segunda-feira, 13 de junho de 2016

Se possível, sem jeitinho

É possível enumerar fatos. Colocá-los em ordem é questão de gosto. Mas é função de escolha como eles são divididos em passos que explicariam as etapas de como chegamos até aqui. Os fatos são muitos. E devidamente selecionados, dão existência a narrativa ao gosto de quem conta a historia.

Seria relativamente simples. E, como a maior parte dos raciocínios simplificados, pouco produtivo. Mais produtivo seria colocar em segundo plano o como chegamos a este ponto. O mais importante talvez seja o porque a realidade se transformou neste vale de desconfiança, desonestidade e degradação moral, ética e institucional.

Daria para explicar de varias maneiras. Mais comumente, diz-se que toda esta desonestidade seria função exclusiva da combinação de oportunidade, impunidade e recompensas financeiras. O crime, por esta versão, seria cometido por quem pode, quando fosse compensador e pouco arriscado.

Se assim fosse, ou melhor, se fosse somente isso, seria simples prevenir que tudo se repita no futuro. A chave seria combinar punição, aumentar o controle e maximizar o custo da transgressão. Bastariam leis mais severas, punições mais rigorosas e o fim da impunidade. Estas são, sim, partes importantes do diagnostico e da solução. Mas não parece ser tudo.

Não é natural que tantos escândalos, tão grandes, tão numerosos, tão importantes tenham sido ignorados por tantos anos. Em retrospecto, não faz sentido. Não explica como um país inteiro pudesse ser alheio a este volume de delitos e transgressões morais, legais, éticas. Algo maior ter acontecido.

Não foram acometidos de cegueira deliberada somente aqueles beneficiados direta ou indiretamente pelos esquemas armados. Foi mais amplo. Toda a sociedade escolheu ignorar os sintomas. E insistiu em acreditar na perpetuação de um sistema já apodrecido e que inevitavelmente entraria em colapso. Como é sempre o destino das fraudes.

Uma explicação possível seria a de que neste lugar que nunca primou pela justiça (ou mesmo pelo acesso a ela), prevaleceu sempre o jeitinho. E jeitinho é simplesmente uma maneira de dizer que corrupção é não somente inevitável, mas também necessária (e portanto até desejável) para a realização de qualquer projeto ou ambição.

Acontece que jeitinho corrói a alma. Sufoca a vontade. Apodrece projetos. Afoga sonhos. Jeitinho, portanto, destrói a cidadania. Condena cidadãos a eterna negociação na compra de facilidades vendidas por especialistas na criação de dificuldades.

Convém, portanto, que os cidadãos se comportem como tais. E assumam a sua parcela de responsabilidade pela leniência com que, por qualquer razão, tenham tratado os primeiros indícios de que havia algo de podre. Ser possível, sem jeitinho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário