segunda-feira, 11 de abril de 2016

Minos

Minos mordido por uma cobra. Detalhe
do afresco O Juízo Final de Michelangelo 

Pecadores, claro, todos eram. Nem eles mesmos duvidavam. Sabiam e sabem o que fizeram. Mas achavam que compensava. E duvidavam do castiço, estavam certos, era coisa para os outros.

Não deram a menor importância ao aviso na porta. Adentraram o Portal do Inferno certo de que veriam o céu em breve. A volta do inferno era, para eles, certeza matemática. Tinham livre arbítrio. E, portanto, imaginavam-se senhores e juízes do próprio destino.

Na antessala do inferno, encontraram os indecisos. Gente que, por indecisas, estavam condenadas a permanecerem ali, a deriva, sem ascender ao céu ou descer ao inferno. Antessala do inferno era, afinal, morada ideal para indecisos e covardes e que, por recusar a escolha, abraçaram a indecisão. Castigo inevitável por uma existência em cima do muro, evitando compromissos, sem decisões ou definições, sempre achando que perderiam oportunidades que jamais apareceram.

Entretidos e alegres com a justeza do castigo reservado aos covardes, os pecadores não deram atenção notaram o abismo sem fim, ou ouviram os gritos dos pecadores. Adentraram o Primeiro Círculo quase sem perceber. Confrontaram o limbo, talvez sob o desejo secreto de perderem-se no meio da multidão de virtuosos pagãos, condenados apenas a vagar sem destino na mais completa escuridão, com alguma chance de ser levado ao céu.

Ainda com sorrisos nos lábios, os pecadores adentraram festivamente o Segundo Círculo. Em desassombro absoluto, encontraram Minos, o juiz do inferno. E foi na Sala do Julgamento que, pela primeira vez abalaram-se as certezas.

Minos era ocupado. Ouvia as confissões de mortos e vivos. Peneirava fatos e buscava a verdade. Decidia sem emoção o destino dos réus. E condenava cada pecador ao circulo do inferno merecido por ele.

Alguns pecadores colaboraram com Minos. Preferiram ficar por ali. Diante do que poderia estar por vir, o Segundo Circulo pareceu boa alternativa. Quem sabe até, imaginaram, poderiam com o tempo regredir ao Primeiro Circulo.

Pecador de verdade, entretanto, não se assusta facilmente. E o lago de lama onde chafurdavam os habitantes do Terceiro Círculo não parecia, a esta altura, tão ruim. Imaginavam que com a dose certa de falta de escrúpulos e carregando nas tintas da calunia, seria possível arrastar todos para a lama. E assim eliminar a punição.

Minos deu de ombros. Explicou que dali para frente os castigos seriam cada vez maiores. Convidou-os a observar o Quarto Círculo. Ali padeciam pródigos e avarentos condenados a rolar com os próprios peitos grandes pesos de barras e moedas de ouro, enquanto trocavam injúrias entre si.

Mas os pecadores, confiantes na impunidade, não se comoviam. Nem mesmo a visão o Quinto Círculo foi o suficiente para convencê-los. A cachoeira de água e sangue borbulhante não bastou. Reconheceram alguns amigos nas praias onde os acusados de ira brigavam e torturando-se mutuamente em ódio sem fim, enquanto os rancorosos, sem demonstrar sua ira, habitavam a lama do fundo do rio.

Por um momento, Minos ponderou se Sexto Círculo seria castigo adequado a pecadores tão insensíveis. Eles haviam, afinal de contas, atentado contra valores e crenças fundamentais. Mas de alguma maneira, pareceu pouco condena-los a túmulos coletivos e abertos de onde sai o fogo eterno.

O Sétimo Círculo pareceu punição mais adequada. Adequada, sem duvida. Mas talvez não suficiente. Ali ficavam os violentos. Aqueles que praticavam ou estimulavam a violência, a divisão, o ódio. E estes pecadores haviam feito do ódio uma ferramenta. Mas foram muito mais que isso.

Com a confiança na impunidade abalada, os pecadores observavam horrorizados quando Minos passou a contemplar envia-los para o Oitavo Círculo. Ali se punia a fraude. Demônios acoitavam aqueles que exploraram as paixões dos outros, controlando-os para servir a interesses próprios. Submergidos em fosso de esterco, estavam todos aqueles que exploravam os outros através de linguagem fraudulenta e raciocínios falsos.

Ali também eram mandados os corruptos. Estes, condenados a habitar lago de piche fervente. Em vida, tiraram proveito da confiança que a sociedade depositava neles. No inferno estão submersos, escondidos, pois suas negociações eram feitas a sombra.

Minos cocou a cabeça. Observou que neste nível também eram punidos hipócritas, ladrões, maus conselheiros, os semeadores de discórdias, e os falsários. Reconheceu a dificuldade de sua missão. Este grupo de pecadores parecia se encaixar em qualquer uma das opções. Ou em todas elas.

Concluiu que a justiça exigia envia-los ao Nono Círculo. Ali padeciam os traidores. Lugar apropriado para pecadores que subtraíram a crença e esperança, substituindo-as por desgosto e amargura. Traíram pessoas, instituições, crenças, ideais, o futuro. Muitas vezes, roubaram coisas que não os fazerem mais ricos. Mas sempre nos tornaram mais pobres.

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