sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Feliz 2018


O Ano já nasce Novo basta fazer dele Bom 

Anos lavados a jato

Papai Noel não se esqueceu dos investigados e condenados pela corrupção no Brasil. Nos sapatos na porta do xadrez, ou nas tornozeleiras na beira da cama, caíram vários presentes.

Era previsível essa ofensiva de fim de ano. Sempre foi assim no Brasil. Joga-se com o espírito de Natal, que dissolve todo ânimo de protesto.

Dois presidentes latino-americanos, Michel Temer e Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, vestiram a roupa de Papai Noel e desceram pela chaminé dos presídios. Kuczynski libertou o ex-presidente Alberto Fujimori. Temer estendeu o perdão aos condenados por corrupção.

Ambos foram presenteados durante o ano com a permanência no cargo, ameaçada pela relação com empresas brasileiras. Lá, o escândalo envolveu a Odebrecht e Kuczynski. Aqui, o escândalo da JBS acabou abafando o lado Odebrecht nas várias acusações contra Temer.

Kuczynski , pelo menos libertou um adversário. Já Temer indultou os próprios aliados.

No fundo, é uma reação contra a Lava Jato nos dois países. Um tipo de reação que classifico como tentativa de redução de danos.

Existe outra que visa a neutralizar a Lava Jato e se desenvolve no front do STF. Seu maior objetivo, no momento, é questionar a prisão do condenado em segunda instância. A votação a favor dessa prisão, após o julgamento nos tribunais regionais, foi de 6 a 5.

Gilmar fala em mudar seu voto e virar o jogo. Num front combinado no Palácio do Planalto, os jornais indicam uma aproximação de Temer com o ministro Toffoli, que será o presidente do STF em 2018.

Minha intuição é que têm algo a discutir com urgência: o foro privilegiado. Toffoli suspendeu a votação, pedindo vista do processo, quando a vitória de restrição de foro já estava numericamente garantida.

A ideia que pode uni-los é a possibilidade de o tema ser votado na Câmara, da forma que os deputados escolherem. Nesse caso, as tentações serão muitas, como a de estender o foro privilegiado a ex-presidentes.

São incalculáveis as peripécias que podem surgir neste ano de eleição, quando a posição contra ou a favor da Lava Jato estará em jogo. O PT tende a apresentá-la como manobra imperialista. Alguns candidatos já a defendem abertamente, como Bolsonaro, Álvaro Dias e Marina.

Da boca pra fora, o PSDB pode aprová-la, mas há tantas questões internas não resolvidas que o partido não passa confiança no seu discurso.

Não sou chegado a retrospectivas. Mas o tema Lava Jato foi central nas decisões não só do STF, como de Temer, neste fim de ano. Na verdade, nos últimos anos a Lava Jato tem sido o fato determinante, o foco das notícias mais comentadas. Foi assim nos começos, meios e fins de ano. E provavelmente ainda será em 2018, mas em outro contexto.

De onde vem a primeira grande decisão do começo do ano? De Porto Alegre, no dia 24, quando estará em jogo um dos confrontos mais populares da operação: Lula x Lava Jato.

Um dos fatores determinantes da campanha eleitoral de 2018 está sendo jogado ali. Em qualquer hipótese, todos os cálculos terão de ser refeitos após a decisão do TRF-4 sobre Lula.

Isso é apenas um lembrete para aqueles que querem neutralizar a Lava Jato. Não é imaginável que o seu abalo continental não tenha sido sentido no epicentro do terremoto, o Brasil do PT, da Odebrecht e do BNDES.

O Supremo pode fazer voltar a roda do tempo e garantir que os acusados passem longa parte de sua vida redigindo petições e apresentando recursos. Mas até agora o Supremo não condenou ninguém pela Lava Jato. No Rio e em Curitiba já houve dezenas de condenações. Mesmo acabar com a prisão em segunda instância, abrindo prazo para longos recursos, já não terá o impacto de antes.

Maluf foi preso aos 86 anos. Sua penitenciária tem uma área geriátrica. Num futuro em que os recursos se alongam no STF, ainda assim terá de ser construído um complexo só para idosos.

Não adianta tapar o sol com a peneira. O País foi sacudido pela revelação do maior escândalo da História, partidos e empresas envolveram-se nele, o próprio sistema político entrou em colapso.

Ainda não é possível prever o impacto que tudo isso terá nas eleições. Existem pesquisas indicando o desencanto com os políticos. Todavia hoje há métodos que usam dados em quantidades gigantescas, cruzando-os e extraindo algumas hipóteses. Talvez vejam mais que as pesquisas.

É a primeira eleição presidencial depois do impacto sistêmico da Lava Jato. Não há como escapar dessa variável.

Mas a Lava Jato é apenas uma operação policial e o sistema político-partidário em ruínas, uma evidência. Pede mais do que uma defesa – a favor ou contra, digamos.

Daí a importância de questionar os candidatos não só sobre apoio, mas que conjunto de medidas está ao seu alcance para completar no âmbito político e legal a renovação que a Lava Jato inspirou. Na verdade, creio que este sempre foi o desejo da Lava Jato, a julgar pelas entrevistas: que a sociedade e o mundo político completem a tarefa.

Cada país, em circunstâncias como as nossas, faz sua renovação de acordo com as possibilidades históricas. A semente de mudanças que a Lava Jato espalhou é um dos trunfos da renovação. Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico, de adultos que ainda acreditam em Papai Noel.

A chance da sociedade é tirar o melhor proveito das eleições. Por dever, prazer ou mesmo com a resignação de quem toma um remédio amargo.

Certamente, vou encerrar desejando a todos um feliz ano novo. Sei que será difícil. Mas não são termos antagônicos. Difíceis têm sido estes anos e sobrevivemos. Devagar a economia melhora.

Como dizem nove entres dez candidatos, o Brasil tem jeito. Nada de errado com a frase, apenas com quem a proclama.

Impossível separar o presidente do denunciado

''Indulto não é prêmio a criminoso'', escreveu Cármen Lúcia, presidente do STF, ao suspender os efeitos de descalabros incluídos num decreto editado às vésperas do Natal por Michel Temer, para favorecer corruptos. Temer poderia ter passado a virada do ano sem esse vexame. Mas sua dupla personalidade atrapalhou. Tornou-se impossível distinguir o presidente do denunciado.

Autoproclamado presidente das reformas, Temer deveria reformar também o seu guarda-roupa. Como presidente, passaria a usar gravatas lisas. Como denunciado, gravatas estampadas. Isso permitiria a Temer adotar medidas que favorecessem a impunidade e trocar rapidamente a gravata para retomar a pose de presidente.


No Brasil de Temer, as decisões não são mais certas ou erradas. As providências são absorvidas ou pegam mal. O decreto que concedeu indulto natalino a corruptos —sem limite de tempo de condenação, com perdão de 80% das penas e 100% das multas— pegou mal. Mas Temer deu de ombros, transferindo para a Procuradoria e para o Supremo a tarefa de se preocupar com a moralidade.

O único risco da tática das gravatas seria o de que Temer não conseguisse administrar adequadamente suas duas personalidades. O receio é o de que o personagem enfrente uma crise do tipo médico e monstro. Às gargalhadas, o denunciado usaria indiscriminadamente o poder do presidente para estancar a sangria da Lava Jato sem nem se preocupar em trocar a gravata lisa pela estampada.

Gente fora do mapa

Poor girl  Afghanistan
Afeganistão

Tristes trópicos!

Que fim de ano melancólico, o do presidente Michel Temer. Em menos de uma semana, colheu três frustrações: ficou sem ministro do Trabalho, teve que cancelar o repouso em uma das poucas áreas a salvo de balas perdidas no Rio de Janeiro, e foi obrigado a engolir parte do decreto de concessão do indulto de Natal a presos condenados.

O ministro Ronaldo Nogueira (PTB-RS) deixou o cargo com a desculpa de que precisa cuidar de sua reeleição à Câmara dos Deputados. Que nada! Saiu porque foram descobertas graves irregularidades na sua gestão – desde pagamentos superfaturados a funcionários à não execução de serviços em contratos. Celebre se for só isso.


Temer desistiu de passar o réveillon na Restinga da Marambaia, no Rio, à beira mar plantado e aos cuidados da Marinha porque ali não haveria estrutura médica suficiente para atendê-lo em caso de necessidade. Que nada! A verdade é outra. Simplesmente ele não anda bem de saúde. E seus médicos o aconselharam a permanecer em Brasília.

A decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, de suspender trechos do indulto presidencial de Natal que beneficiava criminosos envolvidos com corrupção foi um desastre político para Temer. Quem comemorou um índice de popularidade de minguados 6% não precisava passar por mais uma vergonha dessas.

O primeiro presidente da República do Brasil denunciado por corrupção no exercício do cargo é também aquele que tentou sem sucesso indultar condenados por corrupção. Está bom ou Temer quer mais?

Como as festas nos devoram

Passado o período das “festas”, vivemos um típico retorno às rotinas de um necessário conformismo humano diante da “realidade” – trabalho, problemas, preocupações…

Há algo básico nesse processo: o fato de que até segunda ordem a maioria vive sem nenhum brilho ou representa um papel de destaque na vida social. A festa (como o esporte que é o seu lado mais oficioso) obriga a uma fabricação fora do “real” – não seria melhor gastar em segurança, saúde e escolas? Por isso, elas inventam objetos e lugares especiais, preferencialmente de cabeça pra baixo, sobretudo no caso dos sistemas muito bem marcados por uma séria consciência de lugar, como é o caso brasileiro.

Sem o famoso “bolo de aniversário” ao gosto do aniversariante e com seu nome nele gravado a chocolate, como era o meu caso, não pode haver o teatro que alguns chamam de “ritual”. Objetos e comidas especiais levam ao uso de roupas e adereços que distinguem papéis e pessoas. Mesmo sem conhecer, sabemos quem é o aniversariante por sua roupa e sua posição na mesa. É ele e é dele o dever privilégio de apagar as velas do seu bolo, que será devidamente comido por todos os convidados.

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Diz um velho axioma que todas as culturas replicam seus valores em suas manifestações, mesmo as mais humildes. São essas redundâncias que promovem as certezas, como dizia Edmund Leach; ou essas invariantes, no linguajar de Lévi-Strauss. Réplicas idênticas a si mesmas que vão do mais sério ao mais vulgar. Dou um exemplo: no Brasil, as festas têm que ter música; comemos misturando a comida. O detestável “bandejão” é uma invenção americana, na qual tudo é sempre individualizado. No uso das máscaras, desmascaramos a ilusão elitista de que somos alienados.

Seria preciso remarcar que o tema oculto das festas de aniversário, com as quais internalizamos a ideia de “idade” e de pertencimento a uma família (cuja obrigação é produzir a festa), tem tudo a ver com a comensalidade comunitária do canibalismo cristão? Nele, Cristo se une ao pão e ao vinho e os distribui dando a cada um, no ato de comer em conjunto, a mesma comida, a consciência precisa de seu pertencimento a ele e a toda a coletividade nele focada e por ele criada.

Comer a mesma comida é essencial para pertencer. No aniversário, somos obrigados a “comer” o bolo do Juquinha, o qual é um símbolo do próprio aniversariante, que, por sua vez, se delicia comendo com gosto o maior pedaço de si mesmo; depois de, como um velho Deus, soprar para apagar as velinhas que marcam as suas “primaveras”. Eis o tema do comer, do devorar, do englobar e do assentar o outro dentro de si mesmo como um ato de comunhão ou um gesto de superioridade. Eis de volta o canibalismo fundacional que significa, entre muitas coisas, o dar-se em sacrifício a uma pessoa ou grupo – o extremo do altruísmo. Ou, como remarcou Freud, tomar consciência dos limites que nos tornam humanos. Morrer apaixonadamente por amor e matar heroicamente por amor. Fiquemos nessa paisagem.

As festas exigem locais e, no caso dos rituais de passagem de ano – de um tempo em que toda a humanidade aniversaria – a praia (mediadora entre a terra firme e fechada por propriedades e o mar aberto, líquido e sem fronteiras visíveis) e os fogos de artifício acentuam o orgasmo formidável, embora, é claro, fugaz. Eles são explosões benéficas que fazem parte do que imaginamos como “graça” ou “milagre”. O morrer-nascendo ou o nascer-morrendo da consciência explosiva de alguma coisa como acontece quando escapamos de um perigo ou entramos num templo, juntam ou rejuntam esses polos que a rotina e o princípio da realidade distinguem de modo absoluto. No caso, o nascer como oposto do morrer, justo o que se pretende negar na passagem de um ano a outro porque o que se almeja é, obviamente, um belo futuro e não o fim do mundo. Marcamos 2013 sem deixar de querer que 2014 seja uma adição numa série infinita.

Os fogos de artifício enfatizam o fim sem negar o começo. As bombas se repetem para eliminar as distâncias entre o “ser”, o “ter sido” e o “vai ser”. Elas são ajudadas pelos fogos e, pela presença das celebridades que, cantando e dançando, brilham e trabalham para nós, dignificando vidas comuns.

Os famosos precisam de nós, tal como os deuses precisam de devotos. O que seria de um cantor sem um auditório? Os santos, as celebridades, os muito ricos e poderosos, abrem-se ao encontro e recebem de volta aquela vida trivial que também é deles, mas que a fama tem o papel de esconder. O grande feiticeiro sabe que não faz nada, exceto quando encontra o impotente sofredor que, com uma fé absurda, o procura em busca de cura.

Em toda festa, nos sujeitamos a uma contaminação ampliada pela eventual presença dos famosos. Nas comemorações, juntamos o velho com o novo, a vida com a morte, o superior com o inferior e com ajuda do nobre e mero álcool e dos “fogos de artifício” (fogos de mentira, porque os de verdade, matam); cortamos a água do grandioso rio do tempo que corre sem parar e não pode ser pisada duas vezes.

Herdeiros de Herodes

Anjos entoando cânticos celestiais, estrela-guia, paz na Terra, animais amigos aquecendo a manjedoura, humildes pastores reverenciando o Deus-menino, reis poderosos atravessando o deserto para trazer oferendas preciosas...

A temporada natalina traz símbolos positivos de todo tipo no campo espiritual. E, mais valioso que tudo, para os cristãos, a constatação de que Deus encarnou seu Filho, transformando-o em gente como nós, para trazer redenção a toda a humanidade e nos abrir novamente a possibilidade de cruzar as portas do paraíso.

Toda essa idílica e alegre celebração da paz e harmonia entre os homens, que celebramos nestes dias de Natal, é bruscamente interrompida a seguir, antes mesmo da grande festa de confraternização universal do Ano Novo e da celebração da chegada dos reis Magos, quando o calendário litúrgico relembra os chamados Santos Inocentes. Ou seja, os mártires de Herodes. Um episódio de terror.


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A história se encadeia com a do Natal. Vale lembrá-la para quem não guarda a crueldade de sua ameaça numa memória infantil em pânico, a acenar com os bastidores do presépio alimentando pesadelos, em cenas fora da vista mas vivas nas palavras.

Ao tentarem visitar o recém-nascido, os reis ou magos vindos do Oriente em sua longa jornada pelo deserto, montados em camelos, seguindo uma estrela muito mais brilhante que as outras, chegaram a Jerusalém, em cujas cercanias acabara de nascer Jesus num estábulo, em Belém de Judá.

Mas essa precisão de endereço eles ainda não tinham. Procuraram descobrir, pois queriam “adorar o Rei dos Judeus.” Informado de sua presença na cidade, o rei Herodes, governador da província romana da Judeia, os recebeu, indagou sobre prazos da sua busca, consultou sacerdotes e escribas para conhecer as profecias, deu aos magos as coordenadas gerais e tratou de usá-los, pedindo que transmitissem seus cumprimentos e, na volta, lhe dissessem exatamente onde poderia achar o menino e sua família.

Mas eles regressaram por outro caminho, avisados em sonhos sobre as intenções do tirano. Ao constatar sua demora, Herodes não teve dúvidas e partiu para a ação. Mandou matar todas as crianças de Belém com menos de dois anos. A Sagrada Família escapou porque um anjo aparecera a José para alertá-lo do perigo e eles fugiram para o Egito.

Dois mil anos depois, Herodes deve esfregar as mãos de contente quando olha para o Brasil, se lá do fogo do inferno memória desta vida se consente. Diariamente estão morrendo entre nós, de morte violenta, mais crianças do que todas as vítimas desse Massacre dos Inocentes — como ficou conhecido o episódio.

Calcula-se que, dada a população de Belém na época, as vítimas infantis da matança bíblica tenham sido em torno a 20. No Brasil é muito mais, vencemos de goleada. Sem contar os pequenos de todas as idades que são abatidos pela miséria, desnutrição, falta de saneamento, ignorância.

Os números são assustadores, maiores do que os de países em guerra. Balas perdidas, tiroteios cruzados, assaltos, acidentes de trânsito, assassinatos, chacinas, as modalidades são incontáveis. Incluem até incêndio proposital em creche, com gasolina jogada nos bebês. Abarcam até disparos em bebês ainda não nascidos, pretensamente resguardados no ventre da mãe.

Inimaginável. Mas real.

Como se não bastasse, uma proporção não calculada dos sobreviventes que poderiam ter sido vítimas, mal conseguem crescer um pouquinho, inteiramente desprotegidos, analisam suas chances de sobrevivência e apostam em passar para o outro lado da arma, assim que têm uma chance.

Como policiais, milicianos ou bandidos, pressionam o gatilho, empunham a faca ou baixam o sarrafo. Antes que chegue sua vez de ser morto, todos jogam um jogo de cálculos com a sorte, sobre quanto tempo ainda pode dar para viver intensamente, na impunidade. Sem se preocupar com o dado de quantas vidas irão levar com a sua, quando em breve chegar a hora da contagem final.

Homens e mulheres de boa ou má vontade, estamos todos reféns da situação de herdeiros de Herodes. Ao mesmo tempo, vítimas e cúmplices de matanças, chacinas e massacres. Na certeza de que o país não tem a menor eficiência para evitar isso e não consegue agir, a não ser recorrendo a mais violência de todo tipo e perpetuando mecanismos de impunidade. E sentindo dor. Muita dor. Sem saber o que fazer com ela. Neste Natal e em todos os dias do ano.

