamos um pendor religioso pelos “de fora” ou “estrangeiros” quando eles surgiam como brancos, louros, de olhos claros e eram aristocratas, embaixadores, ricos e obviamente falavam uma língua que não entendíamos plenamente. Eis os vossos demiurgos e heróis civilizadores, dizia Dick. Eles em nada destoam daqueles que, em outras culturas, vieram do céu, das profundezas da terra ou da água - tal como os “conquistadores” e os “descobridores” e a família real lusa - e foram vistos como superiores ou deuses. Tinham, além do sangue azul e de serem diferentes dos pioneiros ou bandeirantes locais, já se misturados aos negros africanos e índios escravizados e subordinados como alienígenas inferiores.
Essa idolatria do outro - o branco aristocrata - é algo comum em todos os sistemas coloniais nos quais o colonizado mimetiza o colonizador e tem o sonho de visitar o centro do império do qual faz parte. Mas, no caso do Brasil, houve um tumulto. Primeiro, porque Portugal foi mais tangido pelo comércio do que pela missão civilizatória como ocorreu no caso espanhol; segundo, pelo fato excepcional na história das realezas, da fuga da família real para o Brasil. Aqui, o centro foi para a periferia num transtorno das teorias da colonização. Quando Lisboa é trocada pelo Rio, há uma implosão carnavalesca na qual colonizador e colonizado ficam exilados. Nesta periferia que virou centro, todos são canibalizados pela força dos costumes locais. Não é, pois, por acaso que o Brasil tenha essa sina imitadora e esse vezo pela estima negativa de si próprio. A familiaridade com aristocratas numa sociedade onde tudo devia ser feito levou a esse, digamos, poliglotismo cultural e político que até hoje faz com que vocês, brasileiros, pensem que existam mesmo países plenamente equilibrados e resolvidos. A idealização do outro corresponde a uma autodenegação.
Conforme vejo nas minhas anotações, Moneygrand terminou o curso arriscando: “Não há certeza em nenhum lugar. Esses modelos que vocês tanto buscam não estão fora, mas dentro de vocês. Tal como os idiomas, eles promovem alternativas, jamais certezas. As ideologias, como as leis que vocês têm em profusão, precisam ir além dos decretos, elas precisam ser seguidas”.
Roberto DaMatta
A Globo, do outro lado do paraíso
Nenhuma rede de comunicação foi – e ainda é – tão influente na história recente do Brasil como a Globo. Na época da ditadura civil-militar, o grupo Globo se consolidou como o maior do país e um dos maiores do mundo. A redemocratização chegou, e as Organizações Globo seguiram fortes. Nos protestos de junho de 2013, a cobertura da TV Globo e da Globo News foram decisivas para consolidar a narrativa de que os manifestantes eram “vândalos”. A Globo influenciou a opinião nacional na forma como cobriu a Lava Jato, os movimentos pelo impeachment de Dilma Rousseff e contra o PT, assim como na divulgação dos grampos ilegais da conversa gravada entre Lula e a então presidente do país. E, finalmente, foi em O Globo, principal jornal do grupo, que foi denunciada uma conversa altamente comprometedora entre o presidente Michel Temer (PMDB) e Joesley Batista, dono da JBS, à noite, no palácio residencial e fora da agenda, e que culminou com um editorial defendendo a renúncia de Temer – mas não eleições diretas. Como todos sabem, Temer não caiu até hoje.
Há algo novo no horizonte da Globo neste momento. Para parte daqueles identificados com a esquerda, a Globo é “golpista”. Essa parcela aponta a rede, em especial a TV Globo e a Globo News, como protagonista do “golpe parlamentar” que tirou Dilma Rousseff, uma presidente ruim, mas legitimamente eleita, do poder. Essa narrativa é alimentada não só pelos fatos atuais, mas pelo passado da emissora: em especial a edição do último debate entre Fernando Collor de Melloe Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições de 1989. Era o primeiro pleito presidencial após o fim de uma ditadura que durou 21 anos, detonada por um golpe civil-militar que a Globo apoiou, fato pelo qual pediu desculpas em 2013. A desconfiança contra a Globo, disseminada em uma parcela considerável dos que pertencem ao campo progressista, é permanente. E vem se acirrando desde 2013, amplificada pela facilidade de difusão das redes sociais. Essa ligação com o “golpismo”, mais incisiva neste momento, está intimamente ligada ao passado da Globo, mas também a algumas escolhas do presente.
A novidade, porém, está em outro campo, na parcela da sociedade que chama a Globo de “comunista”. Essa é a parte surpreendente mesmo para aqueles que sempre consideraram a Globo responsável por todos os problemas do Brasil. De comunista, virou também “pró-Lula” e “pró-PT” e até mesmo “pró-Cuba”. Até bem pouco tempo atrás seria difícil alguém acreditar que viveria para ver a Globo ser chamada de “comunista”. Mas, no atual momento do país, o impossível é um conceito desidratado pelo sem limites da realidade política.
A esse clamor tem se juntado parte do fundamentalismo evangélico, concentrado numa parcela das igrejas pentecostais e neopentecostais, que tem dado novos sentidos ao que chamam de comunismo. Desde que essa parcela do evangelismo começou a crescer no país, a se articular como força política no Congresso e a ter na TV um de seus principais meios de proselitismo religioso (e também político), as escaramuças com a Globo, por um lado, e as tentativas de aproximação da rede com lideranças evangélicas, por outro, têm sido uma constante especialmente desde 2010. É fundamental lembrar que a principal concorrente da Globo é, já há algum tempo, a Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do Bispo Edir Macedo.
Como tudo, no Brasil atual, nada é simples. Muito menos previsível. Na tarde do sábado, a hashtag #GloboLixo viralizou nas redes. Durante uma transmissão ao vivo, em que o repórter informava sobre o estado de saúde de Michel Temer, que passava por uma angioplastia no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um homem parou bem atrás do repórter e começou a gritar: “Globo Lixo!”. A transmissão teve de ser interrompida, e as redes sociais foram tomadas por todo o tipo de comentário com #GloboLixo.
O curioso no episódio é que a hashtag foi usada por pessoas que em todo o resto discordam de forma visceral. Embora a maioria claramente pareça pertencer ao campo conservador, havia muitos ligados ao campo progressista. A Globo era “#GloboLixo” por motivos muito diversos e até mesmo opostos, unindo campos que têm se mostrado inconciliáveis no cotidiano do país. Hoje, a Globo (assim como outros veículos de comunicação) tem sido chamada de “lixo” também por grupos que até bem pouco tempo atrás eram tratados por ela como a face nova e arejada da democracia numa “cruzada contra a corrupção” ou como os jovens rostos do liberalismo, o que não deixa de ser uma ironia.
Isso não significa que a Globo atingiu uma unanimidade negativa, mas que este momento do Brasil se torna mais e mais complexo. E a forma como é vista a maior rede de comunicação do país por diferentes grupos é crucial para tentar compreender o atual fundo do poço sem fundo.
A pecha de “comunista”, relacionada à Globo, é a mais desafiadora, porque tão delirante quanto calculada. Até o Santander, um dos maiores bancos privados do mundo, foi chamado de “comunista” durante o ataque à exposição QueerMuseu, em Porto Alegre, no qual a direção do centro cultural capitulou diante dos manifestantes. Chamar tanto o Santander quanto a Globo de “comunistas” pode ser compreendido como uma falha cognitiva desses acusadores. Mas este é um caminho fácil demais.
Uma pista importante é a ligação entre comunismo e temas morais neste momento em que grupos estridentes, mas não necessariamente representativos do pensamento da maioria dos brasileiros, como pesquisas já mostraram, têm produzido ataques contra a arte, artistas e museus, assim como episódios como a queima como “bruxa” de uma boneca com a cara da pensadora americana Judith Butler.
Comunismo, hoje, no Brasil, para alguns grupos, está muito mais associado aos costumes. A tudo que, para estes grupos, representa “aquilo que não presta”, categoria em que costumam colocar no mesmo patamar a reivindicação de um direito civil, como o casamento gay, e um crime, como a pedofilia. Neste mesmo sentido, algumas lideranças no campo da política, movidas pelo oportunismo, popularizaram a frase “querem transformar o Brasil numa Cuba”, como se essa fosse uma ideia real em circulação. Sem contar que a Cuba de Fidel Castro promoveu a perseguição e o encarceramento de gays e de lésbicas, uma face que a tornou mais parecida com aqueles que repetem essa frase sem noção.
O mais interessante desse processo é que a famosa ameaça do passado, que se tornou um tanto anedótica, a do “comunista comedor de criancinhas”, ganha uma literalidade de acepção sexual com o recente fenômeno nacional de enxergar pedófilos em quadros, performances e museus e acusar os autores das obras e os responsáveis pelas exposições como propagadores não só da pedofilia, mas também do comunismo. Nessas decodificações recentes que despontaram na sociedade brasileira, ser comunista seria, em resumo: “Corromper nossas crianças, acabar com a família brasileira, estimular a pedofilia e fazer todo mundo virar gay”.
Essas ligações não são novas, basta lembrar das marchas Da Família, com Deus e pela Liberdade, marcadamente católicas, que precederam a ditadura civil-militar, em 1964, contrapondo-se à suposta “ameaça comunista”. Mas, no Brasil atual – e na era da internet – isso aparece com nova roupagem e com novos atores e com muito mais virulência, o que torna tudo mais complicado.
