Ele falou que, através da sua música, continua tentando expressar os sentimentos das pessoas ao redor dele - e que, atualmente, esse sentimento é a ansiedade.
Trata-se de uma maldição do mundo moderno. Tem a ver com as opções infinitas oferecidas pela tecnologia, as possibilidades de ficar ligado o tempo todo e as dificuldades em se desligar. Em parte, então, a ansiedade contemporânea é o preço do progresso.
Mas também é o preço do retrocesso - de inseguranças econômicas que, num mundo tão cheio de capacidade produtiva, devem pertencer ao passado. A luta para se manter empregado, para lidar com as pressões do aluguel ou das dívidas, os custos de saúde na velhice - tudo isso pesa bastante, e cria o clima que hoje em dia Pete Townshend externaliza.
O disco foi lançado quatro dias antes de eu nascer. No meu caso, além da moradia barata e da saúde gratuita, o que me destrancou as portas foi a educação: não paguei nada por três anos de faculdade, bancados pelo Estado.
É algo que não existe mais. Hoje em dia, no meu país, o aluno formado sai da faculdade com dívidas equivalentes a R$ 200 mil.
Não vejo sentido nesse modelo. Diante de um investimento tão pesado, o aluno sente pressão para escolher um ramo lucrativo - uma decisão nem sempre acertada -, que pode ser uma área para a qual ele não tenha talento, ou na qual não aplique bem suas habilidades. E a sua dívida é claramente uma restrição à atividade econômica: seu poder de consumo fica limitado.
Nas eleições britânicas recentes, o Partido Trabalhista ganhou bastante voto de jovens com a promessa de acabar com o modelo de empréstimos e voltar para um sistema bancado pelo Estado. Há, dentro do partido, quem critique tal promessa.
Segundo os críticos, um garoto que nem eu, oriundo de um conjunto habitacional, seria a exceção entre os beneficiários. Quem ganharia mais seriam as famílias de classe média, quando ajudar os mais pobres deveria ser sempre a prioridade.
O argumento tem um apelo superficial. Mas carece de lógica política - como, defendo, pode ser concluído nos últimos anos no Brasil.
A universalidade dos benefícios do Estado - que não somente está direcionado aos mais pobres, mas aberto a todos - é uma precondição fundamental ao progresso social. A classe média paga bastante para sustentar um Estado de bem-estar. A classe média, então, tem que ganhar alguma coisa, tem que ter um interesse em mantê-lo. Aí é possível criar uma aliança resistente - coisa que obviamente não aconteceu aqui.
Programas como Bolsa Família desempenham um papel notável, tirando milhões de pessoas da pobreza extrema. Mas as fissuras políticas ficaram evidentes nas eleições recentes, numa divisão nacional entre Nordeste e Sul.
A partir do momento em que a China desacelerou, a fraqueza política ficou evidente. Em junho de 2013, milhões de brasileiros tomaram as ruas para expressar uma indignação quase primal contra o Estado. Naquele momento, o grande assunto ainda não era a corrupção - e sim a falta de eficiência e prioridades estatais.
O Estado parecia capaz de se preparar para uma Copa do Mundo, mas incapaz de fornecer saúde e educação. Não havia "padrão Fifa" nos serviços públicos. Quem estava bancando o Estado - inclusive programas como Bolsa Família - não estava recebendo o suficiente em troca.
E, com a situação econômica piorando, esse grupo de pessoas estava cada vez mais preocupado com seu aluguel, plano de saúde e a insegurança nas ruas. Na ausência de benefícios universais, ficou impossível alinhar os interesses da classe média com aqueles das pessoas recebendo Bolsa Família.
O perigo vem quando a classe média embarca numa outra música do The Who, da década de 70, Won't Get Fooled Again ("Não seremos enganados novamente"), e vira as costas para o processo político. Aí - numa lição que o país deveria lembrar - o resultado são o autoritarismo e a falta de progresso social.
Tim Vickery
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