E é uma procura alegre. Não há verdade raivosa. Há uso raivoso da verdade. Uma tristeza. Coisa tão delicada não merece o ódio. Nem a indiferença. “Eu acho” é um nome para a indiferença. Quando vem colado num “tenho certeza” é uma calamidade arrogante. Não é possível ter certeza sobre nada cuja verdade não tenha sido amorosamente buscada. Limpada do entulho que as nossas opiniões e covardias morais colaram nela. Só então pode ser mostrada. Não sendo assim, não se diga “tenho certeza”. Noel Rosa, que sabia das coisas, tem uma canção que começa assim: “Quem acha vive se perdendo”. Chama-se “Feitio de oração”. É isso mesmo: a procura da verdade tem feitio de oração. E gosto de transcendência. É maior do que nós. E na maré de citações, vá mais esta, que está lá na Bíblia: “A verdade vos libertará”. Não a opinião. O mercado de opiniões é numeroso e barulhento. A verdade é silenciosa e humilde. E é a coisa mais radical que há.
A coragem da verdade é necessária para derrubar aparências, preconceitos, pré-julgamentos. E leviandades e ódios, com que, por má-fé ou preguiça, a vamos sobrecarregando. A menor distância entre dois pontos é uma reta, é o que os geômetras nos ensinam. E a menor distância é a mais fácil. Uma opinião é fácil, um preconceito leva em linha reta a outro. E de reta em reta nos afastamos da verdade pelos caminhos mais curtos. Como a covardia da opinião arrogante acaba sendo desconfortável, saímo-nos com esta: “Tenho certeza. Eu acho.” E pronto. Podemos fazer acordos em torno dessas certezas meia-sola e ir adiante. Mas a verdade não admite acordos. Quem só acha não descobre nada. Vive se perdendo.
Atualmente, neste país crivado de ódios assustadores, a tentação do caminho curto se tornou como que a essência da nossa alma política. Em relação a quase tudo, temos certeza daquilo que apenas achamos. Se achamos, se para nós está na cara, só pode ser verdadeiro. Vai-se ver, em alguns casos é mesmo. Só não podemos saber antes de procurar. “A honesta procura da verdade”, dizia-se muito antigamente, quando honestidade era requisito trivial. Hoje são malvistos os que procuram e esmiúçam, não veem de saída o que está na cara, logo, é verdade. Pode ser. Claro. Mas, honestamente, não sabemos. Pá e lupa são requeridas. Mas teimamos em ter certezas a olho nu.
Exigimos ética na política. Devia ser obrigação. Virou bandeira. Nós, os virtuosos, apontamos o dedo contra as podridões do poder. As corrupções. Os autobeneficiamentos. A ladroagem. Tudo que desmoraliza a política, que a torna suja, que afasta dela as “pessoas de bem”. Esses são atos, e são imorais. Os políticos que os praticam, além de imorais são antiéticos por se desconectarem do compromisso com a verdade. E nós também somos antiéticos, quando, na fúria dos nossos julgamentos, nos pomos na arrogância do “eu tenho certeza — eu acho”, sem termos antes ido verificar. Entramos demais, às vezes com boa fé, no pântano das opiniões incertas. Mas ficamos orgulhosos, porque sabemos. Quer dizer, achamos. Quer dizer, temos certeza.
O país está partido. Cada grupo de opinião tem hoje 100% de certeza. No fim da conta, há uns 700% de convicções para uma verdade só, à qual bastam 100%. O resto vira fumaça, quando a verdade aparece. Estaríamos certamente mais felizes se tivéssemos menos certezas automáticas, disparadas pelo botão do ressentimento. E mais um pouco da serena, difícil, coragem da verdade. Seríamos com certeza mais fraternos. E desentupiríamos os canais do ódio.
Isso vale, é claro, para todos. Todos, sem exceção de ideologias ou posições relativas de governo e oposição. E igualmente vale para nós, que assistimos ao espetáculo deplorável da política hoje, aqui, e tornamo-nos deploráveis também, porque, afetados de descompromisso com a verdade, nos precipitamos pelo fígado para a opinião condenatória mais próxima. Cegamente. E aí, como haveremos de procurar? Aliás, para quê? Já temos certeza — achamos.
Marcio Tavares D’amaral
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