Assim, não é apenas uma falha cognitiva ou uma deficiência educacional ou ainda uma ignorância, já que nada mais distante do comunismo do que a Globo ou o Santander. (E sem esquecer que tampouco o comunismo é um conceito teórico fechado ou acabado nem suas experiências reais foram menos do que controversas.) Mas, neste caso, trata-se também de uma nova construção de sentidos, com pouca ou nenhuma conexão com o conceito original de comunismo. Em vez de ser ridicularizada, essa apropriação deve ser escutada, estudada e compreendida. Inclusive porque cresce e porque tem influenciado o cotidiano do país.
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Há algo novo no horizonte da Globo neste momento. Para parte daqueles identificados com a esquerda, a Globo é “golpista”. Essa parcela aponta a rede, em especial a TV Globo e a Globo News, como protagonista do “golpe parlamentar” que tirou Dilma Rousseff, uma presidente ruim, mas legitimamente eleita, do poder. Essa narrativa é alimentada não só pelos fatos atuais, mas pelo passado da emissora: em especial a edição do último debate entre Fernando Collor de Melloe Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições de 1989. Era o primeiro pleito presidencial após o fim de uma ditadura que durou 21 anos, detonada por um golpe civil-militar que a Globo apoiou, fato pelo qual pediu desculpas em 2013. A desconfiança contra a Globo, disseminada em uma parcela considerável dos que pertencem ao campo progressista, é permanente. E vem se acirrando desde 2013, amplificada pela facilidade de difusão das redes sociais. Essa ligação com o “golpismo”, mais incisiva neste momento, está intimamente ligada ao passado da Globo, mas também a algumas escolhas do presente.
A novidade, porém, está em outro campo, na parcela da sociedade que chama a Globo de “comunista”. Essa é a parte surpreendente mesmo para aqueles que sempre consideraram a Globo responsável por todos os problemas do Brasil. De comunista, virou também “pró-Lula” e “pró-PT” e até mesmo “pró-Cuba”. Até bem pouco tempo atrás seria difícil alguém acreditar que viveria para ver a Globo ser chamada de “comunista”. Mas, no atual momento do país, o impossível é um conceito desidratado pelo sem limites da realidade política.
A esse clamor tem se juntado parte do fundamentalismo evangélico, concentrado numa parcela das igrejas pentecostais e neopentecostais, que tem dado novos sentidos ao que chamam de comunismo. Desde que essa parcela do evangelismo começou a crescer no país, a se articular como força política no Congresso e a ter na TV um de seus principais meios de proselitismo religioso (e também político), as escaramuças com a Globo, por um lado, e as tentativas de aproximação da rede com lideranças evangélicas, por outro, têm sido uma constante especialmente desde 2010. É fundamental lembrar que a principal concorrente da Globo é, já há algum tempo, a Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), do Bispo Edir Macedo.
Como tudo, no Brasil atual, nada é simples. Muito menos previsível. Na tarde do sábado, a hashtag #GloboLixo viralizou nas redes. Durante uma transmissão ao vivo, em que o repórter informava sobre o estado de saúde de Michel Temer, que passava por uma angioplastia no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um homem parou bem atrás do repórter e começou a gritar: “Globo Lixo!”. A transmissão teve de ser interrompida, e as redes sociais foram tomadas por todo o tipo de comentário com #GloboLixo.
O curioso no episódio é que a hashtag foi usada por pessoas que em todo o resto discordam de forma visceral. Embora a maioria claramente pareça pertencer ao campo conservador, havia muitos ligados ao campo progressista. A Globo era “#GloboLixo” por motivos muito diversos e até mesmo opostos, unindo campos que têm se mostrado inconciliáveis no cotidiano do país. Hoje, a Globo (assim como outros veículos de comunicação) tem sido chamada de “lixo” também por grupos que até bem pouco tempo atrás eram tratados por ela como a face nova e arejada da democracia numa “cruzada contra a corrupção” ou como os jovens rostos do liberalismo, o que não deixa de ser uma ironia.
Isso não significa que a Globo atingiu uma unanimidade negativa, mas que este momento do Brasil se torna mais e mais complexo. E a forma como é vista a maior rede de comunicação do país por diferentes grupos é crucial para tentar compreender o atual fundo do poço sem fundo.
A pecha de “comunista”, relacionada à Globo, é a mais desafiadora, porque tão delirante quanto calculada. Até o Santander, um dos maiores bancos privados do mundo, foi chamado de “comunista” durante o ataque à exposição QueerMuseu, em Porto Alegre, no qual a direção do centro cultural capitulou diante dos manifestantes. Chamar tanto o Santander quanto a Globo de “comunistas” pode ser compreendido como uma falha cognitiva desses acusadores. Mas este é um caminho fácil demais.
Uma pista importante é a ligação entre comunismo e temas morais neste momento em que grupos estridentes, mas não necessariamente representativos do pensamento da maioria dos brasileiros, como pesquisas já mostraram, têm produzido ataques contra a arte, artistas e museus, assim como episódios como a queima como “bruxa” de uma boneca com a cara da pensadora americana Judith Butler.
Comunismo, hoje, no Brasil, para alguns grupos, está muito mais associado aos costumes. A tudo que, para estes grupos, representa “aquilo que não presta”, categoria em que costumam colocar no mesmo patamar a reivindicação de um direito civil, como o casamento gay, e um crime, como a pedofilia. Neste mesmo sentido, algumas lideranças no campo da política, movidas pelo oportunismo, popularizaram a frase “querem transformar o Brasil numa Cuba”, como se essa fosse uma ideia real em circulação. Sem contar que a Cuba de Fidel Castro promoveu a perseguição e o encarceramento de gays e de lésbicas, uma face que a tornou mais parecida com aqueles que repetem essa frase sem noção.
O mais interessante desse processo é que a famosa ameaça do passado, que se tornou um tanto anedótica, a do “comunista comedor de criancinhas”, ganha uma literalidade de acepção sexual com o recente fenômeno nacional de enxergar pedófilos em quadros, performances e museus e acusar os autores das obras e os responsáveis pelas exposições como propagadores não só da pedofilia, mas também do comunismo. Nessas decodificações recentes que despontaram na sociedade brasileira, ser comunista seria, em resumo: “Corromper nossas crianças, acabar com a família brasileira, estimular a pedofilia e fazer todo mundo virar gay”.
Essas ligações não são novas, basta lembrar das marchas Da Família, com Deus e pela Liberdade, marcadamente católicas, que precederam a ditadura civil-militar, em 1964, contrapondo-se à suposta “ameaça comunista”. Mas, no Brasil atual – e na era da internet – isso aparece com nova roupagem e com novos atores e com muito mais virulência, o que torna tudo mais complicado.
Assim, não é apenas uma falha cognitiva ou uma deficiência educacional ou ainda uma ignorância, já que nada mais distante do comunismo do que a Globo ou o Santander. (E sem esquecer que tampouco o comunismo é um conceito teórico fechado ou acabado nem suas experiências reais foram menos do que controversas.) Mas, neste caso, trata-se também de uma nova construção de sentidos, com pouca ou nenhuma conexão com o conceito original de comunismo. Em vez de ser ridicularizada, essa apropriação deve ser escutada, estudada e compreendida. Inclusive porque cresce e porque tem influenciado o cotidiano do país.
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Moscas sem asas
Após a votação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), lembrei-me de uma das composições do Skank: "Indignação". Diz o refrão: "Eu fiquei indignado, ele ficou indignado, a massa indignada, duro de tão indignado. A nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as janelas de nossas casas".
De fato, pouca gente estava nas cercanias da Alerj e ninguém nas galerias, a não ser uns puxa-sacos do bando. Até a oficial de Justiça que tentou entregar um mandado para que o circo fosse público foi barrada. Em 17 minutos, 39 deputados restituíram o mandato de três colegas presos acusados por corrupção. Em momentos assim, as vítimas são a Justiça, a democracia e a nossa esperança de viver em um país mais digno. Como dizia o educador Paulo Freire, "num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário".
A população - tal como um lutador de boxe nocauteado após muito apanhar - ficou indiferente à votação, até porque já previa o resultado. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a porta da impunidade aos políticos ao transferir para o Legislativo a decisão sobre o afastamento do senador Aécio, em noite que culminou com um voto atabalhoado da ministra Cármen Lúcia. Nessa brecha, corruptos já voltaram à vida pública também no Rio Grande do Norte e em Mato Grosso. Caberá à Suprema Corte deixar claro se todo o Legislativo poderá cometer crimes e ficar impune ou se essa é uma prerrogativa exclusiva dos parlamentares federais. Por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa um corrupto federal, passam quadrilhas estaduais. O esgoto é o mesmo.
A Lava-Jato mostrou que a corrupção brasileira não é apenas episódica, do tipo que existe em todos os países e é combatida com transparência, controle social e educação de qualidade. No país há várias quadrilhas estruturadas - que precisam ser extirpadas - compostas por políticos, agentes públicos e empresários, tendo como alvo negócios bilionários do Estado, sejam contratos, subsídios, isenções fiscais, concessões, financiamentos, autorizações tarifárias e tudo o mais que possa gerar propina.
No Rio de Janeiro, porém, o roubo foi potencializado a partir do momento em que políticos com interesses comuns passaram a ter domínio sobre o estado, a prefeitura, a Alerj e, inclusive, o Tribunal de Contas. Assim, ficaram reunidos sob o mesmo comando quem legisla, contrata, executa, paga e fiscaliza, um verdadeiro paraíso para os corruptos. Daí a importância de se alterar as legislações que permitem o vaivém de políticos entre o Legislativo e o Executivo, bem como a composição dos tribunais de contas de forma a impedir a politização.
Mas tal como aconteceu com a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, a Lava-Jato está ameaçada desde quando as investigações atingiram as oligarquias políticas.
Assim, no Congresso está em curso a CPI da JBS, que tem como alvo principal o Ministério Público. Na Câmara, tramita o projeto de abuso de autoridade, que tenta constranger promotores e juízes. Outras propostas alteram a Lei da Ficha Limpa e impedem a delação de presos.
No STF, a qualquer momento pode ser rediscutida a prisão a partir da condenação em segunda instância e já existem objeções para homologação das delações premiadas. O foro privilegiado continua a ser um passaporte para a impunidade.
No Executivo, as designações da Procuradora-Geral da República e do diretor-geral da Polícia Federal geraram receios por terem contado com o apoio ou a indicação de investigados. Ambos manifestaram preocupação com os "vazamentos", enquanto a sociedade está preocupada é com maior publicidade. Em se tratando de homens públicos, é essencial termos conhecimento do inteiro teor das denúncias/delações, dos argumentos de defesa, da tramitação das ações e dos julgamentos. Desde que a transparência não prejudique o aprofundamento das apurações, não há razão para sigilo.
Em alguns meses saberemos se as instituições estão realmente funcionando e atuando em defesa do Estado, ou se os brasileiros estão fadados a permanecerem comandados por uma corja de políticos sem escrúpulos que governa, legisla e indica ministros para tribunais superiores para que sirvam aos seus interesses.
Voltando ao Skank, precisamos ir além das moscas sem asas. Fazer com que a nossa indignação ultrapasse as janelas das nossas casas e chegue às ruas e às urnas. Tal como dizia Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.
De fato, pouca gente estava nas cercanias da Alerj e ninguém nas galerias, a não ser uns puxa-sacos do bando. Até a oficial de Justiça que tentou entregar um mandado para que o circo fosse público foi barrada. Em 17 minutos, 39 deputados restituíram o mandato de três colegas presos acusados por corrupção. Em momentos assim, as vítimas são a Justiça, a democracia e a nossa esperança de viver em um país mais digno. Como dizia o educador Paulo Freire, "num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário".
A população - tal como um lutador de boxe nocauteado após muito apanhar - ficou indiferente à votação, até porque já previa o resultado. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a porta da impunidade aos políticos ao transferir para o Legislativo a decisão sobre o afastamento do senador Aécio, em noite que culminou com um voto atabalhoado da ministra Cármen Lúcia. Nessa brecha, corruptos já voltaram à vida pública também no Rio Grande do Norte e em Mato Grosso. Caberá à Suprema Corte deixar claro se todo o Legislativo poderá cometer crimes e ficar impune ou se essa é uma prerrogativa exclusiva dos parlamentares federais. Por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa um corrupto federal, passam quadrilhas estaduais. O esgoto é o mesmo.
A Lava-Jato mostrou que a corrupção brasileira não é apenas episódica, do tipo que existe em todos os países e é combatida com transparência, controle social e educação de qualidade. No país há várias quadrilhas estruturadas - que precisam ser extirpadas - compostas por políticos, agentes públicos e empresários, tendo como alvo negócios bilionários do Estado, sejam contratos, subsídios, isenções fiscais, concessões, financiamentos, autorizações tarifárias e tudo o mais que possa gerar propina.
No Rio de Janeiro, porém, o roubo foi potencializado a partir do momento em que políticos com interesses comuns passaram a ter domínio sobre o estado, a prefeitura, a Alerj e, inclusive, o Tribunal de Contas. Assim, ficaram reunidos sob o mesmo comando quem legisla, contrata, executa, paga e fiscaliza, um verdadeiro paraíso para os corruptos. Daí a importância de se alterar as legislações que permitem o vaivém de políticos entre o Legislativo e o Executivo, bem como a composição dos tribunais de contas de forma a impedir a politização.
Mas tal como aconteceu com a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, a Lava-Jato está ameaçada desde quando as investigações atingiram as oligarquias políticas.
Assim, no Congresso está em curso a CPI da JBS, que tem como alvo principal o Ministério Público. Na Câmara, tramita o projeto de abuso de autoridade, que tenta constranger promotores e juízes. Outras propostas alteram a Lei da Ficha Limpa e impedem a delação de presos.
No STF, a qualquer momento pode ser rediscutida a prisão a partir da condenação em segunda instância e já existem objeções para homologação das delações premiadas. O foro privilegiado continua a ser um passaporte para a impunidade.
No Executivo, as designações da Procuradora-Geral da República e do diretor-geral da Polícia Federal geraram receios por terem contado com o apoio ou a indicação de investigados. Ambos manifestaram preocupação com os "vazamentos", enquanto a sociedade está preocupada é com maior publicidade. Em se tratando de homens públicos, é essencial termos conhecimento do inteiro teor das denúncias/delações, dos argumentos de defesa, da tramitação das ações e dos julgamentos. Desde que a transparência não prejudique o aprofundamento das apurações, não há razão para sigilo.
Em alguns meses saberemos se as instituições estão realmente funcionando e atuando em defesa do Estado, ou se os brasileiros estão fadados a permanecerem comandados por uma corja de políticos sem escrúpulos que governa, legisla e indica ministros para tribunais superiores para que sirvam aos seus interesses.
Voltando ao Skank, precisamos ir além das moscas sem asas. Fazer com que a nossa indignação ultrapasse as janelas das nossas casas e chegue às ruas e às urnas. Tal como dizia Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.
'Se va enredando como en el muro la hiedra"
Lembrei-me desses versos de Violeta Parra vendo a lambança que se passou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro nos últimos dias. Um tribunal (TRF-2) havia determinado a prisão preventiva do presidente daquela Casa e de mais dois deputados estaduais. Com base em recente decisão do STF, que se aplicou a Aécio Neves, submeteu seu acórdão àquele Parlamento. Os deputados, sem tomarem conhecimento do tribunal, determinaram que os colegas fossem soltos. E os investigados acabaram voltando à prisão porque alvará de soltura algum fora expedido pelo tribunal.
Quando o STF foi levado, em maio de 2016, por ocasião do caso Cunha, a decidir se, tratando-se de suspensão de mandato parlamentar, teria ou não de submeter sua decisão à respectiva Casa legislativa, procurou-se empurrar com a barriga qualquer deliberação vinculante. Deu bode. Depois, já em 2017, no calor do “affair” Aécio, sem o menor constrangimento, desconstruíram a decisão unânime que haviam tomado, no ano anterior, no sentido de suspender o mandato do deputado Eduardo Cunha, sem autorização da Câmara dos Deputados. Em maio de 2016, não havia precedentes. Daí recorreram, por analogia, a um julgado de agosto de 2006, ocasião em que fora rejeitado um habeas corpus formulado pelo presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia. Dito parlamentar havia sido preso em flagrante, e sua prisão, mantida pelo STF, sem audiência daquela Assembleia. A relatora do habeas corpus, ministra Cármen Lúcia, fez tábula rasa dessa oitiva, ao argumento de que o Parlamento daquele Estado federado vivia uma “anomalia institucional, jurídica e ética”. Para quem não se recorda, na época, 23 dos 24 deputados estaduais rondonienses estariam envolvidos nas mesmas falcatruas que levaram à prisão do presidente da Casa.
A lembrança daquela anomalia ensejou o conceito de “franca excepcionalidade” a justificar, no caso Cunha, a decisão autônoma do STF. E daí, já às voltas com o caso Aécio Neves, pulou-se para a exigência de uma “superlativa excepcionalidade”, a fim de que se consagrasse, em sentido inverso, a submissão da decisão judicial ao crivo do Senado Federal. Mas, afinal: a “doutrina Aécio”, depois de todo o “requinte” de sua construção jurídica, deve ou não ser aplicada no Rio de Janeiro? Ou será que o TRF-2 não tinha reparado na “anomalia institucional, jurídica e ética” em que há muito está metida a Alerj? Ou seja, lá no STF, tudo começou com um caso estadual, mas pode até ser que a casos estaduais semelhantes não se venha a aplicar, doravante, a orientação do próprio STF. Isso mais parece uma daquelas trilhas sonoras dos velhos desenhos de Tom e Jerry, fazendo fundo às idas e vindas das perseguições do maldoso gato ao simpático ratinho. O STF se enredou em uma tal confusão, “como a hera na pedra”, que fica difícil, hoje em dia, saber onde, afinal, está a tal anomalia, pelo menos, institucional.
E não seria, então, o caso de Suas Excelências, no mínimo, dizerem a Eduardo Cunha: “Desculpa, erramos”?!
