Alguma coisa vai acontecer. Não dá para imaginar o país insosso, amorfo e inodoro diante de tanta roubalheira que vai sendo divulgada através das delações premiadas da Operação Lava Jato. Pior seria a crise social de que falou o comandante do Exército. O fato dele ter falado já acende a luz amarela no semáforo postado na Praça dos Três Poderes. Não se fala de golpe militar, é claro, mas de que as forças armadas, como mil outras entidades, associações, corporações, federações e sindicatos estão chegando ao ponto de ebulição. Como o Brasil aceitará sem reagir a esse festival explícito de assalto aos dinheiros públicos, encenado por governantes, parlamentares, políticos, altos funcionários públicos e empresários, integrantes da mais formidável quadrilha jamais formada entre nós? São minoria em suas categorias, é verdade, mas minoria tão poderosa, descarada e criminosa a ponto de ofuscar as respectivas maiorias.
A roubalheira, por si só, já seria motivo de monumental indignação, mas some-se a esse horror os efeitos da crise econômica que nos assola. Fruto, é evidente, da incompetência e das fantasias do grupo que chegou ao poder nos últimos doze anos. Diga-se, legitimamente, pelo voto. Uma evidência a mais de que nossa democracia ainda precisa de muito tempo para aprimorar-se.
O problema é que à reação nacional ao insuportável assalto aos cofres públicos, promovido por agentes do Estado, vieram somar-se flagelos sacrificando a população. Impossível aceitar sem reagir o desemprego em massa, a redução de salários e de direitos trabalhistas, o aumento de impostos, taxas e tarifas, a perda do poder aquisitivo dos salários, a deterioração dos serviços públicos, em especial educação e saúde, a escalada da violência urbana e rural, as greves atingindo categorias fundamentais do meio social, como polícias, hospitais, escolas, transportes e a infraestrutura.
Ao longo de muitas décadas de vivência e observação dos fenômenos sociais, recordo-me do primeiro. Nos idos de 1945, ainda de calças curtas, assisti da janela de um apartamento na rua do Catete, no Rio, a invasão, a depredação e o saque da Padaria Vitória, onde na véspera morrera um estudante, depois de comer um doce estragado. De forma espontânea, em protesto, a multidão destruiu não apenas aquele estabelecimento comercial, mas centenas de outros, num movimento que se espraiou do bairro do Flamengo a toda a Zona Sul e, depois, à capital federal inteira. Foram três dias de rebelião que nem a polícia nem o Exército conseguiram conter.
De lá para cá tenho registrado incontáveis explosões populares, algumas até pacíficas, outras nem tanto. Sempre motivadas pelo inconformismo da massa, ainda que detonados por um episódio inesperado qualquer.
É o que infelizmente se deve esperar agora. Uma faísca em condições de atingir o imenso barril de pólvora em que transformaram o Brasil. Depois, será modificar e recompor as instituições. Mas a que preço?
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