Lembro-me da aparição do ar-condicionado e de como os restaurantes brasileiros anunciavam com orgulho: temos ar-condicionado. A tornozeleira eletrônica é um dado novo no cotidiano brasileiro. Teoricamente pode ajudar o país a atenuar o problema carcerário. Permite que um pequeno número de funcionários possa controlar muitos condenados, reduzindo a superlotação e economizando os custos com tanta gente presa. Como todas as outras coisas, a tornozeleira pode ter um uso equivocado.
Para mim foi surpreendente o pedido de Rodrigo Janot para colocar tornozeleira eletrônica em José Sarney, um ex-presidente de 86 anos. O tema nos chegou pela metade. Janot pede a prisão de parte da cúpula do PMDB, inclusive Renan Calheiros e Romero Jucá. Eduardo Cunha também teve sua prisão preventiva pedida. Seu caso é óbvio. Mas os outros ainda dependem de dados que até o momento não conhecemos.
O que se sabe de Sarney, pelas gravações, é que aconselhou Sérgio Machado a falar com um amigo de Teori Zavascki, para influenciá-lo. E é contra a delação premiada para quem esteja na prisão. O que Sarney disse, nas gravações, é que um projeto de mudar a delação premiada mostraria que, realizado com presos, esse instrumento legal parece tortura.
A cúpula do PMDB é conhecida de todos. Muitos acham que, por alguma razão, seus expoentes deveriam estar presos. Isso não exime os procuradores de apresentarem as razões de uma forma inequívoca. Para começar, são mais hábeis que o PT e, habitualmente, não se defendem atacando, mas com base em alguns princípios do estado de Direito, como por exemplo a liberdade de opinião.
Por mais problemáticas que sejam as propostas sobre acordo de leniência e redução do âmbito da delação premiada, ambas dignas de um combate sem trégua, é impossível deixar de ver nelas o que, para mim, é a única condição em que um parlamentar merece o foro especial: o direito de falar e votar livremente.
Esperamos Janot durante todo esse tempo. Ele andou muito lentamente com a parte da Lava-Jato que lhe compete; isto é, a que envolve políticos e ministros. De repente, veio de uma forma brusca, como se quisesse compensar sua lentidão anterior.
Quem se interessa pelo futuro da Lava-Jato a vê como um excelente trabalho de combate à corrupção e um alento democrático ao demonstrar que a lei vale para todos. Qualquer deslize não é apenas ameaçador para os acusados, mas sim para aqueles que desejam o sucesso da operação e querem resguardá-la de todo tropeço inútil. A resistência é dura e bem articulada.
Nas gravações, Sérgio Machado fala da necessidade de preservar não apenas este governo, mas todos os que virão. Ele propõe uma espécie de vacina contra a Lava-Jato, para que se possa trabalhar em paz, livre de operações desse tipo. É uma espécie de sonho de consumo do sistema político brasileiro: colocar-se acima da lei.
É um sistema político que merece ser implodido. Mas nunca realizamos nossa tarefa num vazio histórico: há uma crise profunda e um esforço de reconstrução econômica. Mesmo sem esses componentes, pedidos de prisão precisam ser fundamentados e, em caso de vazamento, expostos na totalidade do texto.
Fixei-me na tornozeleira eletrônica de Sarney não só por sua história, mas também por sua idade. Aos 86 anos, a teia de limites que a própria biologia nos impõe — reumatismo, varizes, crises de gota — é muito mais eficiente do que os painéis de controle eletrônico.
Se tudo for bem apurado e processado, haverá cadeia para todos os envolvidos no processo de corrupção, inclusive o montado por Sérgio Machado que drenou milhões da Transpetro. É preciso realizar esse trabalho de depuração, em plena crise econômica e dentro dos parâmetros do estado de Direito, propostos pela Lava-Jato: a lei vale para todos. Que o diga o Japonês da Federal, que de tanto levar gente presa, acabou preso na própria PF de Curitiba.
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