Paisagem brasileira

Salto do Itiquira (GO)

Balança, balanço, balança

Daqui a pouco começaremos a ver as plaquinhas nas portas arriadas – “Fechado para Balanço”. É o controle que muitos comerciantes fazem logo no início do ano. Nós, individualmente (creio que todo mundo, de alguma forma), fazemos nessa época, nos nossos cantinhos, com os nossos botões, o nosso balanço interno. Pomos tudo na balança. O ano que se vai, pensa só, foi deles, do balanço e da balança, e olha que nosso chão chacoalhou um bocado.

O século vai chegar à sua maioridade. A gente fica remoendo ali nos pensamentos se fez tudo o que tinha para fazer. Lembra tudo o que aconteceu – nessa hora a memória funciona que é uma beleza, principalmente para lembrar maus bocados. Aí imediatamente procuramos quais foram os momentos bons para contrapor, enquanto tentamos recordar tudo o que prometemos, lá no final do outro ano, que faríamos neste ano. Fizemos? Ainda bem que muita coisa só a gente sabe que se prometeu, melhor assim, menos mal. Fica mais fácil falhar.


Passou rápido demais. Se me permitem, sinto que está mesmo passando tudo mais rápido. Deve ser esse afã impressionante que o mundo digital abriu diante de nós. Fica tudo tão em constante mutação que ficamos correndo atrás, numa infrutífera tentativa de alcançar a ponta da linha. E ela corre de nós.

Viver nesses tempos é distante da calmaria da imagem do balanço, aquele dos parques, das redes, das cordas nas árvores, dos playgrounds, e que alguém vem por detrás e empurra para dar impulso, e que a gente dá aquela risada nervosa quando vai lá na frente, tentando não se estabacar no chão.

Estamos mais para o navio que balança no mar bravio. Enquanto o samba toca, a gente balança, requebra, dá um remelexo. Assim superamos os solavancos, os abalos, que nos deixam tão balançados. Ô, marinheiro marinheiro/Marinheiro só/Ô, quem te ensinou a nadar/Marinheiro só/Ou foi o tombo do navio/Marinheiro só/Ou foi o balanço do mar…

Amor, amor deixa balançado. Desamor também. Tomar decisão deixa balançado. Medo de tomar algum revertério.

Ficar doente deixa tudo muito balançado. O corpo da gente também vive entre a balança e o balanço, às vezes bom, dançando. Balançamos a cabeça, os ombros, os braços, as pernas quando a cadeira em que sentamos é maior do que nós.

A balança que não serve só para nos fazer prometer regime, corta isso, corta aquilo, é também equilíbrio, harmonia, proporção. Os dois pratinhos paralelos. Quando a gente pesa os prós e os contras a sua imagem é recorrente. Uma balança ajuda em muita coisa. Tanto foi ano dela que em boa parte do tempo estivemos ligados em decisões de tribunais, que andam regendo os movimentos e desígnios do nosso país. Ritmos loucos.

O balanço geral, hoje chamado muito pomposamente de demonstração contábil, é parecido ao que fazemos pessoalmente – especialmente nesta última semana do ano, quando a coisa “bate” que o tempo passa. Medindo ativos, quantas vezes o fomos; passivos, quantas vezes nos submetemos. Mais: o capital que conquistamos, os lucros, os prejuízos, o aspecto geral de nossos negócios.

Anote bem os resultados. Esse ano, quando o século chega à maioridade, devemos estar mais maduros, responsáveis, prontos para encarar o futuro. Esse futuro aí, o da realidade, não aquele que ganha voz de conselheira nos comerciais de final de ano dos bancos na tevê – logo eles que na realidade tanto empatam o nosso.

Vamos pular essas ondas. Que venha 2018. Tomara que nele o maior balanço seja mesmo o do nosso andar faceiro, da nossa ginga por todas as boas estradas que o destino nos levar.

Marli Gonçalves

As emoções de 2018

O Brasil entra em 2018 com uma grande indefinição política e outra boa perspectiva econômica. Todos sabem: ano de eleição, de Copa do Mundo, de beligerância entre nações no plano externo. Não faltarão emoções. Um ano repleto de reviravoltas em várias direções e que traz, como cereja do bolo, a retomada interna — a depender, claro, de inúmeros fatores. Principalmente do andamento das reformas. Nesse tocante, o papel dos senhores parlamentares é fundamental. Logo eles, que não foram exemplos de responsabilidade e engajamento nas pautas mais decisivas para o País. O Congresso continua a se mover por conveniências de cada um dos seus membros. E, em inúmeras ocasiões, disposto a praticar exclusivamente o deplorável jogo do toma lá dá cá. A contaminação dos perrengues políticos na engrenagem de funcionamento de diversas áreas, na atividade produtiva e na mente de cada um dos brasileiros tem gerado incertezas. Levado a um quadro de quase paralisia. Como se todos sofressem uma espécie de catatonia coletiva, esperando pelo desfecho redentor, enquanto a balbúrdia dos escândalos públicos tomava conta. Esse fenômeno foi claramente verificado no ano que passou. Existiam razões de sobra para um resgate de ânimo da população. Os indicadores começavam a sinalizar a estabilidade. Medidas de ajustes saíam do papel. O compromisso fiscal era assumido, e cumprido, pelo Governo. Tudo seguia bem até que uma verdadeira bomba atômica de denúncias — que depois se mostraram vazias — quase coloca tudo a perder. As armações de alguns empresários, com a colaboração decisiva de membros da Justiça, reintroduziu o ambiente de tensão. Levaram-se meses de discussões e investigações sobre propinas, gravações, delações, enquanto o País aguardava ansioso. A safadeza explícita dos políticos galvanizou as atenções. A crise de expectativas tem sido uma praga a emperrar o desenvolvimento nacional. Enquanto ela perdura os brasileiros perdem um tempo precioso. A boa nova é que isso ficou para trás. Um movimento firme e consistente da maioria dos setores da sociedade resolveu dar as costas a Brasília e seguir adiante, independentemente da fuzarca e sem-vergonhice praticada na Capital Federal. A mudança de postura tem dado certo. Cada um no seu quadrado tratou de voltar à rotina. Os planos e investimentos saíram da gaveta. Os consumidores passaram a comprar. Varejo e indústria se movimentaram. O desemprego caiu. A inflação e os juros também. O ânimo é outro. A crença em dias melhores tomou conta. Reflexo desse rearranjo na engrenagem, o PIB passou a crescer em ritmo alvissareiro. Deve fechar 2017 perto de 1%, feito extraordinário para um País que vinha de seguidas quedas no patamar de 3% negativos anualmente. E para o ano que se avizinha as estimativas são ainda maiores. Os analistas falam em até 4% de crescimento. É outro estado de espírito, mas que está a depender, naturalmente, da confirmação de algumas condicionantes. No plano político, o atual clima de radicalização entre extremos não é nada bom. O Brasil está literalmente conflagrado entre esquerda e direita por obra e atuação direta de dois personagens: os presidenciáveis Lula e Bolsonaro. O primeiro, encalacrado até o último fio de cabelo, com incontáveis processos na Justiça que devem inviabilizar sua candidatura. O outro, movido por um perigoso saudosismo das Forças Armadas, tenta a todo custo restabelecer o regime autoritário no poder. Por enquanto, os demais adversários nesse tabuleiro polarizado são figurinhas batizadas e sem talento para encantar as massas. À espera do novo, a esmagadora maioria dos eleitores torce pelo fim do ressentimento, da depressão e do medo que essas duas alternativas, Lula e Bolsonaro, impõem nas urnas. Um carnaval de notícias falsas, as chamadas fake news, deverá agravar ainda mais a campanha. Por isso mesmo, a rápida definição de uma opção de centro consistente e promissora pode vir a desanuviar o cenário político e, por tabela, garantir a retomada econômica. De uma maneira ou de outra, serão muitas emoções em 2018.

2018: A hora e a vez da política

A suposta supremacia da economia sobre a política povoou o senso comum durante muito tempo. A frase de James Carville, assessor de Bill Clinton, ainda ressoa: “é a economia, estúpido” fez escola na percepção da prevalência dos tais fatores de bem-estar econômico sobre o rondó sem fim, que é a discussão política – seus interesses dispersos, idiossincrasias e princípios mais ou menos abstratos.

No Brasil, esse sentimento foi reforçado por interpretações um tanto mecânicas dos planos Cruzado e Real. O primeiro, em 1986, ajudou o PMDB a eleger 22 governadores dentre 23 possíveis; o segundo fez Fernando Henrique Cardoso presidente da República, eleito ainda no primeiro turno de 1994.

Igualmente, o boom de commodities – que reelegeu Lula, em 2006, e operou o prodígio de eleger Dilma Rousseff duas vezes (2010 e 2014) presidente do Brasil – alimenta esse raciocínio. Além da presente crise econômica que contribuiu, decisivamente, para o afastamento da ex-presidente e a derrocada do PT nas eleições municipais de 2016.


Ora, é evidente que o momento econômico influencia o contexto social e político em qualquer país; é claro que pode definir eleições. Mas, como tudo na vida, nada é tão simples assim. Fenômenos econômicos como os descritos acima foram, antes, dependentes da política; são frutos de boas ou más escolhas políticas, e não o contrário. Logo, não há autonomia da economia sobre a política; há, na verdade, correlação e dependência mútuas.

No desconhecimento disso reside o principal erro analítico de quem vislumbrou e ainda vislumbra um ano eleitoral de 2018 de sucesso para o governo de Michel Temer, em virtude dos resultados econômicos que, eventualmente, o País possa alcançar nos próximos meses.

Primeiro porque, ao contrário de outros momentos – 1986, 1994 e 2010 –, o sistema político atual passa por uma crise sem registro na história, com índices rastejantes de popularidade. É dispensável recordar, aqui, os transtornos revelados pela Operação Lava Jato e seus efeitos para a credibilidade dos políticos.

Em segundo lugar, para que a economia possa ser determinante na disputa das urnas do próximo ano, sua euforia deveria ser comparável ao clima despertado pelo Cruzado, Real e o boom de commodities. Todavia, por mais que o quadro venha a ser positivo, o clima será, ainda, de recuperação. Para o cidadão comum, as perdas com a prolongada recessão não estarão plenamente compensadas. Será importante, mas insuficiente.

Analistas de mercado têm se animado com resultados já alcançados pela equipe econômica do governo e, provavelmente, ainda alcançáveis no próximo ano. Com efeito, a inflação retroagiu – está mesmo abaixo da meta do Copom, os juros caíram ao menor patamar histórico, os preços dos ativos estão baixos e é grande o potencial das concessões e privatizações.

Porém, a continuidade do processo depende da sustentabilidade política. Reformas estruturais, nas mãos do Congresso Nacional, capazes de elevar a confiança dos agentes econômicos e o ânimo para investimentos que potencializem a economia, reduzindo gargalos e higienizando o ambiente de negócios.

O quadro é, porém, conhecido: sistema político anacrônico e disfuncional, elevadíssimas taxas morais e fiscais que debilitam a confiança de eleitores e investidores. Um corpo político fraco, com enorme dificuldade para dar luz ao novo, no campo econômico. E nem se trata de crítica moral ao natural fisiologismo de qualquer sistema, mas de alerta para o estágio de hiperfisiologismo, com crescente ineficácia nos processos de discussão, negociação e aprovação de projetos.

Impõe-se um dilema: como ajudar a economia a ajudar a política se a política não apenas não se ajuda como também compromete a economia? É evidente que abrir mão da política e da democracia não são alternativas.

Dizem a literatura e a experiência internacionais que o principal dado econômico, com capacidade de influenciar eleições, são os índices de emprego. Quanto menores, maior o receio do futuro e pior o humor do eleitor, maior sua tendência ao protesto e à mudança – ou à nostalgia do passado, idealizado como “bons tempos”. Neste quesito, o desempenho nacional é ainda insatisfatório: haverá tempo para reverter o processo com a celeridade necessária para interferir no clima eleitoral?

Políticas públicas como segurança, saúde e educação são fundamentais, sobretudo num quadro de desemprego elevado. Como estarão as finanças de Estados e municípios, responsáveis e provedores de políticas desse tipo? Embora relevante, neste 2018 que se aproxima, a economia dependerá mais da política do que o contrário. Na realidade dura e crua, a economia poderá fazer pouco pela política.

O fato é que o País perdeu o timing do choque de expectativas, após o impeachment. Mais recentemente, perdeu também o ritmo das reformas. No autoengano houve desídia do mercado, embaraço moral e oportunismo do sistema político, ilusão e desconhecimento daqueles que, mais uma vez, negligenciaram importantes detalhes políticos. Isto tudo retirou da economia todo ou parte do potencial eleitoral que teria.

Óbvio que candidatos do autodenominado “centro democrático” tocarão o bumbo da recuperação econômica. Naturalmente, o presidente e sua base já tremulam bandeiras de um suposto legado econômico – qual seria o “legado” político? –, mas isso pode ser menos relevante do que gostariam.

Candidatos de oposição enfatizarão problemas econômicos, lacunas e insatisfações, apontando também o agravamento de questões sociais. E, claro, aqueles que puderem cuspir para o alto destacarão as mazelas e a deterioração da credibilidade do sistema.

A pregação econômica, metódica e racional, do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ou do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fala à razão de iniciados em relatórios e projeções econômicas, alegra convertidos. Mas, enquanto isso tudo não for percebido concretamente no cotidiano das pessoas comuns, o efeito eleitoral será pequeno. No Brasil, tudo é duvidoso, mas o mais provável é que 2018 seja o ano da política.

Carlos Melo

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Previsões para 2018, um ano imprevisível

Nestes dias atribulados, que deveriam ser de confraternização e são de consumo, busquei ajuda do imponderável para tentar antecipar o cenário do mundo, e em particular do Brasil, no ano que nos aguarda acocorado logo ali à frente. Já que não podemos contar com a racionalidade – 2017 provou, mais uma vez, que a realidade é inverossímil -, apelemos a formas de conhecimento alternativas, que, apenas porque não compreendemos, não podem ser julgadas inferiores.
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Janjão do Jardim Paraná e Tia Maura são videntes reconhecidos em suas comunidades. O primeiro, mestiço alto e forte, é especialista na leitura dos búzios, essas pequenas conchas marinhas que revelam a história futura a quem sabe lê-las e interpretá-las. A segunda, de estatura mediana, nem magra nem gorda, carismática e envolvente, mistura de todas as etnias do mundo, desembaraça os fios vindouros examinando as figuras enigmáticas do baralho cigano.

A ambos fiz perguntas específicas, abarcando questões políticas e econômicas, e, claro, num ano de Copa do Mundo, busquei algum indício a respeito do desempenho da nossa seleção de futebol. O que se segue é um apanhado das respostas, nem sempre claras, nem sempre contundentes, pois a linguagem das predições é a da poesia, que eu tento canhestramente traduzir em prosa. Portanto, se equívoco houver, deverá ser debitado à minha incompetência – traduttore traditore, já esconjuravam os italianos.

O mussoliniano presidente norte-americano, Donald Trump, continuará tentando, a todo custo, provocar uma terceira guerra mundial. Depois de enjerizar o mimado ditador norte-coreano, Kim Jong-un, e de atiçar os muçulmanos com a transferência da embaixada para Jerusalém, Trump arrumará novas desculpas para colocar o planeta na iminência de um conflito de proporções catastróficas. Conseguirá? Não em 2018, não ainda... Mas a passos largos caminhamos nessa direção.

Os fundamentalistas islâmicos seguirão se explodindo nas ruas da Europa e eventualmente dos Estados Unidos, e os miseráveis, expulsos pela fome e pela falta de perspectiva, permanecerão se aventurando nas águas do Mar Mediterrâneo para alcançar as costas da Itália. Enquanto os ricos do mundo fingirem que não têm responsabilidade sobre a tragédia africana e do Médio Oriente, estarão apenas alimentando o ódio, o rancor e o ressentimento, caldo de cultura ideal para o desenvolvimento do fanatismo.

O clima se manterá enlouquecido. O número de ciclones e de tufões aumentará, provocando enormes estragos e inúmeras mortes no Caribe e Estados Unidos, e nos países-ilhas do Oceano Pacífico. Um terremoto de proporções gigantescas assustará o mundo e levará muitos a pensar no Juízo Final. Por aqui, serão registradas temperaturas, máxima e mínima, nunca antes conhecidas. Poderá faltar água em algumas capitais brasileiras, devido a um longo período de escassez de chuvas.

Infelizmente, as notícias sobre o Brasil não são as melhores. A violência urbana fugirá de vez do controle em algumas partes do país, evidenciando o poder real do tráfico de drogas. A economia reagirá como um paciente saindo do coma: com picos de melhora e de piora, pois o organismo, frágil e enfraquecido, às vezes parecerá sucumbir à enfermidade. O desemprego vai se conservar alto e o pessimismo em relação ao futuro levará jovens e idosos de classe média a fugir do país, revivendo um quadro desenhado na década de 1980.

Mas há notícias boas! Um astro da televisão se casará, um fenômeno da música brasileira irá se transformar num sucesso internacional, a internet se expandirá para os mais longínquos lugares do país, e os nossos jogadores continuarão sendo exportados como produto de excelência para campos de futebol de todos os cantos do mundo. Aliás, este é outro dado alentador: a seleção de Tite estará entre os finalistas em Moscou, embora ambos os consultados tenham se arriscado cravando que será a Alemanha o campeão do certame...

E o resultado das nossas eleições? Pois é, aqui, até mesmo os astros preferem se abster...

Indulto se torna insulto na Pasárgada de Temer

Quando escreveu sobre seu sonho de ir embora para Pasárgada, onde era amigo do rei, Manoel Bandeira imaginou que traduzia o desejo de toda a gente. Não poderia supor que, sob Michel Temer, todos os atrativos da terra desejada —ginástica, bicicleta, burro brabo, pau-de-sebo, banho de mar, beira de rio e até a mulher desejada na cama escolhida— seriam trocados por um único benefício: o indulto natalino do rei.

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A Pasárgada de Temer é uma monarquia sui generis. Nela, reina a corrupção. Os amigos do monarca se dividem em dois grupos: os presos e os que aguardam na fila, escondidos atrás do escudo do foro privilegiado. Não desfrutam apenas da amizade do rei. Integram a sua corte. Observam o caos ao redor como se olhassem para outro país, no qual não vivem. O indulto natalino do rei transformou este Brasil alternativo numa Pasárgada turbinada, muito além da sonhada.

Antes, os indultos natalinos colocavam em liberdade os condenados a menos de 12 anos de cadeia por crimes não violentos —corrupção e lavagem de dinheiro, por exemplo— desde que tivessem cumprido um terço da pena. Em 2016, Temer reduziu o tempo de cana para um quarto (25%). Neste ano de 2017, a temporada atrás das grades caiu para um quinto (20%). Mais: foi para o beleléu a barreira que impedia o perdão de condenados a mais de 12 anos. Pior: anistiaram-se também as multas.

Nesta quarta-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, protocolou no Supremo Tribunal Federal uma ação contra o decreto de indulto natalino editado por Temer. A doutora anotou na peça que a generosidade do rei levará à “impunidade de crimes graves, como aqueles no âmbito da Lava Jato e de outras operações contra a corrupção''.

Dodge acrescentou: ''O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder induto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira.''

O que Raquel Dodge escreveu, com outras palavas, foi que o indulto de Temer é um insulto. Mantido o decreto, a Pasárgada hipertrofiada será um lugar onde os amigos do rei integrarão uma confraria dentro da minoria. Na terra dos confrades, o poder, além de se corromper e ser corrompido, ameniza as penas.

De plantão no Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia pode restaurar a República por meio de uma liminar que suspenda o descalabro. Do contrário, a Suprema Corte também irá para Pasárgada, um país onde os amigos do rei sempre terão a impunidade desejada no decreto escolhido.

Paisagem brasileira

Sobral CE.
Sobral (CE)

Malandragem?

Há uma parte da população do Rio de Janeiro que sempre construiu para si própria, e para o restante do Brasil que presta atenção no que se fala ali, uma imagem de sua cidade como o centro nacional e mundial da malandragem. Seria uma grande virtude. Esse “espírito”, na sua maneira de ver as coisas, faz do Rio uma cidade superior às demais. Faz de seus cidadãos pessoas mais inteligentes, mais aptas a lidar com a vida e mais hábeis que os outros brasileiros em conseguir o melhor para si próprias. Imagina-se que essa gente esteja sobretudo nos morros, ou nas “comunidades”, como se deve dizer hoje. Muitos de fato estão, mas não são eles os que mais aparecem, pois sua voz não vai longe. Quem realmente leva adiante esta bandeira é uma porção das classes mais ou menos médias da Zona Sul, com a participação decisiva dos artistas, intelectuais que assinam manifestos, formadores de opinião, “influencers”, comunicadores e por aí afora. São eles, hoje, os guardiães da filosofia segundo a qual qualificar-se como “malandro” é um dos maiores dons que um ser humano pode dar a si próprio. Já sua pior desgraça, motivo de vergonha e prova cabal de estupidez, é ser o exato contrário disso – o otário, condenado a passar a vida na humilhação, no logro e no “prejuízo”. Seja tudo no Rio; mas não seja, pelo amor de Deus, um “otário”.

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A música de sucesso no Rio de Janeiro neste fim de ano é “Vai, Malandra”. Comentaristas de futebol, a começar dos mais populares, mais uma vez apostam que a “malandragem natural” do jogador brasileiro de futebol será uma vantagem estratégica importante na Copa do Mundo de 2018 na Rússia. Os políticos da cidade e do Estado são descritos, com orgulho, como “malandros”. Nas artes e naquilo que se chama de “meio cultural” a figura do malandro, e a filosofia que se fabrica em torno de seus méritos, estão entre os temas principais de interesse. A palavra “malandro”, em suma, é um elogio. A palavra “otário” é um insulto. Não melhora as coisas em nada, obviamente, a ideia geral que associa o otário ao sujeito honesto, cumpridor da própria palavra e das leis, pagador de impostos, respeitador das regras do trânsito, bem educado, etc. – tudo isso, cada vez mais, passa a ser visto como uma fraqueza, além de burrice, falta de “jogo de cintura” e outros delitos graves. Um cidadão decente, neste clima, é um cidadão com defeito.

A atitude de culto à “malandragem” não parece estar dando bom resultado na vida prática do Rio de Janeiro. Até outro dia, três ex-governadores do Estado estavam na cadeia, ao mesmo tempo, por corrupção – um deles, que não teve a sorte de pegar um Gilmar Mendes no caminho, continua no xadrez. Nenhum outro Estado do Brasil, em nenhuma época da história, conseguiu nada semelhante. O ano de 2017 está fechando com mais de 130 policiais assassinados no Rio, uma média de um morto a cada três dias. Os funcionários públicos já esqueceram o que é receber o salário mensal em dia. Foi preciso pedir dinheiro emprestado para pagar o décimo terceiro. Um dos maiores orgulhos da cidade e do Brasil, o estádio do Maracanã, continua fechado depois de consumir bilhões de reais em investimentos para brilhar nos Jogos Pan-Americanos, depois na Copa do Mundo de 2014 e finalmente na Olimpíada de 2016, uma coisa depois da outra. O Flamengo, o maior time do Rio, manda seus jogos num lugar chamado “Ninho do Urubu”. Nada disso tem cara de ser, realmente, uma grande malandragem.

A grande aposta

O Estado no Brasil está sempre aumentando suas funções e com elas, a normatização detalhada, que traz oportunidades inovadoras de desvios, abusos, crimes e impunidade. Na conhecida expressão italiana, fatta la legge, fatta la trampa, do latim inventa lege inventa fraude.

Por formalidade institucional da democracia refiro-me a regras explícitas e princípios jurídicos consagrados destinados a proteger as instituições da democracia, como o devido processo legal, normas que regulam o processo eleitoral e direitos individuais, entre outros.

É o ordenamento jurídico dessa hierarquia que foi convocado para processar e julgar crimes financeiros e delitos criminais numa escala jamais imaginada. São matérias jurídicas de conteúdo político e atores políticos acusados de delitos penais. São questões que dividem a Nação em grandes segmentos sociais e políticos opostos e provocam uma situação de legitimidade em questão e insegurança generalizada.

Nunca antes questões jurídicas ganharam audiência dessa magnitude no Brasil. Os atores políticos envolvidos buscam a proteção de advogados talentosos que se desdobram em interpretações “criativas”, argumentos capciosos, e exploram os interstícios existentes entre as normas, esticando ainda mais a tessitura normativa já esgarçada em favor de suas alegações.

O comportamento dos principais atores políticos em relação ao formalismo institucional democrático varia, então, em função dos objetivos políticos buscados.


A esquerda, que não valoriza nem acredita na democracia, que chama depreciativamente de burguesa, busca substituí-la por uma dinâmica política substantiva com práticas de democracia direta, de forma a pavimentar o caminho para um governo de modelo socializante.

Apresenta-se como vítima dessa formalidade, contestando a forma como é praticada. Os vilões são o Ministério Público, a Polícia Federal e os juízes. Não vai ao ponto de contestar abertamente a validade dessa normatividade, já que por ela será julgada. Denuncia os interesses que estariam por trás das decisões de juízes, procuradores e delegados. A estratégia opõe o eventual sucesso político ao insucesso judicial.

A direita (partidos convencionais) encara as formalidades como ameaças. Ideologicamente sempre praticou a retórica da exaltação da democracia e do Estado de Direito. Não podendo, pois, denunciar a institucionalidade democrática nem apostar numa vitória na eleição presidencial, sua aposta se reduz a esperar por uma negociação que encontre uma saída para a perigosa situação de tantos legisladores e políticos.

No governo, as acusações e os processos que pesam sobre alguns de seus ministros e ex-ministros não deixam alternativa senão a saída negociada, se possível pelo impacto de uma bem-sucedida recuperação da economia, já que, se forem aplicadas as regras da formalidade institucional, sua carreira e até a liberdade pessoal estarão em alto risco.

Já os grupos corporativos do setor público continuarão a fazer suas greves, apoiando a esquerda na pressão para ter Lula como candidato, ou seja, a saída sem custos políticos: nem negociada, nem dependente de absolvição, nem dependente da recuperação econômica do País.

O movimento cultural, em sua nova função de ponta de lança das teses de esquerda, deverá manter sua estratégia de atrito e desgaste do governo e da Lava Jato. Seus instrumentos de luta são os eventos provocativos, a participação nas manifestações públicas, o uso de sua popularidade em favor das “causas” e o encargo de dar repercussão e obter algum respaldo internacional à contestação.

Sociologicamente, quem são os protagonistas dessa contestação do formalismo institucional democrático?

As greves no setor privado passam despercebidas, são resolvidas na esfera privada. As greves políticas são greves do serviço público. Distúrbios são provocados por movimentos atrelados a partidos políticos de esquerda. Ações de protesto são protagonizadas por artistas, intelectuais, professores e universitários. Em resumo, a classe média.

É a classe média “de esquerda” que engrossa os movimentos e manifestações. Mas a classe média não faz revolução, ela abastece a esquerda com quadros políticos. São aqueles de quem se pode dizer: quem não é de esquerda tem medo de parecer que não é.

São os companheiros de viagem, segundo a expressão de Stalin. Parceiros de trajeto, não das lutas. Durante sua “fase esquerdista” são mais de esquerda que os verdadeiros radicais; sentem-se empoderados e superiores àqueles que alegam defender, os pobres, os sem “consciência revolucionária”.

Entretanto, no projeto revolucionário das esquerdas, salvo na fase de destruição da democracia, a classe média em nada ajuda e muito atrapalha. Isso se deve ao fato de que a classe média de esquerda, ao radicalizar, se compromete com projetos contrários aos seus interesses. A outra classe média, a da direita, não tem esse problema. Está comprometida com seus próprios interesses e valores, que correspondem aos da imensa maioria do povo.

Na realidade, as formalidades institucionais da democracia são indispensáveis para civilizadamente dar solução aos conflitos políticos. Não há substituto para elas. Sem elas sairemos da crise para entrar no caos. É fácil exacerbar sentimentos, provocar ódio, radicalizar diferenças, demonizar adversários. Difícil é administrar civilizadamente as consequências dos conflitos tornados irreconciliáveis.

Governo quer colocar 'trabalhômetro' em frente ao Planalto

Na tentativa de marcar como positiva a gestão de Michel Temer, o governo pensa em colocar, em frente ao Palácio do Planalto, um painel mostrando que o país vem criando um emprego a cada sete segundos. Será o “trabalhometro”.

A ideia é copiar o painel do Impostômetro, mas com dados positivos. O governo acredita que o emprego é a principal arma para reduzir a rejeição ao presidente Temer e fortalecê-lo como candidato à reeleição ou como fiador de uma candidatura que possa derrotar Lula e Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Os economistas levantam uma dúvida: o número que o governo está usando, de um emprego criado a cada sete segundos, inclui trabalho informal?
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Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pnad Contínua, a maior parte dos empregos criados nos últimos meses foi no mercado informal. Ou seja, o governo está contabilizando como vitória o camelô que botou uma barraca perto de um sinal de trânsito.

Os mesmos economistas ressaltam que o emprego formal está, sim, voltando, mas de forma muito lenta. Tanto que, em novembro, depois de uma sequência de sete meses positivos, o país voltou a fechar vagas formais. As demissões superaram as contratações em 12.292 postos, segundo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Numa das propagandas sobre emprego, o governo diz que, “enquanto você prepara seu macarrão instantâneo, 25 brasileiros encontram trabalho no Brasil”. Veja: https://twitter.com/twitter/statuses/941396843426144256.

Na Política, pode-se ler os números da maneira que for mais conveniente. Mas a realidade sempre falará mais alto.

O Brasil voltará a criar empregos, mas, para isso, será preciso que os investimentos produtivos retornem com tudo. Por enquanto, são promessas. Sem investimentos, não há como falar em crescimento sustentado. Isso exige confiança em relação ao futuro. Por enquanto, muitas são as dúvidas, sobretudo no que se refere às eleições e ao ajuste fiscal.

Imagem do Dia

Huacachina- Perú está construído ao redor de um pequeno lago natural no deserto
Huacachina (Peru)

Marun, um subornador, esquece que 904 mil pessoas estão na fila do SUS

O ministro Carlos Marun, evidentemente falando em nome do presidente Michel Temer, revelou a existência de um projeto de suborno e chantagem a deputados e senadores mediante seus votos no Congresso Nacional para a reforma da Previdência, cuja data está marcada para 19 de fevereiro. O suborno inclui financiamentos a serem liberados pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. A revelação do ministro da Articulação Política do Governo não poderia conter cinismo maior. O próprio Marun acentuou tratar-se de um caso de reciprocidade. Incrível.

O ministro ressaltou também que o BB, a CEF e o BNDES são órgãos do governo. Não explicou que a concessão de financiamentos e empréstimos cabe às presidências e diretorias dos três bancos. Deixou claro que não se trata de análise para concessão de créditos e sim da seleção dos deputados e senadores à base de seus votos.



Na noite de terça-feira, o Jornal Nacional da Globo mostrou a gravação contendo as declarações do deputado, hoje investido de ministro, confirmando com naturalidade a proposta de suborno. A Globonews também colocou no ar a matéria. E o assunto, nesta quarta-feira, foi objeto de reportagem de Letícia Fernandes, O Globo, e de comentário de Miriam Leitão destacando o comportamento negativo de alguém que publicamente assume uma proposta de subornar aqueles que podem depender do Executivo para obter lucros e vantagens. A entrevista de Carlos Marun foi um desastre para o Palácio do Planalto.

Vai causar uma forte reação daqueles que vão votar o projeto do governo. Não pode ser o contrário, a menos que os parlamentares aceitem a sinuosa colocação feita pelo ministro da Articulação Política. A diferença é grande: uma coisa é articular, outra é subornar.
Mas eu disse que Carlos Marun não conhece, ou não deseja conhecer, a realidade da saúde pública no país. O Conselho Federal de Medicina revelou em sua publicação mensal que no país existem 904.000 pessoas aguardando uma cirurgia na fila interminável do SUS. Esse número foi constatado no período janeiro a início de novembro deste ano. A publicação me foi entregue pelo médico Pedro Campello.

Há casos em que a espera alonga-se por 10 anos. Muitos morrem à espera de atendimento, isso em todo o país. Carlos Marun não pode desconhecer o assunto porque ele é objeto de reportagem de Adriana Dias Lopes na revista Veja que está nas bancas.

Portanto, a tentativa de suborno, de outro o atestado irrefutável da omissão e do desrespeito à condição humana.

Zé Dirceu cria o 'Dia da Fúria' para intimidar a Justiça

O Zé Dirceu é um cara ousado, independente de ser comprovadamente um corrupto. Articulador político do PT e conselheiro privilegiado do ex-presidente Lula, condenado por roubar dinheiro público, o Zé já demonstrou em vários momentos que não teme a justiça, mesmo depois dos vários anos de cadeia nos presídios brasileiros. Agora mesmo ele lança a campanha “Dia de Fúria” para intimidar os juízes do TRF4 que vão revisar, no dia 24 de janeiro, a condenação de nove anos imposta ao Lula pelo juiz Sérgio Moro.

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O ex-ministro, ainda sob a vigilância da justiça, gravou um vídeo e espalhou pela rede social, no qual convoca os militantes petistas para um protesto em Porto Alegre para pressionar os desembargadores. Condenado várias vezes, Zé teve a pena aumentada para 30 anos e 9 meses por esse mesmo tribunal, mas isso não o intimidou a se voltar contra os magistrados que julgam, em segunda instância, os processos da Lava Jato.

Quando estava atrás das grades, o Zé pensava como um monge e vivia como um borrego. Ao depor, emocionou-se ao pedir ao juiz Sérgio Moro que tivesse piedade dele por ser uma pessoa idosa e ter uma filha menor de idade. Consciente de que Dirceu dramatizava o apelo, Moro não se comoveu e o condenou a 20 anos e dez meses, mantendo-o no presídio. Coube aos ministros da segunda turma do STF (Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski) devolvê-lo aos seus familiares, mesmo depois que o TRF4 aumentou a sua pena para mais de 30 anos.

Os petistas, a exemplo de Zé Dirceu, são assim mesmo: na prisão esforçam-se para se mostrar submissos, áulicos e serviçais. Fora dela, botam as garras de fora, agitam-se e se transformam em criminosos reincidentes e perigosos. Quando esteve preso, cumprindo a pena do mensalão, Dirceu continuou a delinquir, como provou a justiça. De dentro do presídio, ele comandou o esquema de corrupção na Petrobrás e nas empreiteiras. Trata-se de um criminoso patológico, que já devia estar fora do convívio social há muito tempo, basta tão somente que a justiça faça prevalecer o que ela mesmo decidiu sobre a conduta desse delinquente.

Os petistas não se conformam com o fim da mamata, com o expurgo do poder. Rosnam como cães raivosos quando acuados pelos procuradores da Lava Jato. Contudo, veem, aos poucos, a organização criminosa se esfacelar com a condenação de seus principais líderes. Temem pela prisão do seu chefe maior e o efeito cascata dessa sentença, pois sabem que o castelo de areia vai desmoronar.

Zé Dirceu, o xerife sem estrela, megalômano, age como se ainda estivesse entre as quatro paredes do Palácio do Planalto, onde ali foi formada a maior quadrilha da história do país. Quer fazer fora da cela o que não fez dentro do presídio, onde rezava como cordeiro na cartilha dos presos antigos que comandam o sistema carcerário. Livre, por uma ação do STF, quer agora cantar de galo, ignorando que a qualquer momento pode voltar à cela quando se esgotarem seus recursos junto ao tribunal de Porto Alegre. De volta à prisão certamente continuará a vida nababesca. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acaba de aprovar uma aposentadoria para ele de R$ 9.600,00, mesmo sendo um deputado cassado.

Os petistas querem ganhar no grito, como sempre fizeram quando viviam do imposto sindical e estavam no poder. Ainda não perceberam a mudança da correlação de força. A última convocação para levar os trabalhadores à rua contra a reforma da Previdência foi um fracasso. Desistiram antes de juntar os cacos, pois perceberam que não havia mais comando de ordem para encher as praças públicas nem o delivery da tradicional mortadela. Com a lenta recuperação da economia, seus adeptos preferem o emprego e a comida na mesa à balbúrdia e os tumultos das ruas.