Quando o STF foi levado, em maio de 2016, por ocasião do caso Cunha, a decidir se, tratando-se de suspensão de mandato parlamentar, teria ou não de submeter sua decisão à respectiva Casa legislativa, procurou-se empurrar com a barriga qualquer deliberação vinculante. Deu bode. Depois, já em 2017, no calor do “affair” Aécio, sem o menor constrangimento, desconstruíram a decisão unânime que haviam tomado, no ano anterior, no sentido de suspender o mandato do deputado Eduardo Cunha, sem autorização da Câmara dos Deputados. Em maio de 2016, não havia precedentes. Daí recorreram, por analogia, a um julgado de agosto de 2006, ocasião em que fora rejeitado um habeas corpus formulado pelo presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia. Dito parlamentar havia sido preso em flagrante, e sua prisão, mantida pelo STF, sem audiência daquela Assembleia. A relatora do habeas corpus, ministra Cármen Lúcia, fez tábula rasa dessa oitiva, ao argumento de que o Parlamento daquele Estado federado vivia uma “anomalia institucional, jurídica e ética”. Para quem não se recorda, na época, 23 dos 24 deputados estaduais rondonienses estariam envolvidos nas mesmas falcatruas que levaram à prisão do presidente da Casa.
E não seria, então, o caso de Suas Excelências, no mínimo, dizerem a Eduardo Cunha: “Desculpa, erramos”?!
terça-feira, 28 de novembro de 2017
Anos de Poder atrás das grades
Saí do Rio arrasado com a história de Picciani e dos outros deputados soltos pela Assembleia. Amigos tristes, desolação com o Brasil, enfim, a história de sempre. Sabia que a estrada e o trabalho atenuariam a dor. Em poucas horas, já estava em Brasília, tentando achar um veículo 4 por 4 para chegar até aqui e visitar o Refúgio da Vida Silvestre das Veredas do Oeste Baiano.
Minha pousada nesta pequena cidade de Goiás não tem TV. Na primeira noite, vi rapidamente, no bar, uma declaração do novo chefe da PF que pareceu estranha. Ele acha que apenas a mala cheia de dinheiro ainda é pouco como prova. Mas na terça à noite, ao chegar moído pelos buracos, lamas e poças da estrada, soube que Picciani e os dois outros estavam presos de novo. E que Raquel Dodge questionaria o STF sobre a a autonomia da Alerj para libertar os seus.
Sempre imaginei que a Constituição, ao dizer que o Congresso pode soltar um parlamentar, em certas condições, refletia um momento: o país acabava de sair de um longo período autoritário. Era uma pequena salvaguarda política. Da mesma forma, o foro privilegiado surgiu da necessidade de se poder votar e falar com liberdade. Seu sentido foi desvirtuado, assim como o poder de libertar um congressista.
Eles começaram a roubar descaradamente e a usar os instrumentos que, teoricamente, protegiam ideias para proteger assaltos e outros crimes. A Constituição acabou se voltando contra nós, sobretudo porque os políticos corruptos souberam encontrar apoio entre ministros do STF.
No passado, o Congresso decidia sobre prisão. O STF resolveu ampliar esse poder, estendendo-o, no caso Aécio Neves, também para medidas cautelares, como, por exemplo, não sair de casa à noite. Os ministros podem até alegar ingenuidade. Mas era evidente para os que conhecem a vida política no Brasil que a sua decisão iria se espalhar como um rastilho de pólvora. Nas assembleias estaduais, a disposição é a de libertar os deputados sempre, independentemente do que fizeram de errado.
Não tenho condições de prever em detalhes a saída para esse impasse. Vendo as coisas de forma realística, o STF é o lugar onde é possível corrigir algo. O movimento dos ministros foi o de agravar o problema, pois estavam em vias de reduzir o foro privilegiado e acabaram dando uma ajuda à impunidade no caso Aécio Neves. Eles precisariam voltar atrás e concluir a votação da reforma do foro privilegiado. Ela foi suspensa porque o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, possivelmente para agradar aos políticos que o colocaram lá. Seria a boa notícia da semana.
O movimento, na verdade, é apenas uma etapa na luta contra a corrupção no Brasil. Algumas pessoas pensavam que a batalha seria simples: bastava denunciar, comprovar e prender. Isso só seria pensável num outro sistema mais avançado. Os políticos que desviam dinheiro público no Brasil o fazem há muitos anos. São eles que escolhem cargos de confiança, indicam e aprovam ministros para o STF.
Seria fácil expulsá-los se fossem estranhos no ninho. Mas foram eles que construíram o ninho, ajuntaram cada pedaço de palha: um ministro aqui, um chefe de polícia ali, o controle dos meios de comunicação em seus remotos estados. A arquitetura é sólida e complexa.
Para derrubar isso tudo, será preciso tempo e muita luta. Se as pessoas acham que a trama será desfeita por si própria, apenas com a descoberta dos escândalos, estarão enganadas. O Brasil é dominado por esquemas criminosos. Essa dominação foi fortemente atingida pela Lava-Jato e outras operações. Mas os próprios juízes, procuradores e delegados sempre advertiram que seu trabalho não basta para resolver o problema.
A situação é tão desanimadora que, às vezes, há gente defendendo uma quadrilha no governo com o argumento de que a quadrilha afastada pode voltar. Nisto há uma certa resignação. No entanto, nos países que, de certa forma, superaram a fase aguda do problema, é impensável escolher quadrilhas mais ou menos devastadoras.
A esta altura da vida, com a precária conexão, não sei se Picciani e os outros seguirão presos. No meio da semana, foi a vez de Garotinho e Rosinha. Detrás das grades, 20 anos de poder no Rio nos contemplam. Assim como acontece aqui, é possível desmontar progressivamente o gigantesco esquema de corrupção montado no Brasil.
Isso passa por melhores escolhas eleitorais, mas também por uma nova atitude no cotidiano. Muitos grupos dedicados à transparência já existem. Se cada pequena unidade de trabalho conseguir romper seu isolamento, se houver um permanente intercâmbio sobre o tema, é possível encontrar uma estratégia que transcenda as eleições, pois todos sabemos que santos não se candidatam a cargos públicos.
O movimento caiu na armadilha da aceitação da imprensa. Os comentaristas pensam claramente como um engenheiro: se houver muita gente, sucesso, menos gente, fracasso. Não é assim que se escreve a história dos protestos. Se dependesse de multidões, por exemplo, o Greenpeace já tinha morrido.
Minha pousada nesta pequena cidade de Goiás não tem TV. Na primeira noite, vi rapidamente, no bar, uma declaração do novo chefe da PF que pareceu estranha. Ele acha que apenas a mala cheia de dinheiro ainda é pouco como prova. Mas na terça à noite, ao chegar moído pelos buracos, lamas e poças da estrada, soube que Picciani e os dois outros estavam presos de novo. E que Raquel Dodge questionaria o STF sobre a a autonomia da Alerj para libertar os seus.
Eles começaram a roubar descaradamente e a usar os instrumentos que, teoricamente, protegiam ideias para proteger assaltos e outros crimes. A Constituição acabou se voltando contra nós, sobretudo porque os políticos corruptos souberam encontrar apoio entre ministros do STF.
No passado, o Congresso decidia sobre prisão. O STF resolveu ampliar esse poder, estendendo-o, no caso Aécio Neves, também para medidas cautelares, como, por exemplo, não sair de casa à noite. Os ministros podem até alegar ingenuidade. Mas era evidente para os que conhecem a vida política no Brasil que a sua decisão iria se espalhar como um rastilho de pólvora. Nas assembleias estaduais, a disposição é a de libertar os deputados sempre, independentemente do que fizeram de errado.
Não tenho condições de prever em detalhes a saída para esse impasse. Vendo as coisas de forma realística, o STF é o lugar onde é possível corrigir algo. O movimento dos ministros foi o de agravar o problema, pois estavam em vias de reduzir o foro privilegiado e acabaram dando uma ajuda à impunidade no caso Aécio Neves. Eles precisariam voltar atrás e concluir a votação da reforma do foro privilegiado. Ela foi suspensa porque o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, possivelmente para agradar aos políticos que o colocaram lá. Seria a boa notícia da semana.
O movimento, na verdade, é apenas uma etapa na luta contra a corrupção no Brasil. Algumas pessoas pensavam que a batalha seria simples: bastava denunciar, comprovar e prender. Isso só seria pensável num outro sistema mais avançado. Os políticos que desviam dinheiro público no Brasil o fazem há muitos anos. São eles que escolhem cargos de confiança, indicam e aprovam ministros para o STF.
Seria fácil expulsá-los se fossem estranhos no ninho. Mas foram eles que construíram o ninho, ajuntaram cada pedaço de palha: um ministro aqui, um chefe de polícia ali, o controle dos meios de comunicação em seus remotos estados. A arquitetura é sólida e complexa.
Para derrubar isso tudo, será preciso tempo e muita luta. Se as pessoas acham que a trama será desfeita por si própria, apenas com a descoberta dos escândalos, estarão enganadas. O Brasil é dominado por esquemas criminosos. Essa dominação foi fortemente atingida pela Lava-Jato e outras operações. Mas os próprios juízes, procuradores e delegados sempre advertiram que seu trabalho não basta para resolver o problema.
A situação é tão desanimadora que, às vezes, há gente defendendo uma quadrilha no governo com o argumento de que a quadrilha afastada pode voltar. Nisto há uma certa resignação. No entanto, nos países que, de certa forma, superaram a fase aguda do problema, é impensável escolher quadrilhas mais ou menos devastadoras.
A esta altura da vida, com a precária conexão, não sei se Picciani e os outros seguirão presos. No meio da semana, foi a vez de Garotinho e Rosinha. Detrás das grades, 20 anos de poder no Rio nos contemplam. Assim como acontece aqui, é possível desmontar progressivamente o gigantesco esquema de corrupção montado no Brasil.
