Milão, Itália. De fora da cena se enxerga a cena. Na Itália a operação Mani Pulite (Mãos Limpas), na década de 90, teve como grande intérprete o procurador da República Antonio di Pietro. Atanazou o mundo político, revirou armários e túmulos, encontrou os butins dos assaltos à coisa pública, fez cair políticos de todos os partidos que empulhavam a cena.
Aniquilou quase por inteiro uma geração que se cimentou no poder e parecia eterna.
A corrupção exposta à luz foi notável, embora não tão gigantesca como a revelada pela Lava Jato, do juiz Sergio Moro. Tirou boa parte da cobertura de lama. E, como um jato de alta pressão, tinha a pretensão de devolver brilho à coisa pública.
Enfrentou forças que não queriam que o brilho prevalecesse e deu margem a incontáveis especulações.
Tomando, agora, a experiência italiana como base, podemos imaginar que o vazio de figuras “intocáveis”, em processo de extinção com as delações, dará espaço a novas peças ainda sem nome.
De onde eu escrevo, já se viveu o dia “depois” de o jato arrancar a lama. Passaram-se 20 anos e muitos processos; tem-se como reconhecer a possibilidade de algumas situações, por analogia, acontecerem em breve no Brasil.
Vive-se, neste mês, um segundo turno das eleições municipais nas principais capitais, como Roma e Milão, e algo inimaginável, apenas dez anos atrás, já está acontecendo.
Os partidos e as castas políticas que oligopolizavam o cenário desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, desapareceram. Como papel amassado, serviram de matéria-prima para a produção de folhas recicladas sobre as quais, ainda, se escreve uma nova história.
No dia “depois” da Itália, registrou-se uma expressiva adesão ao principal intérprete da operação “Mãos Limpas”, o promotor Antonio di Pietro (inspirador de Sergio Moro), que com a fama moralizadora fundou seu partido, Itália dos Valores. Atraiu polêmicas, figuras da magistratura e, mais, expoentes da “legalidade acima de tudo”, os “moralistas por excelência”. O mote soava como “Não há felicidade sem que a justiça prevaleça”, só que justicialismo é uma condição, não é um motor da sociedade. Um ingrediente usado pelos antigos romanos, que entenderam a lei e seu triunfo, a condição “sine qua non” do sucesso de uma sociedade. “Dura lex, sed lex”, a lei em primeiro lugar, respeitada tanto pelo cidadão mais proeminente como pelo último dos barnabés.
Embora a política não possa prescindir da justiça, ainda exige trabalho, experiência e competência para atender o anseio nacional. Justiça é a regra do jogo, não é certamente a capacidade de vencer o jogo e o desafio de governar.
Di Pietro brilhou e atraiu uma cota expressiva de eleitorado, mas se encrencou ao aparecer um patrimônio questionável que estaria acima de suas rendas legais. Em 2014, incinerado, desfiliou-se do partido que tinha fundado em 1998.
Precisou esperar que as novas tecnologias motivassem “comunidades virtuais”, “ad latere” das estruturas hierarquizadas dos “partidos profissionais”. Assim, fora do controle se deu uma revolução de pensamentos e de atitudes.
O exaurimento dos partidos permitiu que um ator cômico, barbudo como um Enéas e satírico como um intérprete do “CQC”, da Band, montasse seu partido, dando-lhe o nome de Movimento Cinco Estrelas, M5S. A síntese e o programa partem da constatação de que o cidadão/contribuinte paga caro e merece um tratamento de excelência, de hotel cinco estrelas. O poder público efetivamente a serviço do cidadão soberano, e não vice-versa.
O início do M5S foi de gargalhadas, até que um grupo de jovens tomou emprestada a bola levantada para fazer um primeiro gol em 2012, na rica cidade de Parma, secularmente dividida entre esquerda e direita. O eleitor cansado dos chavões de um lado e do outro, e das cores da corrupção, optou por um jovem prefeito, sem tradição e sem compromissos com financiadores de campanha, que encantou prometendo a coisa mais simples, transparência e honestidade. Ainda conseguiu em três anos de governo atender a expectativa.
A vitória de Parma encheu de credibilidade a “piada” para, poucos meses depois, as eleições gerais darem estrondosos 22% de cadeiras no Congresso Nacional. Neste mês de 2016, no primeiro turno das municipais em Roma, a candidata das “estrelas”, advogada de 37 anos, Virginia Raggi (ou Virgem dos Raios), muito bonita, que se expressa como um ser normal, nasceu numa família normal, trabalha normalmente, sem ranço de tradição e passado político, tirou 35% dos votos. Dificilmente deixará de ser a prefeita da capital dos papas, de Júlio César, de Adriano e de Marco Aurélio.
Milagre? O Brasil seguirá os passos da Itália? Pode ser que sim, como aconteceu algumas vezes. Depois do tsunami da Lava Jato, haverá uma revolução sem violência, empurrada pelo somatório de pensamentos comuns que determinarão a extinção da política jurássica. Isso é o sonho de muitos.
Já surgiu contrabandeando a ideia a Rede de Marina Silva. Aquela que parece, mas não é, impulsionada pela espontaneidade e diverge do M5S pelas origens e pela companhia de políticos, que, como ela, estavam no meio de tudo sem se oporem a nada do que desgraçou o país.
Apesar da angústia dos que querem um novo Brasil, mais capítulos deverão ser escritos para um raio de virgindade atender a esperança.
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