Há perguntas no ar que precisam de respostas: se o presidente da República é tão impopular, tendo apenas 7% de aprovação da sociedade, por que as massas não estão nas ruas exigindo sua deposição?
A economia está separada da política?
Se não, como se explica a retomada gradual da economia, a partir do crescimento de 0,8% da produção industrial em maio e sinais de reativação de outros setores produtivos?
Se o governo vai mal, terá ondições de obter o apoio de parlamentares na CCJ e no plenário da Câmara? Ou lhe faltarão forças para resistir?
As respostas implicam considerações sobre o caráter da política e a índole das classes sociais, tendo como pano de fundo a grandeza do país continental que temos.
Começando com as características da política, é oportuno lembrar que nosso sistema democrático é frouxo, incipiente; as instituições não se fundam sobre eixos sólidos, deixando ver um imenso campo de tensões entre os Poderes; há imensos buracos criados pela CF de 88, não preenchidos por legislação infraconstitucional; a representação política não se investe de convicções doutrinárias; o sistema de governo, o presidencialismo, se funda no poder da caneta (que cimenta as coalizões); o sistema partidário é uma colcha de retalhos, com cerca de 35 siglas que não representam correntes de pensamento; e o processo eleitoral abriga um conjunto de disposições em constante mutação.
Com essa argamassa, o edifício político sofre abalos, flutuando ao sabor das circunstâncias. A crise crônica, que se arrasta desde a fundação da República e cuja origem aponta para a árvore do patrimonialismo (fonte dos “ismos” que corroem os vãos do Estado – o mandonismo, o familismo, o nepotismo, o caciquismo, enfim, o fisiologismo), flui e reflui ao sabor dos ventos.
Chegou ao clímax após a passagem do lulopetismo no comando da Nação, quando se descobriu que as portas do Estado foram abertas para negociatas com círculos empresariais.
No governo Lula, o presidencialismo de coalizão instalou a cooptação parlamentar pela via da ilicitude (“mensalão”).
Ao lado de forte programa de distribuição de renda, que puxou para o meio da pirâmide milhões de pessoas (mérito a ser reconhecido), o lulopetismo também dividiu o país ao meio, agrupando de um lado seus aderentes, designados por “nós”, e jogando no outro lado grupamentos contrários, “eles”, “elites” e parcelas das classes médias.
As estruturas do Estado foram invadidas por hordas do petismo, que fincaram profundas estacas no território público, sob slogans e refrãos pregando ódio. O apartheid social fez ferver os dois caldeirões que passaram a separar a sociedade. A seara política foi tomada por discursos incandescentes. A disputa pelo poder se tornou aguda.
Sob o pano de fundo, viam-se instituições do Estado aprimorando formas de atuação. Fenômeno deflagrado pela CF de 88. O Ministério Público adensou sua missão de defesa da sociedade.
Seus quadros jovens pareciam talhados para a tarefa de “passar o Brasil a limpo”, coisa que fizeram com muita disposição, apesar das críticas sobre o açodamento que hoje caracteriza sua atuação.
Os jovens procuradores adentraram no terreno da política, com a deliberada intenção de lancetar os tumores ali existentes. Identificaram-se os “cancros do poder”, a paisagem devastada por corrupção.
O Judiciário foi acionado de forma mais intensa. E assim, o Poder mais elevado no altar da Pátria, aproximando-se das demandas sociais e saindo da redoma, passou a decidir sobre pautas do cotidiano dos cidadãos.
O alvo mais próximo foi o Legislativo, o poder mais aberto e exposto à cultura da velha política. Ficou sob a lupa de procuradores e as ordens para investigação dadas pelos juízes. Os fios do rolo da política foram se aproximando do Executivo.
O poder da caneta passou a ser monitorado. Denúncias pipocaram por todos os lados. Chegou-se, assim, às “pedaladas fiscais”, uma das razões para o afastamento da presidente Rousseff.
O cenário foi descortinado, deixando ver o descalabro nas contas públicas, uma gigantesca cratera com um rombo de R$ 170 bilhões nas contas do Estado. O vice-presidente assume com o compromisso de liderar um programa de reformas. As expectativas eram animadoras.
Nesse ponto, convém pontuar sobre características da sociedade. A pirâmide social abriga no meio uma forte classe média, de espírito muito aguçado e, nos últimos tempos, disposta a acompanhar de forma mais intensa do processo político. Já nas margens, os contingentes carentes se voltam para a micropolítica, que abriga demandas de caráter imediato – o transporte rápido, o alimento barato, o hospital acessível, a segurança pública.
Identificam-se com o populismo, seus ídolos e protetores, Lula, por exemplo. A crise fomenta a organicidade social. Entidades são criadas para defender políticas públicas, ensaiando o fortalecimento de nossa democracia participativa. Mobilizações explodem. Em 2013, chega-se ao ápice, com grandes movimentos tomando conta das ruas e clamando pela saída da presidente Dilma.
Nos últimos tempos, sob a crise que solapa a crença na política, as massas refluíram sua corrida às ruas. Parecem saturadas e com expectativas frustradas.
A crise política avança na esteira da descoberta de novos escândalos. As reformas começam a sair do papel e a firmar sua imprescindibilidade na cachola social. Vamos, então, a algumas questões inseridas no início do texto. A crise política subiu ao pico da montanha.
O MP e o Judiciário passaram a ganhar o jogo no tabuleiro de xadrez. O presidente da República passou a ser o alvo maior do bombardeio em função de delação premiada e exposição da gravação de uma conversa com um empresário.
Cairá? Resistirá? Nesse momento, o termômetro não deixa ver o grau. Enquanto isso, a economia, descolando-se da política, mostra sinais de recuperação. A população perde o ânimo de ir às ruas, até porque repudia a bandalheira de black-blocks. Fracassam greves comandadas por centrais sindicais.
Que perderam credibilidade. Mesmo com a impopularidade do presidente, as reformas avançam. Persiste a crença de que, sem elas, o futuro será sombrio.
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