Não entenderam ainda, os petistas, coitados, que o país continua funcionando dentro da legalidade democrática apesar das crises políticas. E que a prisão do Lula, se ocorrer, não vai provocar nenhuma cisão nas instituições. Aliás, antes de ser condenado, Lula espalhava aos ventos que se isso acontecesse, o seu “Exército Vermelho”, a turma do Stédeli, iria tocar fogo no país. Pois bem, o país não saiu chamuscado até hoje mesmo depois da sentença do seu líder de papel.

O resto é conversa pra boi dormir.

Trova do banqueiro

O trabalho do banqueiro
está no seu jogo impuro:
tem lucro com meu dinheiro
e ainda me cobra juro.

Olympio Coutinho

A farra dos penduricalhos

A banalização dos benefícios pecuniários pagos à magistratura tornou impossível saber ao certo qual é o custo efetivo do Poder Judiciário com a folha de pagamento de seus juízes, desembargadores e ministros. Ao todo, são 91 tribunais e em quase todos seus integrantes ganham verba de representação, bonificações e gratificações sob a forma de auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-livro, auxílio-paletó e vários outros penduricalhos pagos com dinheiro dos contribuintes. Como cada tribunal tem sua lista de penduricalhos, a área técnica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que existam em todo o País 40 tipos distintos de gratificações, representações e adicionais aos salários dos juízes.

Com base em informações atualizadas enviadas ao CNJ sobre os vencimentos de cada um de seus magistrados, o Estadão Dados constatou que, no período entre janeiro e novembro de 2017, esses penduricalhos custaram R$ 890 milhões aos cofres públicos. Descobriu, igualmente, que os penduricalhos pagos aos 14 mil magistrados dos Tribunais de Justiça representam, em média, 30% de seu salário básico. Descobriu, ainda, que três em cada quatro juízes estaduais recebem auxílio-moradia, independentemente da cidade onde trabalham e do fato de possuírem ou não residência própria.

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Além disso, como os penduricalhos são pagos a título de verba indenizatória, e não como vencimentos, os valores não são levados em conta no cálculo do teto salarial estabelecido pela Constituição para a administração pública, que hoje é de R$ 33,7 mil. Pela pesquisa do Estadão Dados, um terço dos juízes estaduais tem vencimentos líquidos superiores ao teto. A remuneração nacional média desse grupo é de R$ 42,5 mil. Em Rondônia, a média é de R$ 68,8 mil. No topo da lista, um magistrado desse Estado recebeu recentemente R$ 227 mil no contracheque. E, em julho, um juiz de primeira instância do Estado de Mato Grosso recebeu quase duas vezes e meia esse valor.

Ao defender os penduricalhos da magistratura, que sempre esteve entre as categorias mais bem pagas do funcionalismo público, os presidentes dos tribunais alegam que, se não receberem salários equivalentes aos diretores jurídicos das grandes empresas, os juízes não seriam eficientes na defesa da cidadania e na decisão das questões de alto relevo público. Independentemente da falta de uma relação lógica entre uma coisa e outra, pois a eficiência de um magistrado depende de sua competência, de seu esforço e de sua responsabilidade, os dirigentes da Justiça também não negam que a multiplicação dos penduricalhos foi a resposta que o Judiciário deu ao Executivo, quando os responsáveis pelas finanças públicas alegaram não dispor de recursos para aumentar ainda mais os já polpudos salários dos magistrados. Há três anos, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) chegou ao disparate de invocar a necessidade de um padrão mínimo de elegância dos juízes para justificar a concessão dos penduricalhos.

O principal argumento da magistratura é que esses benefícios são previstos por lei, motivo pelo qual seu pagamento não seria irregular. O problema, porém, não está na legalidade dos benefícios, mas na sua falta de legitimidade, afirma o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, profundo conhecedor das artimanhas dos magistrados para burlar as limitações impostas pela Constituição que juraram cumprir. “À medida que há claraboias nesse teto, perde-se a noção dos custos do Judiciário”, afirma o ex-ministro.

A farra dos penduricalhos no Judiciário chegou a tal ponto que até juízes aposentados entraram com ações reivindicando, em nome do princípio da isonomia, os mesmos “direitos” dos magistrados da ativa. Isso mostra o grau de descolamento da realidade por parte de uma corporação incapaz de perceber a crise econômica em que o País se encontra e de compreender que, embora os Poderes sejam independentes, o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que nele sai e entra é do Executivo.

Editorial - Estadão

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O eterno retorno

Sabe aquele truque do punguista que bate a carteira do transeunte incauto e, antes que ele reaja, sai correndo e gritando “pega ladrão” pela rua acima? Pois é esse exatamente o golpe com que o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta a pendenga judicial protagonizada pelo seu primeiro, único e eterno candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aiatolula para seus devotos, Lulinha paz e amor para os que por ele se deixam enganar. Primeiro, eles gritam “golpe!”, como gritaram quando Dilma Tatibitate Rousseff foi derrubada pelas próprias peraltices, anunciando que disputar voto sem ele na cédula não é eleição, é perseguição. Depois saem correndo atrás do prejuízo... dos outros.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

A narrativa desse golpe, que eles tratam como se fosse um contragolpe, é a de que seu plano A a Z de poder tem sido acusado, denunciado e condenado e está agora à espera de uma provável, embora ainda eventual, confirmação da condenação em segunda instância. No caso, a Polícia Federal atuaria como se fosse um bate-pau de coronéis da política, que não querem ver o chefão de volta ao poder para desgraçar o Brasil de vez, depois do desastre que produziu a distribuição igualitária do desemprego dos trabalhadores e da quebradeira dos empresários, esta nossa isonomia cruel. O Ministério Público Federal seria um valhacouto de pistoleiros dos donos do poder. E os juízes que condenam, meros paus-mandados de imperialistas e entreguistas. Quem vai com a farinha da lógica volta com o pirão da mistificação: é tudo perseguição.

Talvez seja o caso, então, de lembrar que nem isso é original. Aqui mais uma vez o PT pavloviano que baba quando o padim fala recorre à filosofia pré-socrática do velho Heráclito de Éfeso proclamando o eterno retorno. Não queriam refundar o PT depois do assalto geral aos cofres da República? Pois muito bem, lá vão voltando os petistas às suas origens nos estertores da ditadura. Naquele tempo, os grupos fundidos hesitavam entre a revolução armada e a urna. Optaram pela paz e prosperaram.

Os guerrilheiros desarmados à custa de sangue, tortura e lágrimas voltaram do exílio convencidos de que só venceriam se assumissem o comando de um partido de massas. E o ideal para isso seria empregar o charme dos operários do moderno enclave metalúrgico do ABC. Lula, que desprezava os filhinhos de papai do estudantado e os clérigos progressistas, aceitou o papel que lhe cabia de chefe dos desunidos e então reagrupados. Afinal, sua resistência à volta dos ex-armados era só uma: queria dar ordens, nunca seguir instruções. E deixou isso claro a Cláudio Lembo, presidente do PDS paulista e emissário do general Golbery do Couto e Silva enviado a São Bernardo para convencê-lo a apoiar a anistia.

A conquista da máquina pública não derramou sangue dos militantes, que avançaram com sofreguidão sobre os cofres da viúva e os dilapidaram sem dó. Viraram pregoeiros do melhor e mais seguro negócio do mundo: ganhar bilhões sem arriscar a vida, como os traficantes do morro, demandando apenas os sufrágios dos iludidos. A desprezada e velha democracia burguesa virou um pregão de ocasião: só o voto vale. A eleição é a única fonte legítima do poder. Os outros pressupostos do Estado democrático – igualdade de direitos, equilíbrio e autonomia dos Poderes, impessoalidade das instituições – foram esmagados sob o neopragmatismo dos curandeiros de palanque.

A polícia, o Ministério Público e a Justiça tornaram-se meros (e nada míseros!) coadjuvantes da sociedade da imunidade que virou impunidade. A lei – ora, a lei... – é só pretexto. Agora, por exemplo, a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, é um obstáculo que, se condenado na segunda instância, Lula espera ultrapassar sem recorrer mais apenas às chicanas de hábito, mas também à guerrilha dos recursos. Estes abundam, garantem Joaquim Falcão e Luiz Flávio Gomes, respeitáveis especialistas.

Não importa que a alimária claudique, eles almejam mesmo é acicatá-la. Formados no desprezo à democracia dos barões sem terra e dos comerciantes sem títulos dos séculos 12 e 18, os lulistas contemporâneos consideram o voto, que apregoam como condão, apenas um instrumento da chegada ao poder e de sua manutenção – como a guilhotina e a Kalashnikov. José Dirceu, que não foi perdoado por ter delinquido cumprindo pena pelo mensalão, ganhou o direito de sambar de tornozeleira na mansão, conquistada com o suor de seus dedos, por três votos misericordiosos. Dias Toffoli fora seu subordinado. Ricardo Lewandowski criou a personagem Dilma Merendeira. E Gilmar Mendes entrou nessa associação de petistas juramentados como J. Pinto Fernandes, o fecho inesperado do poema Quadrilha, que não se perca pelo título, de Carlos Drummond de Andrade. Celso de Mello e Edson Fachin foram vencidos.

