Com formatos diferentes – independente e popular, a exemplo da exposta no Manifesto à Nação assinado pelos juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias --, ou exclusiva para a reforma política, desejo da presidente cassada Dilma Rousseff e de parcela do PT, a nova Carta Magna começou a ser debatida como se o país fosse incapaz de sobreviver sem ela.
Há até os que preconizam a tese defendida por Tancredo Neves logo depois do Colégio Eleitoral, em 1985, de um texto-base elaborado por notáveis, desta vez modernizada pela submissão do trabalho ao julgamento popular, via plebiscito.
E, claro, os enlameados, que estimulam o debate por mera tergiversação.
Fala-se de uma nova Constituição como reação à corrupção e à crise de representação, como se um conjunto renovado de leis tivesse o condão de colocar na linha aqueles que não cumprem as leis.
Os escândalos cotidianos são didáticos quanto a isso: caixa 2 é proibido, venda de legenda e compra de votos em plenário, também. Lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, tudo isso é crime, previsto no Código Penal. E a elite política do país praticou todos eles sem qualquer constrangimento.
Embora contra a lei, o ex Lula fez e continua fazendo campanha eleitoral antecipada à Presidência da República - e nada acontece. Nem mesmo a punição constitucional prevista para o impeachment foi aplicada à presidente cassada Dilma Rousseff, que acabou não tendo seus direitos políticos suspensos.
Ou seja, uma coisa é lei – e até a Constituição --, outra coisa é a observância a ela.
É certo que o Livro de 1988 é extenso, detalhista, com promessas de mundos e fundos que o Estado não tem como garantir ao cidadão. Não raro, é contraditório, criando excepcionalidades de gênero e de categorias que traem o princípio pétreo da igualdade (homens e mulheres são iguais, mas não tão iguais quando se trata de aposentadoria ou de prestação de serviço militar, por exemplo).
Nada que não possa ser corrigido ou suprimido, até com a anuência plebiscitária.
A Constituição já foi alterada quase uma centena de vezes. Ao contrário do que muitos dizem, não há mal algum nisso, até porque, para fazê-lo, é preciso maioria qualificada por duas votações na Câmara dos Deputados e no Senado.
Sabe-se ainda que, por questão de sobrevivência, parlamentares – incluindo aí os compráveis – acabam votando a favor de temas com forte apelo popular, mesmo quando têm de enfiar a faca no próprio peito. Foi assim com a Lei da Ficha Limpa.
Ao fim e ao cabo, tudo se resume em mobilização. Fazê-la em nome de uma nova Constituição no momento em que o país se vê roubado e clama por Justiça pode ser um apelo genérico demais, confuso. Com probabilidade de fracasso, assim como as mais recentes manifestações contra a corrupção, que se exauriram em uma avalanche conflituosa de palavras de ordem e bandeiras.
Sem contar o quanto a ideia está imatura. Mesmo os defensores mais bem intencionados da convocação de uma Constituinte não apontam como seus integrantes seriam eleitos em plena crise de representatividade, com mais da metade dos partidos políticos esmagada pela Lava-Jato. Mais: quem convocaria a Constituinte? O atual governo? Assinaturas populares com regras da Constituição considerada obsoleta? O povo? Como?
A questão central é que por mais estarrecedora que seja a corrupção revelada, não há ruptura institucional que justifique a elaboração de uma nova Carta. Um país sério não troca de Constituição diante de um cataclismo, por maior que ele seja. Ao contrário. Usa a sua Lei maior para debelar as crises e se fortalecer. Não estimula casuísmos.
Mais do que novas leis, o cidadão exige o fim da impunidade.
E não bastam vir à tona delações, vídeos com acusações, listões de citados.
Mais do que novas leis, o cidadão quer que a Justiça faça valer a lei, com celeridade e precisão – a única chance de o país se reconstituir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário