terça-feira, 11 de abril de 2017

Adeus

Caros leitores, meus semelhantes e irmãos, vou abandoná-los. Isso. Correndo o risco de “lugares-comuns” ou lamentos narcisistas, vou dizer por quê. Foram 26 anos escrevendo sem parar para vários jornais do país.

E aqui já vai meu primeiro lugar-comum: “Como o tempo voa... Foi outro dia mesmo” que estreei na “Folha de S.Paulo”, onde fiquei por dez anos.

Depois, fui para outros jornais, incluindo o “Estadão” e O TEMPO, de Belo Horizonte. Fiz as contas e, entre o espanto e o orgulho (outra obviedade), verifiquei que, nessas duas décadas e meia, escrevi cerca de 1.500 artigos para jornais. Mil e quinhentos? É. Logo depois, me meti na TV e no rádio, onde também estou há 20 anos mais ou menos. Rádio e TV juntos somam cerca de 3.000 comentários sobre a vida do país até hoje. Como ousei? Com que cara me meti nisso, deitando regra sobre tudo? Bem, foi por fome, e não por vaidade.

Eu fiz cinema por 30 anos e, como todo cineasta, sofria de duas angústias básicas: ansiedade e frustração. Fiz nove filmes e, mesmo assim, passava necessidade para sustentar minhas filhas. Um dia falei: “Enchi. Chega de sofrer”. Encontrei Fernando Gabeira num avião e pedi que ele me recomendasse à “Folha”, para o qual ele escrevia. Pois não é que o bom Gabeira me indicou ao Otavinho Frias, que me empregou? Sou grato a Gabeira por isso e pelo importante trabalho desse grande brasileiro.

Assim, por acaso (mais um chavão), se muda a vida de um homem. E “não pude me conter de alegria” (mais um...) quando, no dia seguinte ao primeiro artigo, o jornal estava na porta com meu nome e minhas ideias. Para um sujeito que esperava três anos para dizer o que pensava num filme, era um surto de felicidade (mais clichê). Mas foi mesmo. Comecei a ter um sentimento novo: a sensação de utilidade pública. Digo isso porque o cineasta no Brasil se sente trancado do lado de fora da vida social, que, mesmo assim, tem de descrever, analisar, criticar. Durante muitos anos me senti como um cara que quisesse ser astronauta no Piauí. Não posso reclamar, pois alguns filmes deram certo em crítica e público, mas nada se compara ao prazer de esculachar o cabelo implantado do Renan, o bigode e jaquetão do Sarney ou a cachoeira de rugas e valas que escorrem da cara do Lobão.

E fico orgulhoso porque nunca o jornalismo teve tanta importância como em nossos tempos de claros e escuros.

E afirmo também que nunca escrevi para “soprar minha própria corneta”, (outro lugar-comum, norte-americano), mas pela emoção de contribuir para o entendimento de mim mesmo e da nossa terra. Botei minha cabeça na encruzilhada como um despacho entre mim e o país em volta. Ficou minha cabeça ali, recebendo os detritos da vida nacional. Muita gente despreza jornalismo como literatura, pois, no dia seguinte, a obra embrulha o linguado. Pois bem, eu adoro embrulhar linguados e robalos, porque acho que um banho de efêmero só faz bem à literatura. Vejam Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues. Resolvi ser repórter e prova do crime. Odeio os comentários “de fora,” do comentarista intocado, isento, como se morasse num tapete mágico ou num helicóptero existencial. Ninguém está fora do jogo. Ser digno não basta; é preciso se incluir entre os loucos – aqueles que acreditam na razão –, uma espécie em extinção.


O tempo está cada vez mais ininteligível e temos de cavar fundo, em busca dos erros nacionais dissimulados, assim como os porcos farejam as preciosas trufas brancas.

Nunca no Brasil estivemos tão próximos do entendimento como hoje. A Lava Jato foi um buraco no tempo. Diante dessa época, corremos a chance ou de um grande avanço, ou de se por acaso prevalecer a “anestesia sem cirurgia” (apud Simonsen), permanecermos no atraso tão desejado por nossos canalhas. Meu contínuo terror é a citada frase de Lévi-Straus: “O Brasil vai sair da barbárie para a decadência, sem conhecer a civilização”. Tomara que Lévi-Strauss, quando disse isso, estivesse gagá.
Chega de análises; agora é tempo de ação – se é que a ação ainda é possível nesta época de mentiras em que um psicopata é comandante em chefe do maior Exército do mundo.

Resolvi parar porque vou fazer mais um filme (meus inimigos dirão: mais um?) e estou louco para trabalhar só com a ideia de beleza, que, como me disseram que Freud disse, seria a única razão para se viver.

Vou continuar escrevendo, mas sem ritmos semanais, somente “gratia artis”, talvez até tentando alguma coisa mais alentada, como o romance definitivo de minha geração (rs rs rs).

Espero que eu tenha alguns méritos que possam constar de meu necrológio (que espero seja longínquo).

Espero merecer um brinde, pois trabalhei e continuarei trabalhando, com a fé igual à daqueles besourinhos que se esfalfam empurrando bolinhas de merda morro acima.

Aqui fico. Desculpem qualquer coisa.

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