Na semana passada, o ex-guerrilheiro, ex-deputado e ex-ministro estreou coluna semanal no site Nocaute, pertencente ao escritor Fernando Moraes, conhecido beija-dólmã do comandante Castro. Na primeira colaboração, Dirceu convocou uma mobilização nacional no próximo dia 24 de janeiro, em defesa dos direitos do ex-presidente Lula, “seja diante do TRF-4, em Porto Alegre, seja nas sedes regionais do Tribunal Regional Federal” (sic). O post, com o perdão pelo anglicismo insubstituível, é a síntese da campanha que atropela o Código Penal e a Lei da Ficha Limpa, apelando para disparos retóricos e balbúrdia nas ruas, à falta de argumentos jurídicos respeitáveis. Nada que surpreenda no PT, cujo passado revolucionário sempre espreitou para ser usado na hora que lhe conviesse. E a hora é esta.

O voto é apenas lorota de acalentar bovino. Estamos com a lei e o voto, que já lhes faltou no ano passado e dificilmente será pródigo no ano que vem. Mas não podemos vivenciar a fábula A Revolução dos Bichos, de Orwell. Pois o papel de ruminantes é o que nos destinaram. Só nos resta recusá-lo.

Diário de um preso em domicílio

Quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Amanhã completo seis meses de prisão domiciliar.
Estou rapidamente chegando a meu limite pessoal, queria apenas deixar registrado para o caso de cometer uma loucura.
Viver aprisionado nos limites desse apartamento faz a vida perder todo o sentido.
Como se não bastasse, não posso confiar em mais ninguém.
As meninas da massagem, por exemplo, só nessa semana esqueceram as pedras quentes duas vezes.
Na última vez, fiquei tão irritado que cancelei e fui à praia.
Ir à praia, aliás, é desesperador.
O perímetro da tornozeleira não permite que eu caminhe até a barraca de coco que eu gosto, a do Lima.
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Sou obrigado a tomar uma água de coco qualquer, de procedência desconhecida, como um indigente.
Minha saúde sofre.
Uma vez por mês, sou autorizado a visitar meu cardiologista.
Em Angra.
Da última vez, ele insistiu que eu fizesse natação.
Disse que é bom para manter o tônus muscular enquanto atravesso essa minha via-crúcis.
Juro que tentei.
Mas a jacuzzi da varanda não foi feita para isso.
Muito menos o ofurô.
Ou seja, o Estado ceifou minha liberdade e não me dá condições plenas para cuidar da saúde.
Meus advogados entraram com uma liminar e, pelo menos pelos próximos meses, poderei frequentar uma academia.
Em São Paulo.
Outro desaforo foi a Receita Federal confiscar o jamón pata negra que havia importado para complementar o sódio de meu regime de proteínas.
Agora sou obrigado a comer presunto nacional, o que me deprime, pois faz lembrar de gente que só quero esquecer.
Sem exercício físico e comendo mal, emagreço a olhos vistos.
Estou definhando, disse a manicure.
Querem me isolar do mundo.
Às vezes, sinto saudade da Papuda.
Lá jogávamos truco assistindo ao futebol e comendo caviar às colheradas.
Éramos felizes e não sabíamos.
Aqui sofro sozinho.
Não fosse o churrasco que o pessoal do Senado faz na cobertura às quartas-feiras, eu já teria enlouquecido de solidão.
Semana passada contei sobre a liminar pedindo que ampliassem os limites de minha tornozeleira até o shopping.
Não aguentava mais comprar só pela internet.
Resultado?
Inventaram que eu não poderia “estar acessando” a internet.
Nem as séries que eu gosto tanto.
Cortaram todos os cabos.
Tenho culpa que a tevê da sala de projeção acessava a Netflix sem que eu soubesse?
Querem que eu assista ao quê?
Jornal Nacional?
Ainda bem que tenho amigos, como o ministro [nome omitido], que gentilmente comprou o apartamento aqui de baixo e instalou um Wi-Fi que pega do Leme ao Pontal.
Não há nada igual.
O que é justo é justo.
Falar em Justiça, a Anistia Internacional ainda não se manifestou sobre minha solicitação de assinatura da Bloomberg para comprar e vender ações.
Um homem não pode ser tolhido de seu sagrado direito ao trabalho.
Enfim, vou ter que parar por hoje porque a Luciana, a personal, chegou agora.
Atrasada de novo.
Estava gravando o clipe da Anitta, como se isso fosse desculpa.
Sério. O que eu fiz para merecer isso?

Gente fora do mapa

I CHING: seja discreto

O Brasil não vota

Ao olhar ao redor, percebemos que o presente não está bem; olhando para frente, é o futuro que não parece bem. A sensação é de caminharmos sem coesão nem rumo para uma desagregação social e para o atraso econômico, científico e tecnológico. Mesmo assim, tudo indica que no próximo ano os brasileiros elegerão um novo presidente da República sem eleger um novo Brasil.

Estamos paralisados pela vergonha da corrupção, da concentração de renda, da baixa produtividade e consequente pobreza, da violência sob tantas formas. Estamos em dívida com os pobres, idosos e jovens, crianças e mulheres, com os índios e os negros.

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Junte a isso um país sem instituições sólidas; um sistema judiciário bipolar; um Estado sem eficiência e privatizado política e sindicalmente; ciência e tecnologia deficientes; um sistema educacional precário e desigual; e, sobretudo, imenso descrédito nos políticos devido à corrupção generalizada. Reafirmo: o Brasil precisa eleger não apenas um novo presidente, mas também um novo Brasil.

Mas o eleitor não parece preocupado com o país de todos, apenas com o seu próprio presente ou de seu grupo social. Votará com raiva dos atuais políticos, e não com esperança nos que virão. Preocupado apenas com a vitória nas urnas, e não com o país. Em consequência, o candidato mira cada corporação e diz o que o eleitor quer ouvir, não o que ele precisa ouvir.

Uma prova de que os brasileiros não votam pelo Brasil é como as classes médias e ricas preferem gastar cerca de R$ 80 bilhões por ano — R$ 20 mil por família — com a educação de seus filhos a votar por uma escola pública gratuita com qualidade para todos. Talvez porque não queiram seus filhos misturados com o restante do país, talvez porque não acreditem que isso seja possível aqui, ou talvez porque, para ele, o Brasil não interessa. Por isso, o eleitor prefere pagar serviços especiais só para si e sua família a receber gratuitamente o mesmo direito de todos.

O eleitor prefere manter a Previdência insustentável no futuro, desde que pagando sua aposentadoria pessoal esperada para breve, a defender uma reforma que traga sustentabilidade garantida para todos. A Previdência é vista como um direito de cada aposentado, não como uma instituição do Brasil para os idosos de hoje e também aqueles das gerações futuras. Por não votar pelo Brasil, candidatos e eleitores preferem ilusões do “faz de conta” do que a realidade de “fazer as contas”.

Para eleger o Brasil, cada candidato deveria transformar a eleição em um plebiscito sobre qual país queremos, como fazê-lo, quanto custará, quem vai pagar e como atrair o eleitor para votar pelo bem comum. Mas isso dificilmente vai acontecer, porque o Brasil não vota!

Felizmente, o país não perde a esperança, porque transcende o presente e suas corporações, e tem vocação para se fazer nação, através dos séculos de história, com novas gerações de eleitores e com políticos diferentes.

Cristovam Buarque

Alerta de desastre

A partir desta semana, o Rio dispõe de um serviço especial de alerta da Defesa Civil. É um programa coordenado pelo Ministério da Integração Nacional, em parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações, e consiste no envio de mensagens via celular alertando a população para a possibilidade de desastres naturais. Por estes, eles entendem deslizamentos de terra, enxurradas e alagamentos provocados por chuva forte.

Ora, para prevenir chuva forte, não precisamos de tanto aparato. Basta chegar à janela ou à rua e olhar em volta. Ondas no mar em forma de carneirinho são garantia de vento sudoeste, significando chuva que vem de São Paulo. Excesso de urubus ou gaivotas zanzando no céu, também chuva certa. Nuvens pelas alturas do Sumaré ou das ilhas Tijucas, idem. Em caso de dúvida, é só perguntar a um motorista de táxi – os taxistas cariocas são capazes de dar até o índice pluviométrico que vai cair.

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Os desastres sobre os quais precisamos de alerta são outros. Os políticos, por exemplo. Desde 1970, o Rio teve a infelicidade de ser dominado por duas máquinas de poder, o chaguismo (de Chagas Freitas, 1914-1991) e o brizolismo (de Leonel Brizola, 1922-2004). Com ou sem os titulares, essas facções, fortemente enraizadas a bandidos de todo tipo, revezaram-se no comando da cidade e do Estado. Todos os governadores e prefeitos eleitos aqui nesse período saíram de uma ou de outra.

Mas ninguém nos alertou para a fusão entre elas sob Sérgio Cabral. Oriundo tanto do chaguismo quanto do brizolismo, ele formou com Executivo, Legislativo e Judiciário locais, dirigentes de estatais, burocratas de vários níveis e empresários de confiança um aglomerado maciço de corrupção, de modo a não vazar nada, nada, nada.

Esse desastre talvez até pudesse ser previsto. Mas não suas dimensões.