Nem todos os políticos têm o mesmo grau de culpa, mas só a Justiça saberá fazer a separação. Muitos nomes que apareceram na lista terão seus inquéritos arquivados, outros serão julgados e condenados. Há os que serão punidos por crime eleitoral, e outros fizeram muito pior.
A primeira dúvida é sobre o tempo necessário para essa separação. O mensalão tinha 30 réus e exigiu seis anos do Supremo para se chegar ao julgamento. Nessa avalanche de pedidos de inquérito, quanto tempo o STF levará? Os nomes na lista Janot-Fachin ainda não são réus, mas a partir de agora começará uma complexa investigação.
Os inquéritos serão comandados pelo próprio Supremo. A investigação será feita pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, mas o STF decidirá quem será ouvido, se vai aceitar ou não os pedidos de diligência: oitivas, coleta de depoimento, busca e apreensão, quebra de sigilo, tudo terá que ser pedido ao STF. Concluída a investigação, a PGR decidirá se denuncia ou se considera que não houve produção suficiente de provas e então pedirá o arquivamento. Poderá também pedir que seja investigado em outra instância. Toda essa triagem é trabalho para anos. Quando a denúncia for feita e acolhida, o investigado passará à condição de réu. E só então começa o processo criminal.
Os tempos da Justiça não combinam com os tempos da política, que têm eleições a cada dois anos. O eleitor então terá que escolher nas urnas entre políticos sobre os quais há suspeição. Os graus de culpa são diferentes, como disse, mas o manto da dúvida encobrirá todos os citados.
Nos próximos dias e meses vão se alastrar duas sensações igualmente perigosas. De um lado, a ideia de que os políticos são todos iguais e devem ser afastados da vida nacional. Uma democracia sem políticos não é possível e esse raciocínio abre espaço para os aventureiros e autoritários. De outro lado, pode avançar a ideia de que, se todos são culpados, ninguém é culpado. O risco neste caso será o do fortalecimento da impunidade da qual estamos tentando nos livrar. O conformismo com a corrupção trará de volta o “rouba mas faz”.
De tudo o que foi dito nas delações da Odebrecht — e em todas as outras — há dois grandes grupos de investigados. Os que receberam caixa dois, mas não foi identificado nenhum crime vinculado a essa doação irregular. E os que trocaram essas doações clandestinas por vantagens em obras e contratos públicos.
Foi isso que, com boas ou más intenções, alguns líderes políticos propuseram separar. O risco de tentar fazer essa separação em projeto de anistia de caixa dois é que os políticos encontrarão uma forma de, em parágrafos e incisos da lei, perdoar o crime de corrupção. Essa é a armadilha em que o país está. Qualquer movimento de anistiar quem recebeu recursos através de caixa dois, mas não fez nada além disso, será transformado na anistia ampla, geral e irrestrita à corrupção.
Todo caixa dois tem origem em algum crime antecedente. No mínimo de sonegação. Mas a culpa é maior daqueles que usaram o cargo ou mandato para desviar dinheiro dos cofres públicos, através de fraudes em contratos ou obras, para compensar a empresa doadora. Tudo fica ainda pior quando há os casos de enriquecimento ilícito.
Não será fácil o caminho que os brasileiros terão que trilhar neste momento. Há muitas armadilhas pela estrada. E o Brasil não pode perder a noção de que nesta travessia o mais importante será preservar a democracia. O risco é ouvir o canto fácil dos que dirão que não são políticos e por isso têm uma inocência original que os faz merecedor do voto do cidadão. O país tem que punir criminosos e, ao mesmo tempo, renovar o sistema político, evitando os aventureiros e vendedores de poções milagrosas. Não será fácil. Mas nunca foi fácil manter e aperfeiçoar a democracia.
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