Isso passa por melhores escolhas eleitorais, mas também por uma nova atitude no cotidiano. Muitos grupos dedicados à transparência já existem. Se cada pequena unidade de trabalho conseguir romper seu isolamento, se houver um permanente intercâmbio sobre o tema, é possível encontrar uma estratégia que transcenda as eleições, pois todos sabemos que santos não se candidatam a cargos públicos.
O movimento caiu na armadilha da aceitação da imprensa. Os comentaristas pensam claramente como um engenheiro: se houver muita gente, sucesso, menos gente, fracasso. Não é assim que se escreve a história dos protestos. Se dependesse de multidões, por exemplo, o Greenpeace já tinha morrido.
O conchavo tucano prova que a união faz a farsa
Há no caminho do PSDB meia dúzia de problemas: o cadáver político de Aécio Neves, o processo criminal contra Geraldo Alckmin, a radioatividade de Michel Temer, o racha interno e a inanição nas pesquisas presidenciais. A caciquia do tucanato não tem nada a dizer a respeito de nenhum deles. Reunidos em torno da mesa de refeições do Palácio dos Bandeirantes na noite desta segunda-feira, os pajés emplumados jantaram pizza, firmaram um conchavo e varreram as pendência para baixo do tapete.
Tasso Jereissati e Marconi Perillo, que guerreavam pela presidência do partido, depuseram as armas. Num acerto intermediado por Fernando Henrique Cardoso, concordaram em entregar o comando da legenda a Geraldo Alckmin, para que ele pavimente sua candidatura presidencial. O problema é que o PSDB continuará fazendo política em cima do tapete. E as encrencas acobertadas não ficarão imóveis. O Brasil já não é um país de bobos. Mas os tucanos ainda não notaram que sua presunção de superioridade perdeu o prazo de validade.
No dia 9 de dezembro, reunido em convenção nacional, o tucanato escolherá um novo presidente para o PSDB. Se tudo correr como foi planejado, Alckmin será aclamado. E não será por isso que Aécio deixará de feder, que o processo contra Alckmin irá desaparecer, que Temer ficará menos tóxico e que a fenda partidária se fechará. Ninguém dirá ao Ibope ou ao Datafolha que simpatiza com o presidenciável de um partido que, 15 anos depois de ter sido retirado do Planalto, continua acorrentado a uma agenda enferrujada.
Presidente licenciado do PSDB, Aécio teve 51 milhões de votos na eleição presidencial de 2014. Hoje, não sabe se os mineiros lhe dariam um mandato de deputado. Deve ser substituído na briga pelo Planalto por Alckmin. Ele já disputou a Presidência da República em 2006. Perdeu no segundo turno para Lula. Nessa época, sua rejeição rodava na casa dos 17%. Hoje, roça os 30%. De resto, frequenta as pesquisas como um sub-Bolsonaro. As intenções de voto em seu benefícios oscilam entre 6% e 8%.
Há um consenso no PSDB em torno da crença de que Alckmin precisa migrar do fundo da loja para a vitrine se quiser viabilizar-se eleitoralmente. O problema é que, antes de fazer o movimento, o candidato precisa limpar a ferrugem do bico. Sua atitude em relação às pendências morais que rondam o tucanato instruirão o julgamento que a plateia fará de suas pretensões. Suas palavras ofececerão uma ideia do que faria se descalabros éticos acontecessem quando estivesse na poltrona de presidente.
O silêncio imperial e a inércia não são as melhores respostas para o achaque de R$ 2 milhões praticado por Aécio contra Joesley Batista. A omissão tampouco responde à pergunta de R$ 10,7 milhões que os delatores da Odebrecht empurraram para dentro do processo que tramita no STJ contra Alckmin: o que diabos foi oferecido em troca do dinheiro que escorregou do caixa do departamento de propinas da empreiteira para as mãos intermediárias de Adhemar César Ribeiro, o cunhado do governador de São Paulo?
Nesta terça-feira, o Instituto Teotônio Vilela, braço acadêmico do PSDB, lançará um documento intitulado ‘Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que Queremos.’ Foi feito com a pretensão de servir de matéria-prima para a elaboração de um projeto para o país. Enquanto o PSDB não sacudir o tapete que oculta todas as suas pendências, a plateia talvez enxergue no título do papelório programático o nome mais criativo já inventado para definir conversa fiada.
Se a pizza servida no Palácio dos Bandeirantes na noite passada serviu para alguma coisa foi para demonstrar que, no PSDB, a união faz a farsa. A melhor coisa que poderia acontecer ao tucanato no momento seria o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, desafiar o conchavo de São Paulo insistindo na realização de prévias. Virgílio também rumina pretensões presidenciais. Seria divertido assistir a um ciclo de debates entre o prefeito e o governador.
Tasso Jereissati e Marconi Perillo, que guerreavam pela presidência do partido, depuseram as armas. Num acerto intermediado por Fernando Henrique Cardoso, concordaram em entregar o comando da legenda a Geraldo Alckmin, para que ele pavimente sua candidatura presidencial. O problema é que o PSDB continuará fazendo política em cima do tapete. E as encrencas acobertadas não ficarão imóveis. O Brasil já não é um país de bobos. Mas os tucanos ainda não notaram que sua presunção de superioridade perdeu o prazo de validade.
Presidente licenciado do PSDB, Aécio teve 51 milhões de votos na eleição presidencial de 2014. Hoje, não sabe se os mineiros lhe dariam um mandato de deputado. Deve ser substituído na briga pelo Planalto por Alckmin. Ele já disputou a Presidência da República em 2006. Perdeu no segundo turno para Lula. Nessa época, sua rejeição rodava na casa dos 17%. Hoje, roça os 30%. De resto, frequenta as pesquisas como um sub-Bolsonaro. As intenções de voto em seu benefícios oscilam entre 6% e 8%.
Há um consenso no PSDB em torno da crença de que Alckmin precisa migrar do fundo da loja para a vitrine se quiser viabilizar-se eleitoralmente. O problema é que, antes de fazer o movimento, o candidato precisa limpar a ferrugem do bico. Sua atitude em relação às pendências morais que rondam o tucanato instruirão o julgamento que a plateia fará de suas pretensões. Suas palavras ofececerão uma ideia do que faria se descalabros éticos acontecessem quando estivesse na poltrona de presidente.
O silêncio imperial e a inércia não são as melhores respostas para o achaque de R$ 2 milhões praticado por Aécio contra Joesley Batista. A omissão tampouco responde à pergunta de R$ 10,7 milhões que os delatores da Odebrecht empurraram para dentro do processo que tramita no STJ contra Alckmin: o que diabos foi oferecido em troca do dinheiro que escorregou do caixa do departamento de propinas da empreiteira para as mãos intermediárias de Adhemar César Ribeiro, o cunhado do governador de São Paulo?
Nesta terça-feira, o Instituto Teotônio Vilela, braço acadêmico do PSDB, lançará um documento intitulado ‘Gente em Primeiro Lugar: o Brasil que Queremos.’ Foi feito com a pretensão de servir de matéria-prima para a elaboração de um projeto para o país. Enquanto o PSDB não sacudir o tapete que oculta todas as suas pendências, a plateia talvez enxergue no título do papelório programático o nome mais criativo já inventado para definir conversa fiada.
Se a pizza servida no Palácio dos Bandeirantes na noite passada serviu para alguma coisa foi para demonstrar que, no PSDB, a união faz a farsa. A melhor coisa que poderia acontecer ao tucanato no momento seria o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, desafiar o conchavo de São Paulo insistindo na realização de prévias. Virgílio também rumina pretensões presidenciais. Seria divertido assistir a um ciclo de debates entre o prefeito e o governador.
Esquerda está engasgada com seu próprio veneno
A esquerda está engasgada com seu próprio veneno. Anda por aí posando de vestal virgem (a redundância é intencional) com a "perseguição" que começa a sofrer por parte da nova direita.
Coitadinha dela! Sempre tão a favor da liberdade de expressão. Tão sempre disposta ao diálogo e à abertura "para o Outro". Tão distante de práticas de reserva de mercado nas universidades, nas escolas, nas redações, ou entre os agentes culturais.
Até feiras literárias chiques a esquerda sempre quis compartilhar com os que têm o hábito de ler "outros livros".
Tenho mesmo perdido horas imaginando como esses "corações livres" sofrem com a injustiça do mundo. Como não reconhecer que a esquerda sempre foi a favor da liberdade de expressão e que nunca praticou o seu modo de censura, conhecido por "politicamente correto"? A boçalidade da esquerda na sua autopercepção como "pura" pode chocar os não iniciados na mentira moral e política que alimentou grande parte da história da esquerda desde suas origens entre os jacobinos no século 18.
Mas, antes, vamos esclarecer uma coisa: não simpatizo com essa guerrilha cultural. E não simpatizo, basicamente, por dois motivos.
O primeiro porque, quando começamos a pedir censura, o processo toma seu próprio curso e logo chegamos à caça às bruxas e à histeria.
O segundo motivo porque, apesar de a direita americana há anos ter optado por essa prática de embate cultural, não estou certo de que funcione no plano das eleições (não julgo a eleição de Trump um sucesso para os setores mais competentes em política da direita americana).
Enquanto esses setores da nova direita brasileira combatem feministas que se ocupam com temas periféricos no mundo (questão "queer"), o PT pode voltar ao poder em larga escala. A escala do retrocesso no país seria paleolítica.
O preço a pagar pelo retorno do PT custaria 50 anos ao país, no mínimo. O PT e seus associados continuam sendo maioria nas universidades, nas escolas, nas Redações, no Poder Judiciário, no STF e nos aparelhos culturais em geral.
A necessidade de alianças com níveis reacionários da sociedade pode se tornar uma triste realidade.
E aí chegamos ao que pensa, pelo menos em parte, essa nova direita que vai para o embate cultural nesse momento.
E é importante prestarmos atenção ao que está por trás da escolha dessa estratégia.
Voltemos ao meu próprio argumento acima (a um detalhe nele, pelo menos).
Eu disse que a questão "queer" era periférica no mundo.
Continuo a duvidar da importância da guerrilha cultural para evitar um retorno do PT e associados ao poder, mas alguém pode contra-argumentar dizendo que, pelo menos em parte, o combate cultural pode ser um elemento essencial na disputa política pelo poder (a tal da "hegemonia").
Não apenas no sentido de política como eleições, mas sim no de política cultural engajada nas instituições e aparelhos que produzem uma visão de mundo que, a médio prazo, poderá impactar todas as formas de política e de sociedade no país.
Alguém pode perguntar: por que o dinheiro dos impostos, pagos por todos (e que sustentam direta ou indiretamente universidades, escolas, museus, teatros e afins), deve ser utilizado em atividades que não estariam de acordo com grande parte da sociedade brasileira?
E mais: por que essa grande parte não poderia, ou não deveria, se manifestar no sentido de inviabilizar esses gastos?
Lembremos que a truculência praticada por esta nova direita já era praticada pela esquerda no país. O que esta esquerda não esperava era ter que provar do seu próprio veneno.
Quem vem a público atirar pedras nessa nova direita deveria lembrar tudo o que a esquerda faz contra quem não concorda com seus pressupostos acerca da "democracia".
Escolas devem sim ensinar que todos são iguais perante a lei. Mas, por que escolas devem se meter na formação sexual de crianças?
Não seria essa suposta "formação sexual" um modo de um número mínimo de pessoas impor suas teorias a um número enorme de crianças que não tem como reagir à "pregação" ideológico-sexual?
Papuda abre frahchising na Câmara
Veja como são as coisas. Se não fossem um mísero queijo provolone e dois pacotinhos de biscoitos de Maizena ninguém saberia que existe um deputado que dorme no presídio à noite e de dia atua como parlamentar na Câmara. Senta-se, no plenário, ao lado do companheiro Paulo Maluf, procurado pela Interpol em mais de 120 países do mundo por crime de corrupção, mas que também desfruta das benesses do parlamento brasileiro. Esses são os condenados conhecidos. Outras centenas de processados povoam os corredores e dão expedientes na Câmara dos Deputados. Flagrados com os produtos na cueca na inspeção ao voltar para o presídio, Celso Jacob, PMDB-RJ, agora amarga um castigo por indisciplina.
Esse é o quadro preto e branco, sem retoques, do parlamento no Brasil. Dois ex-presidentes da Câmara, Eduardo Cunha e Henrique Alves, em cana. Seriam três se o João Paulo Cunha não tivesse sido indultado pela Dilma, sua parceira petista. Três ex-governadores também no xilindró e uma enxurrada de outros na mira da justiça. Diante desse descalabro, às vezes até nos sentimos muito próximos do que disse Pelé certa vez: o brasileiro não sabe votar. Mas, e os Estados Unidos? Sabem? Então por que elegeram um bufão tresloucado como Donald Trump, a nossa Magna versão americana. Mas parece que nos EUA existe uma diferença: a justiça funciona e seus criminosos recebem penas exemplares.
Aqui, no nosso Brasil varonil, se a justiça realmente funcionasse deputados da laia de Jacob e Maluf já estariam mofando na cadeia há muito tempo. Agora, depois do flagrante dos agentes penitenciários, os nossos togados acordam da letargia e descobrem que o Jacob foi condenado a sete anos prisão e resolvem devolvê-lo ao presídio sem regalias. A 3º Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios acatou recurso do Ministério Público e decidiu deixar o Jacob trancafiado. Como vai acumular faltas, espera-se que dessa vez a Câmara dos Deputados casse o seu mandato. Com a decisão, o deputado não corre mais o vexame de ver subtraído seus biscoitinhos e os queijinhos provolone. A família doravante se encarregará de satisfazer seus desejos gastronômicos nos dias de visita.
E aonde estava essa justiça que só agora descobriu o Jacob? Ora, deitada no amontoado de processos que vão de um canto a outro e acabam em nenhum lugar. É o caso do Maluf. É inadmissível o que vem ocorrendo com o deputado. Condenado, ele convive com os deputados na Câmara e ainda se dá ao luxo de conchavar votos lá dentro para livrar o presidente Temer das investigações sobre corrupção. É claro que anexado ao processo do deputado paulista está o cartaz da Interpol com a sua fotografia de procurado em mais de 120 países. Ma o que fazer se a justiça continua cega.
No exterior somos vistos como uma republiqueta de bananas. E não é pra menos. Um ex-presidente (Lula) condenado por corrupção, presidentes da Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativas presos e deputados e senadores pendurados em processos da Lava Jato. Mas até então ainda existiam os sortudos, caso do Jacob, beneficiado pelo regime semiaberto. Dormia na cela e pela manhã, de terno e gravata, esperava seu motorista particular à porta do presídio que o levava, como uma autoridade acima de qualquer suspeita, aos trabalhos no parlamento.
Se realmente, a regra for cumprida, Jacob passa agora às tarefas do presídio como limpar os corredores com rodo e vassoura, escovar o boi (vaso sanitário) e obedecer cegamente as ordens do xerife da cadeia para não cometer nenhum tipo de infração sob o risco de ser obrigado a dividir o mesmo colchão com o chefão.
Na Papuda, onde ele está recolhido, ninguém vacila, pois, a lei tem de ser cumprida rigorosamente. E o deputado Jacob certamente ainda será submetido a um severo interrogatório pelo tribunal carcerário. Esses “magistrados” querem saber, por exemplo, por que o parlamentar desviou dinheiro da construção de uma creche em Três Rios quando foi prefeito da cidade. Normalmente, esse pessoal que compõe esse tribunal de exceção não dá refresco para quem comete esses crimes contra crianças, surrupiando delas o queijinho e o biscoitinho da sua refeição.
Esse é o quadro preto e branco, sem retoques, do parlamento no Brasil. Dois ex-presidentes da Câmara, Eduardo Cunha e Henrique Alves, em cana. Seriam três se o João Paulo Cunha não tivesse sido indultado pela Dilma, sua parceira petista. Três ex-governadores também no xilindró e uma enxurrada de outros na mira da justiça. Diante desse descalabro, às vezes até nos sentimos muito próximos do que disse Pelé certa vez: o brasileiro não sabe votar. Mas, e os Estados Unidos? Sabem? Então por que elegeram um bufão tresloucado como Donald Trump, a nossa Magna versão americana. Mas parece que nos EUA existe uma diferença: a justiça funciona e seus criminosos recebem penas exemplares.
Aqui, no nosso Brasil varonil, se a justiça realmente funcionasse deputados da laia de Jacob e Maluf já estariam mofando na cadeia há muito tempo. Agora, depois do flagrante dos agentes penitenciários, os nossos togados acordam da letargia e descobrem que o Jacob foi condenado a sete anos prisão e resolvem devolvê-lo ao presídio sem regalias. A 3º Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios acatou recurso do Ministério Público e decidiu deixar o Jacob trancafiado. Como vai acumular faltas, espera-se que dessa vez a Câmara dos Deputados casse o seu mandato. Com a decisão, o deputado não corre mais o vexame de ver subtraído seus biscoitinhos e os queijinhos provolone. A família doravante se encarregará de satisfazer seus desejos gastronômicos nos dias de visita.
E aonde estava essa justiça que só agora descobriu o Jacob? Ora, deitada no amontoado de processos que vão de um canto a outro e acabam em nenhum lugar. É o caso do Maluf. É inadmissível o que vem ocorrendo com o deputado. Condenado, ele convive com os deputados na Câmara e ainda se dá ao luxo de conchavar votos lá dentro para livrar o presidente Temer das investigações sobre corrupção. É claro que anexado ao processo do deputado paulista está o cartaz da Interpol com a sua fotografia de procurado em mais de 120 países. Ma o que fazer se a justiça continua cega.
No exterior somos vistos como uma republiqueta de bananas. E não é pra menos. Um ex-presidente (Lula) condenado por corrupção, presidentes da Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativas presos e deputados e senadores pendurados em processos da Lava Jato. Mas até então ainda existiam os sortudos, caso do Jacob, beneficiado pelo regime semiaberto. Dormia na cela e pela manhã, de terno e gravata, esperava seu motorista particular à porta do presídio que o levava, como uma autoridade acima de qualquer suspeita, aos trabalhos no parlamento.
Se realmente, a regra for cumprida, Jacob passa agora às tarefas do presídio como limpar os corredores com rodo e vassoura, escovar o boi (vaso sanitário) e obedecer cegamente as ordens do xerife da cadeia para não cometer nenhum tipo de infração sob o risco de ser obrigado a dividir o mesmo colchão com o chefão.
Na Papuda, onde ele está recolhido, ninguém vacila, pois, a lei tem de ser cumprida rigorosamente. E o deputado Jacob certamente ainda será submetido a um severo interrogatório pelo tribunal carcerário. Esses “magistrados” querem saber, por exemplo, por que o parlamentar desviou dinheiro da construção de uma creche em Três Rios quando foi prefeito da cidade. Normalmente, esse pessoal que compõe esse tribunal de exceção não dá refresco para quem comete esses crimes contra crianças, surrupiando delas o queijinho e o biscoitinho da sua refeição.
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Objetivos políticos da reforma da Previdência
As articulações de Michel Temer e companhia para aprovação da Reforma da Previdência rodeia o noticiário político e a vida econômica de todos. Após vacilo do próprio presidente da República, o governo percebeu que entregar os pontos da Reforma seria decretar o próprio fim. Para que mais serviria um governo como o de Michel Temer?
Subitamente, no entanto, a entourage do presidente enxergou na hipótese da aprovação da reforma o seu novo despertar; o ressurgir das cinzas das denúncias do Ministério Público e até sonhar com uma candidatura presidencial, quiçá, com o próprio Temer, ressuscitado como ''grande reformador''. Seria como se a reforma, no limiar da cripta do ostracismo de Temer pudesse gritar: Michel, levanta-te e anda!
Faz todo sentido, na situação em que o governo se encontrava, logo após Temer quase jogar a toalha da reforma, o caminho para o governo seria — e é — mesmo o tudo ou nada. Além disso, é evidente que alguma reforma é, de fato, necessária: ao longo dos anos, transformações demográficas estruturais colocaram o sistema previdenciário, como está, em xeque.
Além disso, no Brasil, a distribuição de riqueza, por meio da previdência, é desigual e injusta: um monumento ao poder e aos privilégios corporativos. Nesse sentido, talvez tardiamente, o governo mudou o foco de sua ação. Se antes corria do enfrentamento com o funcionalismo, hoje faz um embate necessário, talvez por não lhe sobrar alternativa. Aliás, aqui cabe um parêntese indigesto:
(Nesse sentido, o noticiário do embate pela reforma talvez falhe em não mostrar os bastidores da reação a ela: como estariam se comportando os lobbies de juízes, promotores, agentes da receita e professores universitários, por exemplo, na defesa de seus interesses e na pressão a parlamentares? Será que assimilaram os inevitáveis custos da mudança ou, naturalmente, se mobilizam na defesa do que consideram seus direitos? Mas, esta é outra questão. Voltemos ao campo das considerações fiscais.)
Todavia, são inúmeras as evidências de que o próprio esforço pela reforma denuncia o pouco apego a questões fiscais e de justiça social: concessões fiscais feitas, em nome da reforma comprometem-lhe o sentido e os próprios motivos para faze-la. Os números estão nas primeiras páginas dos jornais (aqui). O país chegará, ao final, ao ponto de se perguntar qual o custo e não o ganho fiscal da reforma da previdência? O processo ainda está em andamento. São as tais negociações, nunca muito transparentes.
Isto sem considerar a natureza da reforma ministerial, em curso, feita em nome da aprovação da reforma previdenciária. O loteamento do ministério das Cidades, em várias facções da base, revela que o motor da reforma não é necessariamente reformista — por mais que pareça uma contradição em termos —; é fisiológico. Basta verificar a guerra, na base, em torno das secretarias de Saneamento e Habitação, as que trazem maiores retornos os políticos e partidos que as ocuparem.
Paradoxos?
Não. Se o esforço fiscal perseguido pela reforma custa tolerância e mais gastos fiscais, mitigando os resultados pretendidos, é porque os objetivos, últimos e mais recônditos da reforma, não são verdadeiramente fiscais. São políticos: produzir símbolos, na ânsia de o governo mostrar que ainda está vivo. Tem lógica.
Sob vários aspectos, a reforma é necessária. Mas, seria o caso de se perguntar se ela está sendo feita em nome da racionalidade econômica anunciada ou se seus motivos se resumirão aos objetivos políticos. Há grande diferença entre um e outro, não apenas em relação à qualidade da reforma — e da transparência democrática — mas também em relação a seus efeitos de longo prazo; políticos e econômicos.
Carlos Melo
Subitamente, no entanto, a entourage do presidente enxergou na hipótese da aprovação da reforma o seu novo despertar; o ressurgir das cinzas das denúncias do Ministério Público e até sonhar com uma candidatura presidencial, quiçá, com o próprio Temer, ressuscitado como ''grande reformador''. Seria como se a reforma, no limiar da cripta do ostracismo de Temer pudesse gritar: Michel, levanta-te e anda!
Além disso, no Brasil, a distribuição de riqueza, por meio da previdência, é desigual e injusta: um monumento ao poder e aos privilégios corporativos. Nesse sentido, talvez tardiamente, o governo mudou o foco de sua ação. Se antes corria do enfrentamento com o funcionalismo, hoje faz um embate necessário, talvez por não lhe sobrar alternativa. Aliás, aqui cabe um parêntese indigesto:
(Nesse sentido, o noticiário do embate pela reforma talvez falhe em não mostrar os bastidores da reação a ela: como estariam se comportando os lobbies de juízes, promotores, agentes da receita e professores universitários, por exemplo, na defesa de seus interesses e na pressão a parlamentares? Será que assimilaram os inevitáveis custos da mudança ou, naturalmente, se mobilizam na defesa do que consideram seus direitos? Mas, esta é outra questão. Voltemos ao campo das considerações fiscais.)
Todavia, são inúmeras as evidências de que o próprio esforço pela reforma denuncia o pouco apego a questões fiscais e de justiça social: concessões fiscais feitas, em nome da reforma comprometem-lhe o sentido e os próprios motivos para faze-la. Os números estão nas primeiras páginas dos jornais (aqui). O país chegará, ao final, ao ponto de se perguntar qual o custo e não o ganho fiscal da reforma da previdência? O processo ainda está em andamento. São as tais negociações, nunca muito transparentes.
Isto sem considerar a natureza da reforma ministerial, em curso, feita em nome da aprovação da reforma previdenciária. O loteamento do ministério das Cidades, em várias facções da base, revela que o motor da reforma não é necessariamente reformista — por mais que pareça uma contradição em termos —; é fisiológico. Basta verificar a guerra, na base, em torno das secretarias de Saneamento e Habitação, as que trazem maiores retornos os políticos e partidos que as ocuparem.
Paradoxos?
Não. Se o esforço fiscal perseguido pela reforma custa tolerância e mais gastos fiscais, mitigando os resultados pretendidos, é porque os objetivos, últimos e mais recônditos da reforma, não são verdadeiramente fiscais. São políticos: produzir símbolos, na ânsia de o governo mostrar que ainda está vivo. Tem lógica.
Sob vários aspectos, a reforma é necessária. Mas, seria o caso de se perguntar se ela está sendo feita em nome da racionalidade econômica anunciada ou se seus motivos se resumirão aos objetivos políticos. Há grande diferença entre um e outro, não apenas em relação à qualidade da reforma — e da transparência democrática — mas também em relação a seus efeitos de longo prazo; políticos e econômicos.
Carlos Melo
Sucessão vive prévia ente os crus e os podres
No Brasil, o eleitor costuma espantar-se pouquíssimo. Se a conjuntura servir uma sopa de ratazanas, a maioria não fará a concessão de uma surpresa. São ratazanas? Pois que venham. E com pimenta. De repente, na antessala de 2018, as pesquisas eleitorais empurram o brasileiro para um ponto de fastio com a política, forçando-o a concentrar-se nos dois extremos do espectro culinário: os crus e os podres.
Aos pouquinhos, vão-se os crus —os genuínos, como Sergio Moro e Luciano Huck, saltam da gôndola. Os disfarçados, como João Doria, são abandonados na prateleira. Os dissimulados, como Jair Bolsonaro, se oferecem para ser consumidos in natura. Mas basta abrir a boca para revelar a presença de elementos tóxicos.
Logo, logo, só restarão os podres. Condenado, Lula, tornou-se repugnante para o paladar comum, e, portanto, só é digerido pelos 35% que ainda engolem o PT. Michel Temer, moído por um par de denúncias criminais, passou a fazer pose de Tartare, a carne picada que os franceses servem crua. Mas a podridão no governo já atingiu aquele estágio em que a comida come a si mesma. Quem está perto já foi devorado, como Aécio Neves. Ou está na fila, como Henrique Meirelles,
Geraldo Alckmin, com aparência de leite estragado, se finge de queijo fino ou de iogurte de chuchu. O diabo é que seu prazo de validade só poderá ser conferido quando o Superior Tribunal de Justiça levantar o sigilo do processo que recebeu do Supremo Tribunal Federal. Algo que precisa ser feito o quanto antes. De preferência ontem.
Josias de Souza
Aos pouquinhos, vão-se os crus —os genuínos, como Sergio Moro e Luciano Huck, saltam da gôndola. Os disfarçados, como João Doria, são abandonados na prateleira. Os dissimulados, como Jair Bolsonaro, se oferecem para ser consumidos in natura. Mas basta abrir a boca para revelar a presença de elementos tóxicos.
Geraldo Alckmin, com aparência de leite estragado, se finge de queijo fino ou de iogurte de chuchu. O diabo é que seu prazo de validade só poderá ser conferido quando o Superior Tribunal de Justiça levantar o sigilo do processo que recebeu do Supremo Tribunal Federal. Algo que precisa ser feito o quanto antes. De preferência ontem.
Josias de Souza
O povo não é bobo
No palanque, o ex Lula, travestido de alvo das elites, prega que o “povo não tem de pagar imposto de renda sobre salário”. Na outra ponta, o deputado Jair Bolsonaro promete que todos os brasileiros terão armas de fogo.
Nada que, digamos educadamente, seja factível ou habite as prioridades do cidadão.
Primeiro e segundo colocados nas pesquisas de intenção de voto a um ano da eleição presidencial, ambos discursam com doses idênticas de irresponsabilidade.
Como jogam quase sozinhos estão contabilizando sucessos. Boa parte deles, fora da lei.
Mas as vantagens da antecipação deslavada -- à qual a Justiça eleitoral fecha os olhos, deixando ferir a isonomia entre os pretendentes futuros já na fase preliminar -- podem custar caro mais à frente, quando e se o eleitor vier a exigir propostas dos concorrentes.
Como Bolsonaro pretende armar todo o povo? Vai criar a bolsa-revólver?
O que Lula, que governou o país por oito anos consecutivos e não desonerou o salário de IR enquanto podia, vai dizer ao trabalhador? Como explicará as benesses que deu às elites que condena no papo? O que mesmo ele tem para oferecer além da prometida revogação dos atos do presidente Michel Temer, escolhido a dedo por ele para compor a chapa com sua pupila Dilma Rousseff?
Pretende reeditar a escalada de consumo que escamoteou a pobreza, permitindo a compra da TV nova perdida no carnê do desemprego? Ou escolher novas empresas campeãs nacionais, “eikes e joesleys” para assaltar o Estado com subsídios, financiamentos e concessões generosas? E novamente enriquecê-los com facilidades para financiarem o rei e seus amigos.
Tanto Lula quanto Bolsonaro vão precisar mais do que boa lábia.
Políticos em geral e candidatos em particular tendem a abusar da repetição enfadonha dos reclames por mais segurança, mais emprego, mais saúde, mais educação, mais e mais daquilo que eles prometem toda eleição e não entregam. Falam o que acham que o público quer ouvir, sem qualquer lastro com a realidade ou compromisso futuro.
Mas, diante do estado de corrupção generalizada em quase todos os motores da máquina pública, impostos estratosféricos e serviços de péssima qualidade, dificilmente o eleitor vai se iludir com as bravatas de sempre.
Enganam-se os que de antemão só veem espaços para aventureiros quando a crise se agudiza. Por vezes, ela funciona como bússola e orienta o eleitor a rejeitar discursos vazios e exigir propostas mais viáveis, por vezes até duras. Foi assim na França de Emmanuel Macron e até na vizinha Argentina de Mauricio Macri.
Não é preciso ir longe. Há exemplos caseiros, como o do governador Mario Covas, que, para desespero dos marqueteiros da época, antecipou, durante a campanha de 1994, que não concederia reajuste ao funcionalismo público paulista. Venceu as eleições.
Há chances concretas de o eleitor levar a sério alguém que aponte com firmeza – e sem fantasias – um plano para revolucionar a estrutura de segurança pública que tem se mostrado ultrapassada e ineficiente na maioria dos estados. Ou para universalizar o Ensino Médio, que hoje atrai pouco mais de 50% dos jovens, sendo que mais de 40% deles abandonam o curso antes de concluí-lo. Ou ainda para reparar o absurdo de 35 milhões de brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem acesso à coleta de esgoto quanto mais a tratamento, que só chega a 42% do montante coletado. Tudo a condenar populações imensas ao subdesenvolvimento e à miséria eterna.
Concordando ou não com ele, o estudo Um ajuste justo, apresentado pelo Banco Mundial na semana que passou, é um bom início de conversa.
Nas 160 páginas dele há propostas ousadas que vão desde reformas radicais na Previdência e no sistema de assistência, à adequação das universidades públicas à paridade social, cobrando dos que têm maior poder aquisitivo – e que são maioria dentro delas - para subsidiar os mais pobres. Sugere ainda o congelamento de salários de servidores, que, na média, ganham mais do que o dobro de seus semelhantes na iniciativa privada.
O embate ficaria mais encorpado, mais rico e digno se fosse travado em torno da concordância ou discordância de propostas dessa natureza.
Os palanqueiros de sempre – Lula à frente – vão resistir a ele. Até porque não suportam o debate de ideias. Nada do que difere do que eles pensam pode, nem hipoteticamente, ser proveitoso, quando mais bom.
Para Bolsonaro, tudo que vier é lucro. Para o ex Lula, a encarnação de mártir foi escolhida há tempos e cabe em qualquer figurino: na vitória ou na derrota, na glória ou na prisão.
Talvez não se atentem para dois fatos: intenção de voto um ano antes da eleição irriga o ego, mas pouco mede. E o eleitor não é trouxa.
Nada que, digamos educadamente, seja factível ou habite as prioridades do cidadão.
Primeiro e segundo colocados nas pesquisas de intenção de voto a um ano da eleição presidencial, ambos discursam com doses idênticas de irresponsabilidade.
Como jogam quase sozinhos estão contabilizando sucessos. Boa parte deles, fora da lei.
Mas as vantagens da antecipação deslavada -- à qual a Justiça eleitoral fecha os olhos, deixando ferir a isonomia entre os pretendentes futuros já na fase preliminar -- podem custar caro mais à frente, quando e se o eleitor vier a exigir propostas dos concorrentes.
Como Bolsonaro pretende armar todo o povo? Vai criar a bolsa-revólver?
O que Lula, que governou o país por oito anos consecutivos e não desonerou o salário de IR enquanto podia, vai dizer ao trabalhador? Como explicará as benesses que deu às elites que condena no papo? O que mesmo ele tem para oferecer além da prometida revogação dos atos do presidente Michel Temer, escolhido a dedo por ele para compor a chapa com sua pupila Dilma Rousseff?
Pretende reeditar a escalada de consumo que escamoteou a pobreza, permitindo a compra da TV nova perdida no carnê do desemprego? Ou escolher novas empresas campeãs nacionais, “eikes e joesleys” para assaltar o Estado com subsídios, financiamentos e concessões generosas? E novamente enriquecê-los com facilidades para financiarem o rei e seus amigos.
Tanto Lula quanto Bolsonaro vão precisar mais do que boa lábia.
Políticos em geral e candidatos em particular tendem a abusar da repetição enfadonha dos reclames por mais segurança, mais emprego, mais saúde, mais educação, mais e mais daquilo que eles prometem toda eleição e não entregam. Falam o que acham que o público quer ouvir, sem qualquer lastro com a realidade ou compromisso futuro.
Mas, diante do estado de corrupção generalizada em quase todos os motores da máquina pública, impostos estratosféricos e serviços de péssima qualidade, dificilmente o eleitor vai se iludir com as bravatas de sempre.
Enganam-se os que de antemão só veem espaços para aventureiros quando a crise se agudiza. Por vezes, ela funciona como bússola e orienta o eleitor a rejeitar discursos vazios e exigir propostas mais viáveis, por vezes até duras. Foi assim na França de Emmanuel Macron e até na vizinha Argentina de Mauricio Macri.
Não é preciso ir longe. Há exemplos caseiros, como o do governador Mario Covas, que, para desespero dos marqueteiros da época, antecipou, durante a campanha de 1994, que não concederia reajuste ao funcionalismo público paulista. Venceu as eleições.
Há chances concretas de o eleitor levar a sério alguém que aponte com firmeza – e sem fantasias – um plano para revolucionar a estrutura de segurança pública que tem se mostrado ultrapassada e ineficiente na maioria dos estados. Ou para universalizar o Ensino Médio, que hoje atrai pouco mais de 50% dos jovens, sendo que mais de 40% deles abandonam o curso antes de concluí-lo. Ou ainda para reparar o absurdo de 35 milhões de brasileiros sem água tratada e mais de 100 milhões sem acesso à coleta de esgoto quanto mais a tratamento, que só chega a 42% do montante coletado. Tudo a condenar populações imensas ao subdesenvolvimento e à miséria eterna.
Concordando ou não com ele, o estudo Um ajuste justo, apresentado pelo Banco Mundial na semana que passou, é um bom início de conversa.
Nas 160 páginas dele há propostas ousadas que vão desde reformas radicais na Previdência e no sistema de assistência, à adequação das universidades públicas à paridade social, cobrando dos que têm maior poder aquisitivo – e que são maioria dentro delas - para subsidiar os mais pobres. Sugere ainda o congelamento de salários de servidores, que, na média, ganham mais do que o dobro de seus semelhantes na iniciativa privada.
O embate ficaria mais encorpado, mais rico e digno se fosse travado em torno da concordância ou discordância de propostas dessa natureza.
Os palanqueiros de sempre – Lula à frente – vão resistir a ele. Até porque não suportam o debate de ideias. Nada do que difere do que eles pensam pode, nem hipoteticamente, ser proveitoso, quando mais bom.
Para Bolsonaro, tudo que vier é lucro. Para o ex Lula, a encarnação de mártir foi escolhida há tempos e cabe em qualquer figurino: na vitória ou na derrota, na glória ou na prisão.
Talvez não se atentem para dois fatos: intenção de voto um ano antes da eleição irriga o ego, mas pouco mede. E o eleitor não é trouxa.
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